O Grupo de Trabalho de Educação Popular foi criado em 1981. Teve o forte protagonismo de educadores e pesquisadores identificados com a educação popular, constando este GT entre os primeiros a serem estruturados pela entidade.
Abaixo encontram-se Notas sobre o Histórico do GT Educação Popular da ANPED e Balanço dos debates do GT Educação Popular na década de 90, de autoria de Reinaldo Matias Fleuri. Estes textos fazem parte do trabalho encomendado pelo GT para a reunião realizada em 1999, onde Reinaldo Matias Fleuri e Marisa Vorraber Costa dialogam sobre o histórico e essa produção do GT. Esse trabalho foi posteriormente publicado no livro Travessia: questões e perspectivas emergentes na pesquisa em Educação popular. A integra desse profícuo diálogo está disponível nesta área do GT em "Documentos".
Notas sobre Histórico do GT Educação Popular da ANPEd
Reinaldo Matias Fleuri
A Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), fundada em 1976, realiza reuniões anuais desde 1978. Em sua quarta reunião, sediada em Belo Horizonte em 1981, propôs-se a estruturar-se em Grupos de Trabalhos (GT). Entre estes, foi criado o GT Educação Popular, que se reuniu pela primeira vez em 1982, sob a coordenação de Osmar Fávero, durante a 5ª Reunião anual da ANPEd, no Rio de Janeiro.
O clima político no Brasil, no início dos anos 80, foi animado pela organização dos movimentos sociais de base, pelas grandes mobilizações de massa e pela reorganização partidária nas lutas pela redemocratização do Estado. Neste contexto, o GT Educação Popular da ANPEd buscou contribuir para sistematizar a memória dos movimentos de Educação Popular nos anos sessenta. Mas, após sua instalação, o GT passou nos anos seguintes por um período de indefinição e indecisão. Em 1984 (na 7ª Reunião da ANPEd, em Vitória), verificou-se, entre outras, a necessidade de repensar a Educação Popular frente à política do Ministério da Educação e Cultura no novo Governo e a necessidade de ressituar o GT Educação Popular no conjunto dos GTs da ANPEd. Em 1985, o GT Educação Popular não se reuniu e, em 1986, organizou sua retomada.
Em 1987 (na 10ª Reunião Anual da ANPEd, em Salvador), o GT, então sob a coordenação de Sérgio Haddad, reorganizou-se em torno dos temas já definidos na reunião anterior: luta popular pela escola pública, escolarização do adulto trabalhador, produção de conhecimento nas práticas de Educação Popular, relação entre movimentos populares e Estado na Nova República. Em 1988 (11ª Reunião Anual da ANPEd, em Porto Alegre), seguindo o esforço da ANPEd por orientar seus estudos e debates no sentido de influenciar nas opções políticas em jogo na Constituinte e na proposição de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o GT Educação Popular priorizou o tema Escolarização do Adulto Trabalhador. Os trabalhos apresentados nesta perspectiva discutiam a questão da escolarização da juventude trabalhadora em cursos noturnos, a implantação do Ensino Supletivo, experiências de alfabetização de adultos. Em 1989 (na 12ª Reunião Anual da ANPEd, em São Paulo), o trabalhos do GT voltaram-se para a elaboração de propostas específicas para discussão do projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em relação à escolarização de jovens e adultos. O GT dedicou-se também ao planejamento de uma sistemática mais permanente para seu trabalho como grupo.
Assim, na segunda metade da década de 80, no contexto da elaboração da Nova Constituição Federal brasileira, os pesquisadores reunidos na ANPEd voltaram seus esforços para contribuir na difinição da política educacional do país. O GT de Educação popular priorizou os estudos e a formulação de propostas no campo da Educação de Adultos. Passou-se, deste modo, de uma perspectiva memorialista, que buscava inicialmente reavivar e sistematizar a memória da educação popular dos anos 60 sufocada pelos longos anos de ditadura, a uma perspectiva propositiva no contexto de institucionalização democrática do Estado e da sociedade civil, contribuindo prioritariamente para a discussão da orientações políticas para a educação de jovens e adultos. Nesta mesma perspectiva, as temáticas da produção de conhecimento nas práticas de Educação Popular, relação entre movimentos populares e Estado, enunciadas anteriormente e deixadas em segundo plano, viriam a ser retomadas no início dos anos 90.
Em 1990 (na 13ª Reunião Anual da ANPEd, em Belo Horizonte), o GT Educação Popular desenvolveu sessão conjunta com os GTs Educação e Movimentos Sociais no Campo e Estado e Política Educacional no País. A interação do GT Educação Popular com outros GTs foi uma ocasião para focalizar com mais ênfase o tema de Movimentos Sociais e Educação, para além do tema Educação de Jovens e Adultos, que havia capitalizado a atenção dos(as) pesquisadores(as) nos anos precedentes. Permanece, entretanto, para os e as participantes do GT, a necessidade de criação de um espaço de reflexão sobre o papel das Universidades no campo da Educação de Adultos, suas dificuldades e desafios nas áreas de pesquisa, ensino e extensão. Emerge nesta ocasião a preocupação com a questão epistemológica, que vai motivar os trabalhos do GT durante toda a década de 90. A questão da investigação científica é levantada a partir da preocupação com o fazer: investigar e assessorar, investigar e capacitar, investigar e agir criticamente
Já em 1991 (na 14ª Reunião Anual da ANPEd, em São Paulo), sob a coordenação de Victor Vincent Valla, os trabalhos foram articulados em torno de três blocos principais: a escola pública e a Educação Popular, os movimentos sociais e a Educação Popular, e a questão feminina na Educação Popular. Coloca-se o tema reprodução do conhecimento, inspirado pelas reflexões de Oscar Jara: até que ponto nos limitamos a reproduzir conhecimento, desprezando os processo de produção do saber presente na prática social? Defende-se a construção do conhecimento baseado na relação entre experiência e conhecimento. Nesta mesma reunião, definiu-se como eixo temático de reflexão do GT a Educação Popular e instituições. Formas alternativas de investigação. Relação entre o conhecimento científico e o conhecimento produzido pelos setores populares organizados da sociedade civil.
Estas preocupações parecem articuladas com a conjuntura social e política daquele período. Além das conquistas políticas das eleições diretas e da nova Constituição, já vários governos de municípios importantes haviam sido assumidos por forças de esquerda. Os movimentos sociais e as práticas de educação popular – que na década de 70 haviam crescido como forças de resistência e oposição ao governo ditatorial, e na década de 80 haviam concentrado esforços nas mudanças institucionais do Estado – agora nos anos 90 encontravam-se na condição de interlocutores com governos locais que representavam, em princípio, seus interesses. As estratégias de oposição ou de conquista das instâncias institucionais, elaboradas nas lutas das décadas anteriores, demonstravam-se insuficientes para articular os múltiplos interesses e a diversidade cultural constitutivas dos movimentos sociais, assim como para interagir democraticamente com a estratégias de poder produzidas pelos diferentes setores sociais, cujo antagonismo político era muito mais evidente em períodos anteriores. A diversidade e a dinamicidade dos movimentos sociais colocavam desafios novos, para cuja interpretação as categorias e as teorias elaboradas até então demonstravam-se insuficientes.
Este clima social e político refletia-se no próprio tema Educação Popular e Conhecimento, priorizado pelo GT Educação Popular em 1992 (na 15ª Reunião Anual da ANPEd, em Caxambu ). Foram apresentados 8 trabalhos e uma comunicação, todos abordando a questão do conhecimento sob diferentes enfoques. Discutiu-se a relação saber popular/saber científico, a questão da função social do conhecimento, problematizando-o nas práticas de movimentos urbanos, de barragens e de saúde, assim como na formação de professores. Discutiu-se a questão do processo de conhecimento em Paulo Freire e na perspectiva do psicodrama. É importante registrar que, no interior desse debate, surge o questionamento da polaridade entre o científico e o popular, favorecendo a emergência de uma perspectiva multidisciplinar. A partir de então colocava-se em cena a idéia de um conhecimento científico que transita em diferentes disciplinas, ao mesmo tempo que se registra um movimento de negação da hierarquia de saberes. O Grupo assumiu, ainda nesta reunião, a tarefa de preparar estudos para subsidiar a discussão sobre a questão metodológica em Educação Popular, tendo como pano de fundo os aspectos conceituais da Educação Popular.
Em 1993 (na 16ª Reunião da ANPEd, que focalizou o tema Paradigmas, Avaliação e Perspectivas), os 5 trabalhos e 9 comunicações apresentados no GT Educação Popular indicam que a preocupação com a temática priorizada no ano anterior é mantida. Focaliza-se a crise dos movimentos sociais e a emergência da nova ordem mundial. Analisam-se os pressupostos teóricos de educação popular e as implicações epistemológicas da metodologia (pesquisa-ação) utilizada na produção de conhecimento. Até então a preocupação do GT tinha sido a de mapear teoricamente os problemas epistemológicos, e no ano de 93 as indagações remeteram para o exame das implicações epistemológicas dos trabalhos de Educação Popular. Parece um olhar mais direcionado, mais pontual. Pode-se registrar também uma nova tendência: entra em cena a hermenêutica para contribuir no exame das relações entre ciência e conhecimento. Os debates apontam para o resgate da categoria experiência e aprofundamento de conceitos como representações sociais e subjetividade. Uma das questões interessantes que emergiram nesse debate foi a crise dos mediadores nas práticas de educação popular, cujas manifestações culturais e formas de organização popular sugerem nostalgia de um passado irrecuperável e uma certa uniformidade e homogeneidade que nunca existiram nos movimentos de Educação Popular. Registrou-se também, nesta reunião do GT, o ressurgimento da preocupação com a pesquisa sobre educação de jovens e adultos.
O debate sobre a metodologia da educação popular apontou para um dimensão mais profunda dos problemas vividos nas práticas de mediação entre as instituições do Estado e os movimentos populares. As dificuldades de compreensão recíproca, não decorrem apenas de problemas metodológicos, mas do próprio estatuto epistemológico das ciências e dos saberes populares, assim como da configuração das relações de poder que se tecem dinamicamente na sociedade como um todo. Da mesma forma que, na conjuntura política daquele período, esboroava-se o mito do governo centralizado a partir de um projeto único de sociedade (com a queda do Muro de Berlim), em nível de elaboração científica, o modelo hegemônico de ciência estava sendo colocado em cheque pela multiplicidade e vitalidade de saberes que circulam na sociedade e interagem conflitivamente na constituição dos discursos de verdade. Se o Estado parecia não mais ser o ponto privilegiado para gerir a sociedade, a Ciência estava sendo questionada como ponto de vista privilegiado para compreender a pluralidade dos conhecimentos produzidos socialmente.
Em junho de 1994, O GT Educação Popular, agora sob a coordenação de Reinaldo Matias Fleuri, realizou um Estágio de Intercâmbio, em Florianópolis. Foram discutidos 11 trabalhos. A questão do entendimento dos processos de participação e de construção da subjetividade nas práticas de Educação popular foi um tema que perpassou todos os trabalhos apresentados. As pesquisas indicam, ainda, pontos de intersecção em algumas questões que já vinham sendo discutidas no GT, como é o tema da metodologia da educação popular, o do saber e poder na construção do conhecimento, o da prática educativa nos movimentos sociais, da educação de jovens e adultos, ou o tema educação em saúde.
Ainda em 1994, durante a 17ª Reunião Anual (cujo tema geral foi Ética, Ciência e Educação), os debates ocorridos no GT Educação Popular sobre os 4 trabalhos e 10 painéis de comunicações enfatizaram três temas: as relações de poder na educação popular, cultura de massa e cultura popular e educação de jovens e adultos. Neste encontro, a discussão sobre a questão epistemológica toma um rumo, de certa forma já anunciado no ano anterior. Eclodiu o tema que vinha mobilizando o GT em anos anteriores, ou seja, “a dificuldade que os profissionais e intelectuais têm de compreender o que as classes populares estão querendo lhes dizer”. Para VALLA, esta dificuldade está relacionada tanto com o preconceito de que as pessoas “humildes, pobres, moradoras da periferia” sejam incapazes de produzir um conhecimento válido e tomar iniciativas coerentes, quanto com a desconsideração da diversidade de grupos sociais, constituída a partir de diferentes raízes culturais e contextos sociais, que são entendidos sob o conceito de “classes subalternas”.
O que se coloca em questão é a pressuposição de que “as idéias de uma época têm sua origem com as elites, as classes superiores, e que a sua difusão chega às classes subalternas de uma forma mecânica, sofrendo deterioração e sendo deformadas na medida em que são assimiladas pelas classes subalternas” (VALLA, 1994, citando GINZBURG, 1987). Neste sentido, “a cultura popular dever ser pensada como cultura, como conhecimento acumulado, sistematizado, interpretativo e explicativo, e não como cultura barbarizada, forma decaída da cultura hegemônica, mera e pobre expressão do particular” (MARTINS, 1989, apud VALLA, 1994).
Mais propriamente, é preciso reconhecer as culturas populares, no plural, que constituem as diferentes formas de organização social e de interpretação da realidade construídas pelos diferentes grupos sociais que constituem as chamadas “classes subalternas”. São culturas, com representações sociais e visões de mundo específicas, elaboradas segundo lógicas e categorias próprias. Ao ignorá-las ou desqualificá-las, os intelectuais e operadores sociais correm o risco que não entendê-las, de invalidar estes saberes e reforçar a trama de poder de em nossa sociedade subjuga estas culturas.
O debate sobre a crise de compreensão a respeito das culturas e das formas de organização das classes populares, coloca em foco questões relativas à cultura, à subjetividade, ao imaginário e às representações sociais, problematizando as concepções metodológicas e os pressupostos epistemológicos da Educação Popular.
Nesta reunião, o GT Educação Popular escolheu como foco temático orientador dos estudos e debates a serem desenvolvidos no período seguinte as relações de poder na educação popular: o saber popular e outros saberes.
Em 1995 (na 18ª Reunião Anual, que focalizou o tema Poder, Política e Educação), o GT Educação Popular, sob a coordenação de Marisa Vorraber Costa, debateu 8 trabalhos e 5 comunicações. Desenvolveu-se uma interessante discussão sobre os estatutos de legitimidade do saber acadêmico e sobre os saberes populares. Questionou-se a tentativa de enquadrar os saberes populares segundo os critérios de cientificidade dos saberes acadêmicos. Reconheceu-se a necessidade de educadores e educadoras populares participarem do jogo de políticas de verdade para subverter a lógica que institui os critérios de cientificidade, rompendo com uma certa política de indiferenciação, de homogeneização, e construindo um quadro em que se reconhecem o estatuto e a legitimidade dos saberes populares. O debate foi considerado tão rico e instigante que o GT decidiu manter para a reunião do ano seguinte o mesmo tema do debate: as relações de poder na educação popular: o saber popular e outros saberes.
Em 1996 (no contexto da 19ª Reunião Anual que priorizou o tema Política da Educação no Brasil: globalização e exclusão social), os trabalhos apresentados no GT Educação Popular apontam um aprofundamento da compreensão das relações de poder na educação popular, enfatizando a elaboração conjunta do conhecimento e a condução coletiva dos processos educativos a partir da tensão que circula entre os diferentes saberes nas práticas sociais. Emergem estudos que, indo além da crise de compreensão das práticas e sujeitos sociais, elaboram novas chaves epistemológicas de interpretação das formas de organização popular (como a teoria do apoio social), ou de elaboração coletiva de pesquisa (como a sociopoética), ou de interação entre práticas populares e saberes institucionais (como práticas populares em saúde e medicina). Focalizam-se mais particularmente experiências não-formais de educação e de elaboração de saberes em sua relação com a escola, a educação de adultos ou programas oficiais de saúde preventiva.
Um passo significativo na formulação de novas perspectivas epistemológicas emergentes nas pesquisas em educação popular foi a o Encontro de Intercâmbio do GT, realizado em João Pessoa, no mês de maio de 1997, em torno do tema A pesquisa em Educação Popular: novos olhares, novas conexões, novas possibilidades de problematização. Os 10 trabalhos – apresentados neste encontro e publicados no livro Educação popular hoje (COSTA, 1998) – constituem uma versão atual do estado da discussão sobre Educação Popular, sem no entanto referir-se a balizadores paradigmáticos pré-estabelecidos. Os textos problematizam o discurso da globalização no atual contexto, discutindo seus pressupostos epistemológicos e suas implicações para a reconceitualização da educação popular. Segundo a organizadora da publicação, Marisa V. Costa, a globalização representa uma palavra chave de retóricas estratégicas, que constituem um meticuloso jogo político em que os discursos vão instituindo proposições quase unanimemente inquestionáveis. Globalizar pode significar homogeneizar, diluindo identidades e apagando as marcas das culturas ditas inferiores, das raças, etnias, gêneros, linguagens, religiões, grupos, etc. que, segundo a lógica das narrativas hegemônicas, foram identificadas como portadoras de deficiências, entre elas de racionalidade. Assim, “neste final de milênio, parece que não se trata mais apenas de lutar pela sobrevivência física, material, dos grupos marginalizados, trata-se agora de lutar pela própria possibilidade de sua existência no campo do simbólico” (COSTA, 1998, p. 9), compreendendo suas culturas como sistemas originais de viver e pensar. Nesta perspectiva, os trabalhos discutidos neste encontro e publicados no livro, apresentam contribuições relevantes dos pontos de vista das teorias da complexidade, do apoio social e da sociopoética, para elaborar chaves epistemológicas de interpretação processos de organização popular e propostas metodológicas de educação popular no contexto da globalização.
A 20ª Reunião da ANPEd, em 1997, colocou em foco o tema Educação crise e mudança: tensões entre a pesquisa e a política. Ambientados neste clima temático, os 10 trabalhos e 5 pôsteres apresentados no GT Educação popular orientam os debates para aprofundar, os temas da construção da identidade, o cotidiano, as representações sociais, e avançam no debate sobre o apoio social, buscando na religiosidade popular as novas estratégias de organização e de elaboração de saber das classes populares. Ao mesmo tempo, aprofunda a crítica aos paradigmas, reproblematiza os conceitos de educação popular, apresenta perspectivas de educação intercultural. A atenção para as práticas de educação popular relativas aos movimentos de meninos de rua, de saúde, de educação de adultos, entrando em cena agora a atenção ao movimento de trabalhadores rurais sem terra e à relação entre o tráfico de drogas e a escola.
O tema geral da 21ª Reunião da ANPEd, em 1998, foi Conhecimento e Poder: em defesa da universidade pública. O GT Educação Popular, buscou refletir – a partir de 2 trabalhos encomendados – sobre os diferentes caminhos e significados da educação popular em diferentes contextos e entender a revalorização da educação popular numa conjuntura de crise. Discutiu, ainda, em mais 10 trabalhos e 5 pôsteres, a educação popular em programa de saúde da família, na alfabetização de adultos e na prática educativa de meninos de rua. Um grande espaço foi criado pelos trabalhos que estudam, sob diferentes aspectos, os movimentos sociais no campo. A importância do Movimento dos Sem Terra no contexto brasileiro catalisou, nesse ano, a atenção de vários pesquisadores. A discussão epistemológica avançou na perspectiva das teorias da complexidade e das configurações.
O GT Educação Popular da ANPEd chega agora, em 1999, com um significativo cabedal de elaboração teórica, seja sobre a crítica dos pressupostos epistemológicos e metodológicos das práticas de educação popular, seja de contribuição para a formulação de novos paradigmas para a pesquisa em educação no contexto de travessia para a época que se delineia no horizonte do novo milênio.
Análise dos trabalhos apresentados na década de 1990
Reinaldo Matias Fleuri
O núcleo temático, em torno do qual o GT de Educaçào Popular veio tecendo na última década do século XX sua identidade teórico-metodológica, no diálogo com os outros GTs da ANPEd, parece ser justamente a busca de reelaboração de modelos epistemológicos a partir e em função da diversidade de perspectivas e de interesses que constituem os saberes das classes populares.
Tal hipótese pode orientar um estudo mais atento dos trabalhos discutidos no GT Educação Popular, no sentido de apreender suas contribuições específicas para a discussão sobre a questão epistemológica e metodológica da educação popular, numa década em que a ANPEd veio mobilizando os pesquisadores em educação no Brasil em torno de temáticas que focalizam acrise dos paradigmas, os fundamentos da ética e da ciência, do poder e da política, a globalização e exclusão social, astensões entre a pesquisa e a política, o conhecimento e poder.
Percebe-se uma grande afinidade e mesmo pioneirismo dos estudos debatidos no GT Educação Popular em relação aos temas gerais priorizados pelas últimas Reuniões Anuais da ANPEd. Assim, a partir da rápida retrospectiva histórica do GT Educação Popular esboçada acima, pode-se detectar que, acompanhando e quase precedendo a evolução da temática geral destas reuniões, a discussão sobre a relação sobre o conhecimento na educação popular, colocada no GT em 1992, impulsiona em 1993 a crítica dos pressupostos epistemológicos da educação popular, no contexto da crise de paradigmas e da emergência da nova ordem mundial. Introduz-se o referencial da hermenêutica para a análise da metodologia de educação popular. Tal discussão dos modelos de conhecimento enseja a tematização, em 1994, da crise de compreensão dos saberes das classes populares por parte dos mediadores em educação popular. Tal debate é alimentado com estudos da sociodinâmica, dasrepresentações sociais e do imaginário. Em 1995, aprofunda-se o debate sobre as relações de poder inerentes à elaboração e à relação entre saberes. Em 1996, formulam-se teorias capazes de permitir novas interpretações das relações de saber-poder nas formas emergentes de organização popular (como a teoria do apoio social), ou na elaboração coletiva do conhecimento (como asociopoética). Em 1997, a produção do Encontro de Intercâmbio consolidou a crítica aos pressupostos epistemológicos da ciência e da educação popular, e a perspectiva da complexidade veio contribuir para formulação das perspectivas teóricas emergentes nas propostas da teoria do apoio social e da sociopoética. Já na Reunião deste mesmo ano, o tema dareligiosidade popular ampliou os estudos que vinham se fazendo a respeito do apoio social na busca de se entender as formas emergentes de organização popular. Tal linha de pesquisa foi reforçada pela retomada do enfoque das representações sociais e pela discussão dos padrões sócio-culturais populares. Em 1998, o aporte da teoria das configurações amplia o enfoque da teoria da complexidade na busca compreensão da diversidade/unidade de sentidos e dimensões da educação popular, nos diferentes campos e movimentos sociais.
Os estudos recentes discutidos no GT Educação Popular indicam, portanto, que os modelos teóricos desenvolvidos por intelectuais brasileiros para interpretar os problemas e as práticas dos movimentos populares – no contexto de amplas mobilização sociais e culturais dos anos 60, ou no contexto de resistência à ditadura dos anos 70, ou então nos processos massivos de luta pela de redemocratização política dos anos 80 – foram colocados em questão nos anos 90. O que aparece como crise dos movimentos sociais passa a ser percebido como crise dos modelos de conhecimento a partir dos quais os intelectuais, profissionais e militantes têm buscado entender realidade dos movimentos sociais. Trata-se de uma crise de legitimidade do saber científico, frente à legitimidade e autonomia dos saberes dos diferentes grupos e movimentos sociais, que se configuram como uma rede múltipla e variável de relações de poder. De um lado, a explicitação destas relações de poder coloca em questão o próprio estatuto de cientificidade do saber acadêmico que, por sua configuração epistemológica, tem negligenciado dimensões essenciais da realidade e da prática social. De outro lado, os diferentes sujeitos sociais que emergem no cenário político e cultural reivindicam o reconhecimento da diferença de suas identidades, de suas práticas, de seus saberes e de suas culturas, ao mesmo tempo que a igualdade de oportunidades e de direitos no jogo social de poder. Os campos da cultura e da constituição das subjetividades, aparecem como espaços privilegiados de luta, tão importante quanto os campos político, econômico e ecológico.