Entrevista com Maria Luiza Flores, professora adjunta do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação e com Simone Albuquerque, professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRGS, atua no Departamento de Estudos Especializados (DEE) na área de Educação Infantil. A entrevista integra reportagem especial da ANPEd sobre a Educação Infantil.
Importância do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância)
Em primeiro lugar, é preciso destacar que, a educação infantil é uma área relativamente nova no que se refere à proposição de políticas públicas diretamente vinculadas à área da educação, uma vez que nosso país tem um histórico de políticas de atendimento às crianças de até seis anos vinculado às áreas da saúde ou da assistência. Em 1988, o inciso XXV do Artigo 7º da Constituição Federal incorporou a assistência gratuita aos filhos e dependentes, desde o nascimento até os seis anos em creches e pré-escolas, como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais. Ao mesmo tempo, em seu Artigo 208, a Carta Magna colocou esta oferta como dever do Estado para com a educação, mas foi a Lei de Diretrizes a Bases da Educação Nacional, de 1996, que oficializou o uso da expressão educação infantil para esta primeira etapa da educação básica, integrando suas duas subetapas, creche e pré-escola.
Cabe ainda ressaltar que, pela divisão constitucional de competências entre os entes federados, a educação infantil apresenta-se como responsabilidade prioritária dos entes municipais e mesmo que os estados e a União devam prestar assistência técnica e financeira aos municípios, temos observado que nos últimos anos os estados vem se ausentando desta oferta, justamente em um momento em que, pressionados pelas metas dos dois últimos plano nacionais de educação, os municípios, desde a Emenda Constitucional 59/09, vem sendo cobrados em termos de uma expansão da oferta de vagas que efetive a universalização da pré-escola até este ano, 2016.
É nesse contexto que surge o Proinfância, programa federal criado em 2007, materializando uma política pública de cooperação entre a União e os municípios, depois de longos anos sem um investimento do Governo Federal em relação a esta etapa. Visando contribuir para a ampliação das redes municipais de educação infantil, a partir da adesão dos municípios ao Programa, a União efetiva repasse de recursos federais destinados à construção de prédios para a instalação de novas unidades e aquisição de materiais e equipamentos.
Ao longo do seu desenvolvimento, o Programa foi sendo ampliado e articulado a outros programas e ações federais que qualificaram significativamente sua efetividade, ampliando seu impacto no âmbito desta oferta educacional e da inclusão social. Dentre estes, citamos: (1) a ação Brasil Carinhoso, que complementou recursos para crianças vinculadas ao Programa Bolsa Família e matriculadas em creche e ampliou o valor repassado pelo Programa Nacional da Alimentação escolar para alimentação na creche e na pré-escola; (b) a Lei 12.499/2011, que autorizou o repasse de recursos a partir da criação de novas turmas já no próprio ano de efetivação das novas matrículas; (c) a produção de materiais de apoio para uma adequada utilização dos novos prédios, de seus espaços e recursos; (4) a realização de convênios com universidades ou a contratação de consultores a partir de editais públicos, com o objetivo de prestar assessoria técnico-pedagógica aos municípios contemplados com novas unidades.
Gostaríamos de falar um pouco mais sobre este último aspecto, pois as pesquisas e materiais produzidos por universidades e consultoras nos permitem afirmar que o Proinfância vem contribuindo de maneira significativa, não apenas para ampliação do atendimento, mas, também, para a constituição e consolidação da identidade da educação infantil. As novas unidades resultantes da adesão municipal ao Programa são construídas em terrenos com, no mínimo, 2.800 metros quadrados, resultando em uma obra de grande porte, que chama a atenção do bairro, colocando o direito à educação para as crianças pequenas em evidência e ampliando a demanda manifesta por parte das famílias.
A assessoria técnico-pedagógica tem contribuído com orientações para a execução dos processos de funcionamento e regularização das novas unidades, atuando em temas como elaboração de proposta pedagógica, formação inicial e continuada de profissionais, organização dos espaços e tempos, pautando estudos a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Res. CEB/CNE 05/09).
Esse processo de assessoramento produziu diversos movimentos positivos: trouxe o tema da educação da primeira infância naqueles municípios onde esta oferta educacional ainda não existia em prédios próprios; levou à constituição de equipe própria de coordenação pedagógica voltada a esta etapa em secretarias de educação onde ainda não havia um responsável por esse espaço; e em alguns municípios onde já havia um número significativo de escolas, toda a rede de profissionais foi envolvida em processos formativos, que resultaram na revisão de documentos de referência para esta oferta e, também, em alguma medida, das práticas cotidianas desenvolvidas com as crianças.
Assim, podemos afirmar que há uma dimensão político-pedagógica de extrema relevância agregada à expansão física das redes municipais de educação infantil.
Em função de diversos problemas na gestão dos convênios tanto no âmbito do Governo Federal quanto no dos municípios, a ampliação do número de vagas previstas não se efetivou, e alguns convênios não se desdobraram na execução da obra e muitas obras encontram-se interrompidas, seja por problemas com as licitações, por falência de empreiteiras, pela falta de competência técnica ou de vontade política de gestores municipais que não efetivaram os encaminhamentos necessários em cada etapa do processo ou, ainda, pela interrupção de repasse de recursos por parte do FNDE.
Nesse sentido, torna-se importante lembrar que o Plano Nacional de Educação vigente até 2024 previu na Estratégia 1.5 a manutenção e ampliação de um programa nacional de construção e reestruturação de escolas visando à colaboração da União para com a expansão e a melhoria da rede física de escolas públicas de educação infantil. Para que isso ocorra é indispensável a atuação do governo federal, equalizando as condições de acesso ao direito educacional, uma vez que muitos municípios brasileiros tem dificuldades para ampliar e manter suas redes próprias.
Os valores atuais do Fundeb para manutenção da educação são insuficientes para o atendimento dos padrões de qualidade na educação infantil, especialmente para a faixa etária da creche.
Sendo assim, vemos com preocupação a proposta da PEC 241 aprovada na Câmara Federal, agora transformada em PEC 55 no Senado, que pretende congelar investimentos em áreas sociais, dentre estas a educação, justamente em um momento em que o país necessita de mais e de novos recursos para efetivar o direito educacional.
Temos observado que alguns municípios, pela questão da demanda por vagas, estão reduzindo o direito ao tempo integral, na contramão do que determina o PNE, oferecendo vagas para os grupos de quatroe cinco anos apenas em tempo parcial. Por outro lado, há municípios realizando contratos com instituições privadas, para a terceirização da gestão nas novas unidades, o que exige controle social e avaliação pelos órgãos de controle e acompanhamento, tendo em vista garantir o cumprimento dos padrões de qualidade.