Confira entrevista com Carlos Eduardo Vieira (UFPR), editor da RBE, cuja gestão à frente da publicação encerra-se neste mês. Vieira analisa avanços recentes, desafios, assim como questões de internacionalização, comunicação e novas propostas para a Revista Brasileira de Educação.
Encerra-se neste mês de abril sua gestão de três anos como editor da RBE. Qual balanço é possível fazer desse período?
O período foi de muito trabalho, particularmente pelo acelerado processo de mudanças no campo editorial brasileiro. Nos últimos anos os periódicos acadêmicos assumiram um protagonismo importante no campo, pois são eles que, em última instância, exercem, por um lado, o papel de circulação do conhecimento e, por outro, certificam e qualificam o processo de avaliação, tanto das pesquisas, como dos pesquisadores e programas de pós-graduação. Publicar em periódicos qualificados tornou-se o objetivo principal dos pesquisadores e dos programas de pós-graduação aos quais estes estão vinculados. Logo, a demanda de trabalho e a responsabilidade dos periódicos foram ampliadas. Neste contexto, o balanço da RBE é bastante positivo, pois pudemos responder positivamente às expectativas da área, proporcionando aos nossos leitores e autores informação científica de alta qualidade e visibilidade para os resultados das pesquisas que publicamos.
A RBE empreendeu nos últimos anos algumas mudanças significativas em termos de periodicidade e ações em prol de uma internacionalização da produção. Quais foram as inovações mais importantes nesse sentido?
A questão da periodicidade foi de suma importância, uma vez que passamos de uma revista quadrimestral para trimestral. Essa mudança, que pode parecer pequena, envolveu uma reconfiguração completa nas rotinas de produção do periódico. Essa mudança tinha como objetivo maior ampliar o número de artigos publicados a cada ano, favorecendo a aceleração e ampliação da circulação das pesquisas. Quanto à internacionalização, a RBE sempre manteve o compromisso de intervenção no cenário internacional, contudo existiam alguns aspectos limitadores, entre os quais a questão da língua. Dessa forma, adotamos, a partir de 2015, a publicação bilíngue (português e inglês), de parte dos artigos, na versão on-line da revista. Essa decisão editorial, que envolveu a elevação de custos de produção e a reformulação de rotinas de gerenciamento do periódico, foi resultante de uma intensa discussão que vem sendo travada no campo da comunicação científica no Brasil e no exterior. O objetivo da publicação bilíngue, evidentemente, é a internacionalização da produção da área que, antes de ser uma exigência dos órgãos de avaliação e financiamento, representa a possibilidade de ampliação da circulação dos resultados da pesquisa veiculados pela RBE, para além das fronteiras nacionais. Cabe ainda mencionar que não temos a ilusão de que os textos publicados em inglês garantem a circulação internacional da produção da área, pois internacionalização não se resume ao compartilhamento de um código linguístico. Questões geopolíticas relacionadas à distribuição do poder e do saber devem ser enfrentadas, sob pena da internacionalização da comunicação científica - entendida como espaço de diálogo livre de constrangimentos e de manifestação das diferenças em condições de igualdade entre os países e culturas - seguir a mesma tendência em curso da internacionalização econômica, reafirmando desigualdades e produzindo exclusão social.
Especificamente sobre a produção da América Latina, qual a importância da ampliação da demanda espontânea para essa região?
Traçamos a estratégia, pensando no horizonte da internacionalização, de concentrar nossos esforços na América Latina. Isso, obviamente, não significa que não temos interesse de publicar e manter relações acadêmicas com pesquisadores de outros continentes. Não obstante, as realidades educacionais na América Latina são equivalentes, seja em termos históricos, como em relação à proximidade geográfica e linguístisca. As ações nessa direção foram adotadas de maneira que a demanda espontânea de artigos oriundos de países como Argentina, Chile e Colômbia passasse a representar uma porcentagem significativa dos manuscritos submetidos para avaliação. Imaginamos que o diálogo com a cultura acadêmica européia e norte americana será facilitado, à medida que os países latino-americanos traçarem estratégias e políticas comuns de intervenção no campo científico em nível mundial.
Fazer com que a produção científica alcance diferentes públicos, com formas dinâmicas de comunicação (como redes sociais), está entre as grandes demandas de periódicos e grupos de pesquisa ao redor do mundo. Como vê essa questão?
Esse é um ponto crucial, pois o potencial da ciência como meio de intervenção na sociedade depende diretamente dos processos de comunicação, considerando os diferentes formatos e linguagens que estão disponíveis. Logo, para além de modernizar o suporte tradicional da publicação científica, precisamos agregar outros meios que auxiliem na circulação das informações. Esses meios têm como principal função encontrar e persuadir os potenciais novos leitores e autores da RBE.
Como vê o papel da RBE para a produção e difusão da pesquisa em Educação no momento e como perspectiva futura?
No momento penso que atendemos um padrão de publicação de qualidade, contudo temos muito ainda para aprimorar em termos de aceleração entre o processo de submissão dos manuscritos, avaliação e publicação. Particularmente, temos que mudar o processo entre o fim da avaliação e a publicação dos artigos, uma vez que no formato em que a revista está hoje, um artigo aprovado pode ter que esperar até um ano para ser publicado. Não podemos mais conviver com essa situação, seja pelo interesse público que espera um retorno dos recursos investidos nas pesquisas, seja no interesse dos próprios pesquisadores que desejam que seus resultados sejam prontamente conhecidos. Para isso, precisaremos mudar e temos propostas. Na Comissão Editorial da RBE é muito forte a idéia de mudarmos o atual formato de periódico impresso e digital para apenas digital. E, na mesma direção, abandonar a publicação de números e passarmos a publicação continua de artigos. Dessa forma, cada artigo aprovado e revisado vai imediatamente para publicação, somando-se a outros que não serão mais organizados por números fechados, mas sim em volumes anuais. Porém, isso é apenas uma tese em discussão que exigirá um amadurecimento, tanto da RBE como da própria ANPEd.