Confira entrevista com Mário Azevedo, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), sobre a internacionalização da educação. Para o pesquisador e integrante da atual gestão da ANPEd (Diretor Financeiro), é preciso diferenciar "transnacionalização" de "internacionalização", a fim de que esta garanta princípios de solidariedade, reciprocidade, interculturalidade, justiça social e respeito mútuo em parcerias e convênios entre instituições.
De que forma a educação superior e a produção de conhecimento têm reivindicado uma "internacionalização" nos últimos tempos?
É uma pergunta que envolve forte complexidade. Por isto, sei que estou correndo o risco de ser simplista, mas, sendo objetivo, o campo acadêmico tem procurado demonstrar sua internacionalização por intermédio de ações, entre outras, tais como a mobilidade transfronteiriça de estudantes e professores, as parcerias e convênios com instituições estrangeiras e a docência e a comunicação de resultados de pesquisa em línguas estrangeiras. Entretanto, tais ações necessariamente não correspondem automaticamente ao que se conceitua como internacionalização. Há um sério perigo de se estar carreando esforços para a transnacionalização da educação superior, algo mais próximo da formação de um mercado global de educação superior. A prova de que se está fazendo internacionalização e não transnacionalização seria atentar se as ações e as políticas de promoção da circulação internacional de ideias consideram os princípios de solidariedade, reciprocidade, interculturalidade, justiça social e respeito mútuo. Assim, sem querer fornecer uma receita, mas os atores sociais comprometidos com estes valores podem balizar suas ações por estes princípios, procurando isentarem-se de carrear esforços para a formação de um mercado mundializado ou transnacionalizado de ensino superior, em que a competição, os rankings e a educação como mercadoria tornem-se preponderantes.
Em artigo de 2014 para a revista Horizontes Latino Americanos, você aborda mitos, enganos e verdades em torno da internacionalização da educação superior. Qual a importância de que a internacionalização não seja um fim em si mesma e que se considere o contexto local, com foco em processos de colaboração e cooperação?
Em diálogo com Hans De Wit, que elenca nove “concepções enganosas” de internacionalização, e Jane Knight, que chama atenção para cinco “mitos” correntes de internacionalização, o artigo tem o objetivo de apresentar questionamentos a algumas ações e políticas que supostamente seriam classificadas de internacionalização da educação superior. Assim, respondendo mais objetivamente a sua pergunta, é um engano tremendo imaginar que promoveríamos a internacionalização acadêmica elegendo temas e programas internacionais como prioritários. Os objetos e temas de pesquisa estão espacialmente situados e podem abranger variadas escalas (local, regional, nacional e global) e os atores acadêmicos devem, de maneira intercultural, respeitar o contexto local, ser solidários e contribuir para o aprimoramento dos laços comunitários. Do contrário, pode-se estar incorrendo em modismos ou, no limite, em etnocentrismo. Aliás, a literatura oferece um exemplar caminho para a produção de ideias e sua circulação internacional. Vale lembrar o alerta de Tolstói: “se queres ser universal, fala da tua aldeia”.
Tendo em vista esse caráter de disputa em torna das verdades da internacionalização, como você avalia o quadro atual brasileiro em torno da questão? Seja cumprindo apenas requisitos de avaliação ou alcançando objetivos mais elevados, a internacionalização é uma realidade na educação superior no país ou é algo ainda incipiente?
Como disse Pierre Bourdieu, em artigo na Revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales, “acredita-se frequentemente que a vida intelectual é espontaneamente internacional. Nada é mais falso”. Assim, apesar do histórico esforço do campo da educação brasileiro para alcançar a internacionalização, ainda temos muito a fazer, isto ainda procurando afastar-se dos enganos e dos mitos negadores dos princípios de solidariedade, reciprocidade, interculturalidade, justiça social e respeito mútuo. A título de exemplo, há casos de instituições de educação superior que buscam a conquista da reputação internacional por intermédio de certificações fornecidas por agências de avaliação, que pretensamente as distinguiriam de outras pela posse de um selo de qualidade ou pela posição em uma tabela de classificação. Sem querer menosprezar, mas cuja importância, do selo, seria semelhante a de uma grife e cuja validade, da classificação, é correspondente a da periodicidade do ranking; tornando o campo acadêmico, que se quer autônomo, dependente de empresas e agências de avaliação, (dependente) inclusive no processo de concessão de fomento.
É possível citar bons exemplos de ações de internacionalização em curso no país?
Há diversos exemplos de internacionalização que respeitam os princípios de solidariedade, reciprocidade, interculturalidade, justiça social e respeito mútuo em ações como a formação de pessoal, seja de maneira integral ou em cotutela (dupla diplomação); a mobilidade “sanduíche” na graduação e pós-graduação; os convênios entre instituições de educação superior; os estágios no exterior; as pesquisas compartilhadas; a publicação de resultados de investigações em veículos de acesso livre, o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) e o Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), que são oferecidos a estudantes de países em desenvolvimento; e as criações da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA) e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
Como a ANPEd se preocupa com a questão? Tanto em nível de posicionamento institucional quanto de ações de parceria e convênios em nível global com possíveis ganhos para os/as associados/as.
A ANPEd tem um extenso histórico de internacionalização solidária. A programação das Reuniões, antes anuais e atualmente bienais, são exemplos de circulação internacional de ideias, com palestrantes e participantes de outros países. Vale destacar que a Revista Brasileira de Educação (RBE) da ANPEd, um dos principais veículos de publicação na área de educação no Brasil, tem acesso aberto, cujos artigos estão disponibilizados para download gratuito no portal da Associação. O Conselho Editorial da RBE tem procurado estimular a publicação bilíngue dos artigos e regularmente têm sido aceitos textos de autores estrangeiros. Ademais, a ANPEd, buscando o diálogo internacional e a construção de ações solidárias, tem buscado parcerias com associações congêneres. Neste sentido, a ANPEd tem estreitado laços de cooperação internacional, tendo mesmo estabelecido protocolos formais com a Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE), a Associação Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões da Língua Portuguesa (FORGES), Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) e World Education Research Association (WERA).