O Ministério da Educação (MEC) anunciou no último dia 18 de outubro a Política Nacional de Formação de Professores. A proposta apresenta um Programa de Residência Pedagógica a fim de substituir e "modernizar" o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência). No entanto, entidades da Educação, como ANPEd e ANFOPE, avaliam o programa como um retrocesso, deixando velada a estratégia de utilizar alunos em formação como mão-de-obra barata para as salas de aula, além de não estreitar o diálogo entre universidade e escola básica. Outro ponto crítico seria uma valorização do currículo como aposta única de melhoria da Educação, de forma articulada com reformas e instituição de uma Base Nacional Comum Curricular.
Convidamos a professora da UFG Miriam Fábia Alves, integrante da diretoria da ANPEd e do GT Estado e Política Educacional, para avaliar o programa. Confira a entrevista:
Foto: Miriam Fábia Alves. Crédito: UFG
Qual sua opinião sobre o Programa de Residência Pedagógica recém-lançado pelo MEC?
Miriam Fábia Alves - A Residência Pedagógica tem sido tema de debate há algum tempo no Brasil, especialmente pensada para ser esse momento de integração entre a formação inicial e a inserção na profissão, ou seja, formação pós a licenciatura. No programa lançado no dia 18.10 a residência é anunciada como parte do curso de licenciatura e também é chamada de formação em serviço a partir do segundo ano do curso. Acompanhando a história da educação no Brasil essa proposta preocupa bastante, pois não se tem certeza sobre o que de fato se pretende com essa Residência Pedagógica: o que eles estão chamando formação em serviço? Os estudantes de licenciatura trabalharão na rede? a remuneração será a bolsa proposta como PIBID, ou seja, R$ 400? Os estudantes serão mão-de-obra "barata" em serviço na rede?
De que forma ele dialoga, como continuidade, ou se afasta do PIBID?
Compreendo que se afasta do PIBID, uma vez que o Programa objetiva “fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira” e ganhou uma relevância na formação docente ao aproximar o estudante bolsista da educação básica por meio de um projeto que reúne atividades de ensino, intervenção, pesquisa. A proposta inicial do PIBID era atender a todos os estudantes da licenciatura, permitindo-lhes essa vivência importante, o que não aconteceu, e agora, na proposta atual, não sabemos como será organizada a relação entre as universidades e a educação básica, bem como qual a incidência do PIBID na formação dos licenciados das diversas áreas. Ademais, a proposta atual não apresenta perspectiva de reforço dos pontos fortes do programa: o bolsista é um profissional em formação e não ocupa o lugar do docente na educação básica; aperfeiçoamento e valorização da licenciatura; integração entre as universidades e educação básica.
Quais deveriam ser ações mais integradas no sentido de uma formação de professores?
A relação entre as universidades e a educação básica é fundamental para impulsionar a qualidade da educação e todas ações que permitem essa aproximação são importantes. No entanto, a docência também precisa ser valorizada, para que possamos atrair os jovens para a carreira do magistério. Carreira valorizada pressupõe investimentos para a valorização da profissão: formação, salário e carreira docente. Esse é um outro problema, pois o Programa lançado no dia 18.10 parte do pressuposto que os investimentos realizados no aumento do salário dos professores já teria resolvido esse gargalo, o que não é verdadeiro. Ainda temos muito a fazer para alcançar uma carreira atrativa, jovens motivados e condições mínimas para o trabalho docente. Essas ações deveriam ser ponto de partida para pensar a formação inicial e continuada dos docentes.
É possível perceber algum tipo de unidade e projeto de Educação implementado pelo atual governo, tendo em vista a reforma do Ensino Médio, a BNCC e outras?
Destacaria duas questões que unificam o Programa de Formação com as demais reformas em curso: 1) uma centralidade na questão curricular, que culmina numa aposta falaciosa de que uma base curricular nacional salvará a educação básica, e agora a formação do professor. Já sabemos que essa aposta está fadada ao fracasso, mas até se admitir isso, comprometeremos a formação de no mínimo uma geração de brasileiros, o que na minha avaliação é no mínimo irresponsável; 2) o discurso reiterado pelo MEC de que já foram feitos os investimentos necessários e que a qualidade da educação não melhorou, como se essa relação fosse imediata. Em consequência disso, as reformas em curso não contam com novos recursos, ao contrário, sob a vigência da EC 95/2016 teremos um contingenciamento ainda mais brutal. Reforma educacional sem aporte de recurso para implementação é propaganda enganosa.
Sugestão de leitura: "Uma Política para uma concepção de educação" - reportagem da EPSJV/Fiocruz