Luiz Carlos de Freitas (Unicamp) fala em entrevista ao portal da ANPEd sobre a conferência de abertura que fará na Reunião Científica Regional Sudeste a partir deste domingo (10), na UFES de Vitória (ES).
Foto: Ramón Vasconcelos
De que forma sua conferência de abertura da ANPEd Sudeste pretende estar em sintonia com o tema do evento, "Diálogos entre a pesquisa e as políticas de educação na atualidade"?
Pretendo dar uma contribuição a uma questão que está se tornando cada vez mais recorrente, em especial na nova realidade brasileira, que é a advocacia por uma “política pública baseada em evidência” como justificativa “ad hoc” para se implantar uma reforma de corte empresarial na educação. Exatamente pela amplitude das consequências associadas à generalização de uma “evidência” alçada à categoria de política pública, as exigências (inclusive éticas) para se usar dados de pesquisas nestas formulações são mais rigorosas do que uma simples “revisão de bibliografia” e a “reforma empresarial baseada em evidência” tem tido um entendimento muito limitado do que significa “ter evidência” com o propósito de usá-la em política pública.
Estas tentativas de justificação “ad hoc” de políticas têm deixado de lado a representatividade dos estudos incluídos nas revisões, a natureza dos delineamentos usados, o tipo de “medida de efetividade” aceito como evidência de sucesso, os limites dos estudos e a própria possibilidade e conveniência de se poder constituir “evidência” em educação. Além disso, têm com frequência transformado relações de “correlação” em relações de “causa-efeito”.
Não traremos meta-análise de dados, mas queremos pelo menos apontar que para evitar tais problemas e orientar políticas públicas de forma consistente a partir da pesquisa, é preciso sair das meras revisões bibliográficas e entrar no campo da realização de meta-análises consistentes. A dificuldade é que isso exige recursos financeiros elevados, bem como grupos de pesquisadores articulados. Ninguém faz meta-análise sozinho. Isso nos leva a pelo menos alertar para a necessidade de se colocar na agenda dos órgãos de fomento e dos pesquisadores o tema das meta-análises de pesquisas com finalidade específica de apoiar política pública, se queremos enfrentar certas “políticas públicas baseadas em evidência” e combater a “junk science” que acompanha algumas proposições de reforma educacional.
Vamos igualmente procurar refletir sobre as características de um conjunto de propostas de reforma de corte empresarial que, se bem é fato já vinham sendo executadas em alguns estados e municípios, agora ameaçam tornar-se hegemônicas no governo federal e reforçar estas iniciativas locais através de políticas de indução de alcance nacional que redefinirão, possivelmente, rumos para um conjunto de marcos legais que estavam sendo finalizados no governo Dilma, como o Sistema Nacional de Educação, a Lei de Responsabilidade Educacional, a Base Nacional Comum Curricular, a Base Nacional Comum para Formação de Professores, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e o Exame Nacional do Magistério Básico, entre outros.
Qual a importância de um encontro de pesquisa em educação num momento político como este pelo qual o país passa?
Nos próximos anos é possível que nós educadores teremos que enfrentar uma onda conservadora enorme no campo da cultura e da educação, combinada com o ideário liberal meritocrático. A isso costuma-se chamar: neoliberalismo. E é bom que isso seja feito coletivamente. Daí a importância das reuniões regionais da ANPEd neste momento.
Estamos no interior de um processo de retomada da coalisão conservadora/liberal que reflete, por um lado, teses como “escola sem partido”, sem discussão de gênero, entre outros “sem”. É o lado conservador se manifestando mais fortemente. Por outro, vemos crescer na educação também as teses da reforma empresarial da educação baseadas em responsabilização, meritocracia e privatização. Isso tudo não é novo e de certa forma estava sendo contraditoriamente produzido nos últimos 20 anos, com intensidades variáveis. Mas agora, ao que tudo indica, esta contradição vai se resolver pelo lado dos reformadores com lógica empresarial.
O novo parece ser que uma parte do empresariado, premido pela necessidade de retomar e ampliar suas taxas de acumulação de riqueza, resolveu “apertar o passo” e optar por articular ou inserir suas cadeias produtivas locais em cadeias internacionais, na esteira das dificuldades das políticas desenvolvimentistas, alterando a hegemonia política anterior e contraindo “lições de casa” que se expressam nas reformas propostas pelo governo interino de Temer. Isso tem implicações muito grandes para o país e é claro para a educação pública. Como diz Temer: “o capital estrangeiro só espera pela oficialização do impeachment”.
Quais as questões mais urgentes que cercam a educação brasileira atualmente, que podem exigir vigilância de pesquisadores/professores novatos e veteranos?
No plano mais geral, temos que enfrentar a política de desmonte e entrega do Governo Temer que conduz a corte nos gastos sociais e retirada de direitos. No plano mais específico da política educacional, entendo que é a reforma empresarial privatista, em especial na educação básica que merece atenção especial, sem demérito de outras implicações.
Estão sendo construídos dois grandes subsistemas de controle político-ideológico das redes de ensino: um é o subsistema de controle baseado na gestão privada da escola pública (fundamentalmente privatização por terceirização de gestão e por vouchers); e o outro, é o subsistema de controle político-pedagógico do processo educativo – a privatização por dentro (padronização pela BNCC, avaliação, produção de sistemas de ensino prontos, desqualificação e barateamento da força de trabalho do professor, bem como controle e flexibilização das agências formadoras pela certificação profissional).
Estes enfoques, já usados por outros países, têm ampliado as desigualdades sociais e a segregação escolar com repercussões que acabam refletindo no aumento de discriminações associadas à desigualdade, destruído a escola pública de gestão pública e destruído o magistério público.
Vem travestida de melhoria da média de desempenho dos estudantes nos testes, com a retórica de proteger o “direito de aprender” dos mais pobres. Não melhorou a qualidade da educação onde foi aplicada, nem diminuiu o “gap” de aprendizagem entre os mais ricos e os mais pobres como prometeu, mas constituiu um mercado educacional altamente lucrativo para as consultorias, empresas e corporações educacionais – sua verdadeira destinação.