A edição n.71 da Revista Brasileira de Educação (RBE) será publicada em três módulos em 2017 - a primeira e segunda parte já estão disponíveis na plataforma SciELO, a terceira será lançada no início de dezembro. Dentre os trabalhos presentes no próximo bloco, estará artigo de autoria de Andreia Toffolo (UFOP), Elidéa Bernadino (UFMG), Douglas Vilhena (UFMG) e Ângela Pinheiro (UFMG), intitulado "Os benefícios da oralização e da leitura labial no desempenho de leitura de surdos profundos usuários de Libras". Confira entrevista com Andreia e Elidéia:
Andreia Toffolo (UFOP)
Elidéa Bernadino (UFMG)
Qual o maior desafio encontrado durante a pesquisa realizada?
A maior dificuldade para realização da pesquisa foi a definição de instituições especializadas no ensino de alunos surdos. A escassez de escolas bilíngues e/ou inclusivas, com classes compostas somente por surdos ainda é um fator limitante na educação dessa população. A comunidade surda tem lutado pela criação de escolas onde a Libras seja a língua de instrução dos aprendizes surdos, e o português, em sua modalidade escrita, a segunda língua desses sujeitos.
Essa carência de escolas especializadas em Belo Horizonte, levou-nos a incluir no estudo,participantes de quatro instituições de três estados brasileiros.
A formação dos professores no Brasil é adequada levando em conta a realidade de alunos/as surdos/as? É preciso realizar modificações e/ou inclusões?
É inegável que houve progresso na formação de professores para atuar na educação de surdos;entretanto, ainda precisamos caminhar muito. Somente após a legislação que oficializou a Libras no Brasil (Lei 10.436/2002), e, principalmente após o Decreto 5.626/2005 quea regulamentou,iniciativas para formação de professores começaram a surgir. Podemos citar a criação do primeiro curso de graduação em Letras Libras no Brasil em 2006, na modalidade online, pela UFSC; a obrigatoriedade da disciplina de Libras nas licenciaturas, além da oferta, mesmo que tímida, de especializações na área.
Todavia, não podemos perder de vista que a formação do professor para atuar com o alunado surdo, exige o domínio de uma língua, a Libras. E, como citado anteriormente, por ser uma língua tão jovem, ainda não dispomos de profissionais em número suficiente e nem de programas de incentivo ao ensino dessa língua. A carga horária da disciplina obrigatória nas universidades não contempla a necessidade real de formação desses profissionais. Seria necessário um programa que incluísse a Libras nos currículos do Ensino Fundamental e Médio, a exemplo do que ocorre em outros países, como língua “estrangeira” opcional, juntamente com o inglês, o francês e o espanhol. Principalmente se considerarmos que essa é uma língua “falada” por uma grande parcela da população brasileira, que se vê excluída em quase todos ambientes sociais, inclusive o ambiente familiar.
Ademais, é importante frisar, que a demanda educacional dos surdos extrapola as salas de aula, é uma demanda linguística. É necessário que esses sujeitos possam circular em ambientes com pessoasfluentes em língua de sinais, para que possam interagir entre seus pares e se desenvolverem plenamente.
O artigo fala sobre a importância de crianças surdas serem expostas desde pequenas àlíngua de sinais, a Libras. Seria necessário, para além das famílias dos surdos aprenderem Libras, que a sociedade brasileira também amplie a visibilidade e uso dessa língua?
É essencial que se ampliem os espaços letrados em língua de sinais, uma vez que a língua ultrapassa as fronteiras da família. Como cerca de 90 a 95% dos surdos nascem em lares ouvintes, isso traz sérias implicações na aquisição da linguagem por esses sujeitos. A língua materna não lhes é transmitida de forma natural, além de a maioria dos pais ouvintes desconhecerem a Libras – e a sua importância no desenvolvimento cognitivo de seus filhos surdos –, o que inviabiliza a aquisição dessa língua de forma espontânea em seu ambiente familiar. Esse quadro gera um atraso no desenvolvimento linguístico das crianças surdas, que afeta não só seu processo de escolarização, como também pode acarretarprejuízos no desenvolvimento psicossocial desse sujeito.
O ensino da Libras não deve ser limitado ao professor ou aos profissionais que interagem com sujeitos surdos. Como já mencionado, o ensino da Libras deveria ser iniciado já no Ensino Fundamental, principalmente – mas não exclusivamente – onde há alunos surdos incluídos nas classes.Apesar de estarem presentes nas escolas, muitas vezes com o apoio de intérpretes, esses alunos estão excluídos do acesso ao conteúdo escolar de forma integral e efetiva e das oportunidades reais de interação com a comunidade escolar – professores, funcionários, colegas. Não basta colocar um intérprete junto ao aluno surdo. O português, que é a língua-base do currículo brasileiro, deveria ser ensinado como segunda língua. Os demais conteúdos também deveriam ser ensinados em Libras e o aluno surdo deveria ter oportunidade de interação real com os pares ouvintes.Entretanto, o que ocorre, mesmo nos locais onde alguns alunos ouvintes se interessam pelo aprendizado dessa língua, são interações que se limitam a cumprimentos e à aceitação do aluno surdo – colocando o nome desse aluno nos trabalhos escolares em duplas ou em grupos, por exemplo, como se o aluno surdo fosse incapaz de desenvolver o seu potencial.
A Sociedade precisa compreender que inclusão é muito mais do que a participação nos espaços de convivência e nas classes comuns. São necessárias políticas públicas que enfoquem a real integração dos sujeitossurdos através de diversas ações já previstas na legislação. O ensino da Libras nas escolas a toda a comunidade escolar e famílias de surdos; a adoção de mecanismos de avaliação que reconheçam a singularidade linguística dos surdos e a adoção de mecanismos de avaliação em Libras – são apenas alguns dos itens previstos no Decreto 5.626. É necessário, portanto, que a legislação seja cumprida, pelo menos minimamente. É o mínimo que podemos fazer para que os surdos sejam incluídos na Sociedade ouvinte. Se isso acontecer, já será o primeiro passo.