A presidente da ANPEd, Andrea Barbosa Gouveia (UFPR), aborda em entrevista ao portal da Associação os desafios que serão enfrentados pela gestão "Resistência e Movimento" 2015-2017, como os contingenciamentos do investimento em Educação e o PNE, além de avaliar o novo momento da ANPEd com a realização de cinco encontros científicos regionais em 2016.
Em seu discurso de posse, você salientou que a ANPEd tem duas vocações, a "defesa do campo da produção científica e da educação pública". Como pretende manter o foco nesses dois pilares em sua gestão?
Entendo que estas duas vocações são constitutivas da ANPEd. É pela pesquisa rigorosa sobre o fenômeno educacional, em sua multiplicidade e riqueza, que podemos defender uma educação pública comprometida com o direito de todos à educação de qualidade, inclusiva e gratuita, em todos os níveis e modalidades da educação brasileira. E, ao mesmo tempo, é este compromisso que move a ANPEd a defender o campo da pesquisa em educação como parte da estratégia de desenvolvimento científico no país. Os desafios que o Brasil tem em termos de superação de dívidas educacionais históricas, assim como de construção de uma sociedade onde o respeito aos direitos humanos, a inclusão social, a democracia sejam elementos constituintes de nossa cidadania, implicam pesquisas que nos permitam compreender os desafios de realização das possibilidades de educação para cada geração.
De que forma a Associação pretende acompanhar a implementação do PNE? Qual a expectativa para esse processo?
A ANPEd acompanhou o debate das Conaes, tanto atuando na comissão nacional, quanto por meio de seus muitos filiados, pesquisadores da educação em cada estado da federação. Acompanhamos a tramitação do PNE e, entendemos que o plano aprovado é permeado de contradições e continua em disputa. O consenso que se construiu no Brasil sobre a necessidade de ampliar de maneira sgnificativa o investimento em educação é um grande avanço do Plano. O cenário de crise econômica precisa ser superado, uma perspectiva de crescimento econômico com respeito às conquistas históricas de inclusão social tem que ser retomada. Entretanto, é preciso que não tenhamos ilusões, o crescimento de uma perspectiva privatista da educação tem relação direta com a possibilidade de maiores investimentos. A ANPEd estará atenta para que o compromisso expresso no documento final da CONAE 2014, de que recursos públicos devem ser destinados exclusivamente a educação pública, seja a baliza para a realização das metas do PNE.
Como a ANPEd encara o momento atual de grandes cortes nos investimentos na educação e na pesquisa no país?
O Momento é preocupante, vivemos uma expansão importante da educação superior e da pós-graduação no país. Em pouco mais de uma década (2002-2014), segundo dados da CAPES, saímos de 62 programas de mestrados acadêmicos e profissionais e doutorado para 152 programas, um crescimento significativo. O último Censo do CNPQ (2014) informa que na área da educação existem 3.219 grupos de pesquisa, o que representa 9% do total de grupos de pesquisa cadastrados na base do CNPQ. Somos uma área grande, porém esta dimensão ainda não é suficiente se considerarmos, por exemplo, dados do documento Linha de Base do INEP (2015), que revelam que entre os professores que atuam na educação superior ainda temos apenas 60% com mestrado ou doutorado atuando na Região Norte do Brasil - e mesmo no sudeste, onde está concentrado o maior número de programas, apenas 75% dos professores atuando no ensino superior tem mestrado ou doutorado. E ainda, se agregarmos a isto a expectativa que esta formação seja também direito do professor da educação básica, a pós-graduação em educação precisa expandir-se significativamente.
A expansão precisa assegurar a qualidade para o trabalho realizado, o que depende da manutenção adequada das condições de trabalho. O ano de 2015 foi marcado por descontinuidade de programas de formento, tivemos atrasos em editais de pequisa importantes. Os programas de pós-graduação receberam recursos do PROAP apenas em junho. O ano de 2016 renova nossas preocupações, o orçamento do MEC e do MCT&I tem previsão em valores nominais menor que 2015 - e ainda houve contigênciamento nestes recursos. Este é um quadro que pode levar à descontinuidade nos trabalhos de pesquisa e compromete a formação dos quadros na pós-graduação. É eminente a necessidade de que a execução do orçamento federal demonstre o compromisso com o desenvolvimento científico e a educação no país. Temos uma preocupação também com a descontinuidade nos orçamentos nas Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa. A ameaça de corte na FAPERJ nos mostra que é preciso reafirmar em todo o país a necessidade e o compromisso da nossa federação com o desenvolvimento da educação brasileira. É preciso que o poder público opere a favor de um projeto de nação e, para isto, as áreas sociais precisam ser preservadas de qualquer contingenciamento de orçamento.
Em 2016 a ANPEd promove cinco encontros regionais (desde 2013 em anos intercalados à Reunião Nacional). Como essa nova estruturação interfere na identidade e gestão da Associação?
Desde a mudança no Estatuto de 2012 a ANPEd tem construído uma nova fase de expansão de sua atuação. Estamos consolidando a articulação entre a dinâmica da Associação - que tem sua maior expressão na reunião nacional - e a dinâmica regional, que mostra a força da pesquisa em educação nas cinco regiões do Brasil. Em um país continental, marcado históricamente por assimetrias regionais, a organização dos pesquisadores em cada uma das regiões permite articular a necessária discussão global/internacional da pesquisa com as preocupações e os desafios das condições locais. A ANPEd tem uma vida intensa de debate entre nossos 23 GTS, que usam diferentes formas de comunicação para discutir a pesquisa em educação e a pauta da política educacional; o FORPREd, que é uma instância altamente mobilizada em diálogo contínuo sobre os desafios dos programas de pós-graduação; e o FEPAE, que atua na articulação dos editores de revistas cientificas da nossa área. Esta vida intensa da nossa Associação não caberia mais apenas em reuniões nacionais - a organização regional fortalece a ANPEd e a pesquisa em educação no Brasil.
O novo escalonamento para associados aprovado em Assembleia em 2015 prevê valores que sinalizam uma aproximação maior com os profissionais da educação básica envolvidos com a pesquisa. Qual o objetivo e importância dessa aproximação?
Nossa legislação define um princípio primoroso para a educação brasileira, “o pleno desenvolvimento do educando”. Pensar educação requer pensar nos sujeitos deste processo e, inegavelmente, do ponto de vista escolar, este processo começa na educação básica. Nossas pesquisas têm mostrado que o professor da educação básica é um sujeito central deste processo, e há muita coisa interessante acontecendo nas escolas brasileiras. A articulação necessária entre a produção do conhecimento e a socialização deste conhecimento exige que se compreenda que muito conhecimento se produz na educação básica. Parte deste processo tem sido potencializado pelo encontro entre pesquisadores das universidades e pesquisadores professores da educação básica. Isto é o que a ANPEd defende ao entender que o pesquisador da educação básica pode também estar filiado à Associação. Definimos um critério para esta filiação: a atuação do professor em grupos de pesquisa das universidades.
As condições para que mestrandos e doutorandos participem também da ANPEd tem relação com a compreensão de que o processo de formação dos novos pesquisadores precisam também incluir a interlocução com os pesquisadores experientes, acompanhando e contribuindo no debate sobre os rumos da pesquisa e da pós-graduação no país.
O escalonamento da anuidade é uma estratégia para que num país com tanta desigualdade de condições de renda possamos, naquilo que nos cabe - a construção coletiva da associação -, tomar o príncipio de justiça social para financiar a nossa ação coletiva. A expectativa é que façamos a ANPEd crescer, a pesquisa em educação se fortalecer e a educação brasileira realizar seu projeto de desenvolvimento humano pleno.