O Conselho Nacional de Educação (CNE) encerrou na última sexta-feira (26) consulta pública acerca das propostas de Diretrizes Gerais sobre a Aprendizagem Híbrida, além de recomendações ao Novo Enem e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Profissional Técnica de Nível Médio.
Em documento, as professoras da FEUSP Claudia Galian, Emerson de Pietri, Ocimar Alavarse e Rosângela Prieto apresentaram apontamentos sobre as diretrizes gerais. De forma imediata, gerou incômodo às pesquisadoras o foco governamental na “aprendizagem” e não no ensino, reduzindo a educação ao fator de desempenho. Da mesma forma também se pode questionar a relação estabelecida com um documento de prescrição curricular, a BNCC, como algo definitivo.
Do ponto de vista do uso de tecnologias, a proposta traz parâmetros muito preocupantes, segundo o grupo de pesquisadoras da área. “Ignoram as condições objetivas para o emprego de tecnologias de comunicação, quer pelas restrições tecnológicas, de conectividade e de disponibilidade de dispositivos, quer, mais preocupante ainda, por aquelas de incorporação de conteúdos que, quase intrinsecamente, demandam interações presenciais, face a face”, aponta o texto.
Nesse sentido, abre-se a possibilidade de que a maior parte da escolarização “prescinda da interação presencial das/os estudantes com suas(eus) professoras(es) e colegas, das trocas fundamentais que assim se constituem”. Isso poderá acarretar, dentre outras consequências, no agrupamento de turmas, fechamento de prédios escolares e redução das equipes docentes.
A própria forma escolar é colocada em xeque: estar na escola, em contato presencial com professores e estudantes, pode se tornar exceção. As consequências para municípios com maior incidência de pobreza são extremas, já que cada vez menos recursos tenderão a ser destinados sob a alegação de que, sob a égide destas Diretrizes, não será preciso mais tanta estrutura de prédios e equipes.
Em outro aspecto, ao restringirem a importância das condições infraestruturais das escolas, acabam por impor às famílias a entrada “da escola” em suas casas. Pesquisas indicam intensificação do trabalho das mulheres, usualmente consideradas responsáveis pela efetivação destas atividades, acentuando a influência do nível socioeconômico no desempenho escolar.
Por fim, analisando a questão legal, o grupo aponta que a proposta esconde, atrás de argumentação supostamente acadêmica e socialmente engajada, o “objetivo de retirar os limites entre a modalidade presencial e a remota”.
Necessidade de maior debate
Em carta enviada à presidente do CNE, Maria Helena Guimarães de Castro, o GT 20 da ANPEd (Psicologia da Educação) e associações diversas das áreas de Psicologia Escolar e Social reforçam a missão que constitui o CNE, de “busca democrática de alternativas e mecanismos institucionais que possibilitem, no âmbito de sua esfera de competência, assegurar a participação da sociedade no desenvolvimento, aprimoramento e consolidação da educação nacional de qualidade”. Nesse sentido, também lembram o impacto da pandemia na educação, estudantes e profissionais da educação, com agravamento da desigualdade. Ao mesmo tempo em que a tecnologia mostrou-se como importante alternativa, evidenciou-se o papel fundamental das(os) profissionais da educação e de uma mínima estrutura das famílias para se adaptarem a tal contexto, além de limites impostos à saúde mental.
“O que precisa haver é uma pactuação para que as escolas e/ou as redes possam recuperar as perdas ocorridas, com reorganização estrutural. Parte significativa de escolas/instituições não têm sequer acesso à internet, ou ele é insuficiente - embora há que se considerar que o uso de tecnologias não é uma metodologia em si. O uso da tecnologia em substituição ao ensino presencial pode ampliar, ainda mais, a diferença de classes.”
A carta defende uma urgente força tarefa dos agentes sociais implicados, com ampla divulgação, gerando sensibilização e envolvimento dos mesmos, com tempo adequado para o propósito - a consulta pública esteve aberta por apenas 10 dias. “Uma consulta pública voltada para alterações na educação de tal dimensão jamais poderia ter sido colocada de maneira aligeirada com tão poucos dias, impedindo a realização de um amplo debate com a sociedade civil organizada”.
Os grupos e associações apontam que falta sustentação para o próprio conceito de “aprendizagem híbrida”, sem regulamentação e falta de pesquisas que o subsidiem. Tal ensino, ao invés de resolver o problema da desigualdade, acaba por acentuá-la. “A luta pela escola pública de qualidade, para todas as pessoas, inclusiva, presencial e com segurança, requer que a escola esteja de fato equipada com as mais altas tecnologias.”
Sem se contrapor à cultura digital, destacam a necessidade de que todas as pessoas possam “compreender o contexto atual e o papel que a tecnologia ocupa na sociedade, utilizando-a em favor de seu próprio desenvolvimento e da transformação da sociedade”. A partir da experiência da pandemia, lembram que a exposição às telas tem causado cansaço e, sem os limites de horários, levam à sobrecarga de trabalho, comprometendo a saúde mental de alunos e professores.
Por fim, reforçam que uma proposta dessa amplitude precisa de tempo para ser analisada, refletida, debatida entre os vários setores da Educação. “Há equívocos conceituais importantes na proposta, perspectivas teóricas controversas apresentadas sem o rigor necessário, que demandam espaços de debate mais aprofundados para que possam ser elucidados.”