A ANPEd e representantes de três GTs foram convidados a participar, nesta quarta (10) e quinta, de uma reunião promovida pelo Ministério da Educação (MEC) sobre alfabetização em Brasília. O objetivo da atividade é apresentar e debater com entidades os contornos de uma nova política para a área.
No primeiro dia do evento, a Secretaria de Educação Básica do MEC apresentará propostas para a nova política. No segundo, haverá debates com representantes de entidades como ANPEd e ABALF e de Grupos de Trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa: GT 07 - Educação 0 a 6, GT 10 – Alfabetização e GT 13 – Ensino Fundamental.
As associações foram convidadas a contribuir e debater as proposições do MEC para um futuro programa da criança alfabetizada. O MEC já realizou eventos semelhantes com outras organizações.
Desde o período do governo de transição, no final do ano passado, a ANPEd e a ABALF têm se posicionado frente às questões relacionadas à alfabetização, leitura e escrita.
Em fevereiro, representantes das duas associações foram recebidos pela SEB-MEC e puderam apresentar suas posições, entre elas a defesa da revogação da Política Nacional de Alfabetização (PNA) instituída por decreto em 2019 no primeiro ano do governo Bolsonaro. No mês seguinte, foi realizada uma live sobre políticas de alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
A definição de alfabetização
Para Patrícia Corsino, professora da UFRJ, coordenadora do Comitê Científico da ANPEd e integrante do GT 07, um aspecto essencial do debate é definir o que se entende por uma pessoa alfabetizada. Segundo ela, esta definição antecede o debate em torno da avaliação.
Ela lembra que convivem definições distintas na legislação: o Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece um ciclo de três anos para a alfabetização ao passo que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fala em dois anos.
“Esta diferença de um ano, na faixa etária de 6 a 8 anos, tem um impacto significativo e evidencia uma mudança de perspectiva com repercussões na avaliação. Repercussões que também podem atingir a educação infantil”, analisa Patrícia.
Além disso, ela considera que a definição de alfabetização deve ser o ponto de partida para orientar os descritores das avaliações. “Avalia-se o que foi ensinado ou o que deveria ter sido ensinado e o aluno aprendido? E quais são as condições de aprendizagem das crianças?”, questiona a professora da UFRJ.
A resposta a essa pergunta, acrescenta Patrícia, precisa levar em conta aspectos como os impactos da pandemia de covid-19 e outras condições adversas inerentes a uma sociedade desigual como a brasileira.
Pela revogação da PNA
Para o GT 13 da ANPEd, de Educação Fundamental, a revogação da PNA é uma questão de suma importância, pois ela trouxe para o debate e para as políticas educacionais questões que haviam sido superadas desde a redemocratização do país nos anos 1980.
“A PNA e seus desdobramentos apresentam diversos equívocos, rupturas e retrocessos no campo da alfabetização e da formação continuada de professoras/es alfabetizadoras/es amplamente analisados, pesquisados e divulgados em manifestos, moções, cartas abertas, dossiês, artigos resultados de pesquisas, dissertações e teses”, afirma posicionamento do GT 13. Entre os desdobramentos da PNA estão a Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe), o programa Tempo de Aprender, o curso Alfabetização Baseada na Ciência e o programa Conta pra Mim.
Alguns dos elementos considerados problemáticos da PNA estão relacionados a uma suposta solução científica para os problemas da alfabetização no Brasil, que gerou uma polarização em torno do método fônico e a crença de que as ciências cognitivas da leitura e as neurociências seriam os únicos fundamentos científicos da alfabetização.
Essa perspectiva levou à imposição de uma política formulada de forma unilateral, marcada pela falta de diálogo entre o governo e os segmentos acadêmicos e da sociedade civil - além da exclusão do histórico de pesquisas nacionais e internacionais.
Outro efeito negativo da PNA foi delimitar o conceito de alfabetização à dimensão fonológica, promovendo um retrocesso das práticas em sala de aula à noção mecânica da alfabetização como aquisição de um código. Os professores tornam-se, então, meros executores de propostas desenvolvidas por outras instâncias.
“A expectativa é que a PNA seja revogada e que se promova uma política pública de alfabetização que garanta o direito de toda a criança estar na escola, aprender e ser alfabetizada”, afirma o GT 13.
No entanto, a política de alfabetização precisa estar integrada a ações de cuidado, saúde, segurança, infraestrutura, saneamento básico, distribuição de renda. “Importante esclarecer que uma política de alfabetização, sozinha, não dará conta de promover a alfabetização de todas as crianças. Muitas delas estão em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade social, em elevados níveis de desigualdades sociais, aprofundadas em função da pandemia de covid-19”, conclui o coletivo de estudos de Ensino Fundamental na ANPEd.
Uma política inclusiva e que considere a diversidade
Para o Grupo de Trabalho da ANPEd que se dedica à Educação de Crianças de 0 a 6 anos, é essencial que uma política de alfabetização contribua para a inclusão social mais ampla, rompendo com práticas racistas, sexistas, xenofóbicas e preconceituosas. “Este pressuposto deve configurar os objetivos específicos da política”, afirma o GT 07.
Neste sentido, a política de alfabetização deve considerar a diversidade brasileira, seus territórios de luta e a afirmação de seu povo. Isso significa assumir um posicionamento político em defesa de uma política de alfabetização que considere a língua materna como primeira e a principal a ser apreendida em um processo de alfabetização - o qual deve ser bilíngue e reafirmar as identidades indígenas, quilombolas, entre outras.
Por isso, é importante a produção de materiais didáticos próprios que considerem a diversidade étnico cultural. “A política de alfabetização em pauta não considera a diversidade étnica dos povos originários, quilombolas, das matas, florestas, dos rios, do campo. Qual a estratégia política para as crianças desses territórios?”, questiona o GT 07.
“A política de alfabetização em pauta corre o risco de se constituir como uma política estandardizada que não considera a perspectiva e diversidade regional do Brasil. Há que se investir em políticas regionais que ampliem as experiências das redes de ensino”, acrescenta o documento. Finalmente, as universidades estão ausentes da política de alfabetização, o que leva a alguns questionamentos: como articulá-las no processo de formação inicial de professores/as alfabetizadores/as? Como contar com as IES no fortalecimento da rede de cooperação/colaboração proposto na política?
A sugestão é o fomento e indução de laboratórios de alfabetização e leitura nas universidades, a fim de que se constituam como espaços formativos para professores/as iniciantes, egressos e redes de ensino.