A educação não pode pagar a conta do subsídio aos combustíveis e energia elétrica com o fim de pavimentar uma estratégia eleitoreira
Manifestação pública da Fineduca sobre o PLP N° 18/2022 que estabelece teto para cobrança de ICMS dos combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
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Inicialmente é importante ressaltar que o gasto por estudante da rede pública brasileira de educação básica representa cerca de um terço do valor das mensalidades de escolas privadas frequentadas pela classe média e a metade do gasto médio dos países da OCDE (US$ PPC 1.000/mês); a razão de estudantes/professores nos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública é o dobro da média da OCDE (26 x 13) e o salário inicial dos docentes corresponde a 42% da média da OCDE (US$ PPC 13.983 x US$ PPC 33.016/ano). Tais cifras e comparações indicam a distância entre o praticado no Brasil e o encontrado no conjunto dos países que tem servido de parâmetro para análises econômicas e educacionais realizadas pelo mainstream.
Considerando esses desafios que impactam diretamente na qualidade do ensino, acrescidos das demandas por ampliação do acesso na educação básica e superior – em especial das crianças e jovens das famílias mais pobres, da população do campo, dos negros e indígenas –, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014) que estabeleceu a meta de ampliação dos gastos públicos em educação pública para 7% do PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024. Apesar disso, o último dado disponibilizado pelo INEP, para 2018, aponta um percentual inferior a 5% do PIB.
Considerando que o país vive um momento único de sua história, no qual a maior parte da população é de perfil jovem, o cumprimento das metas do PNE é condição imprescindível para viabilizar o futuro das atuais e novas gerações em condições dignas de vida.
Na contramão dessas demandas inadiáveis, na gestão de Jair Messias Bolsonaro a execução orçamentária do MEC atingiu os menores valores da última década, R$ 147,56 bilhões em 2015 e R$ 119,96 em 2021, valores liquidados, corrigidos pelo IPCA para janeiro de 2022.
Não satisfeito em drenar o MEC, esvaziando seu orçamento e sua qualidade técnica, o Executivo federal, buscando a reeleição a qualquer custo, envia o PLP N° 18/2022, que altera disposições do Código Tributário Nacional, da Lei Kandir e de outras leis complementares. Neste PLP, e para fins da cobrança de ICMS, os combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo são reconhecidos como bens e serviços essenciais e indispensáveis, o que na prática significa que a sua alíquota deverá respeitar um limite, atualmente em 17%. Esta medida, se aprovada, impactará direta e negativamente a composição dos já insuficientes recursos destinados à educação pública. Registre-se que o ICMS é o principal tributo da arrecadação dos estados e DF, responsável por grande parte da arrecadação desses entes federados. Em 2021 a arrecadação total de tributos (ICMS + IPVA + ITCD + Outros) foi de R$ 758,66 bilhões e somente a do ICMS foi de R$ 652,43 bilhões, 86,0% do total (Ver Tabela 1).
Estimativas do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (COMSEFAZ) apontam para uma redução de receita de R$ 83,5 bilhões, o que implicaria uma perda mínima de R$ 21,0 bilhões para as despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino (25%). Essa perda de recursos atingirá principalmente a educação básica, lembrando que o ICMS responde por 60% da receita do Fundeb; a potencial perda no Fundeb seria de R$ 17 bilhões (20%) de recursos próprios dos estados, Distrito Federal e municípios, o que pode reduzir também a complementação da União, pois ela é calculada com base nos recursos subnacionais. A redução de recursos, é importante assinalar, atingirá também várias universidades estaduais. No estado de São Paulo, por exemplo, a estimativa da Secretaria da Fazenda é que a USP, UNESP e UNICAMP perderão R$ 1,0 bilhão e a FAPESP, fundamental agência de fomento à pesquisa e de reconhecido impacto 3 nacional, perderá cerca de R$ 150 milhões. Nesta Manifestação apresentamos ao final uma análise dos recursos da educação em cada estado e DF em função do PLP N° 18/2022 e da provável proposta de uma PEC para zerar alíquotas relativas a itens associados a petróleo, combustíveis e lubrificantes.
O evidente caráter eleitoreiro da medida se revela ainda mais quando se constata que a eventual e ainda não definida compensação da União pela perda se limita ao período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022.
O mais grave é que esse ato irresponsável, realizado sem nenhuma análise da repercussão financeira das medidas a serem implementadas, já foi aprovado na Câmara dos Deputados, sob a égide do Centrão, cabendo ao Senado buscar como minimizar os previsíveis efeitos negativos.
Cabe, finalmente, lembrar que o eventual impacto na redução dos preços dos bens e serviços referidos é relativo e será facilmente anulado por oscilações no cenário econômico mundial, em contexto de guerra e disputas entre EUA e China. Uma dúvida ainda permanece: se o Brasil é autossuficiente em Petróleo e os derivados são produzidos em reais, por que o preço tem que ser indexado ao dólar? E, mesmo considerando a absurda dolarização, por que não transformar os dividendos da Petrobrás, advindos dos movimentos especulativos na esfera internacional em subsídios? Por que a Educação e a Saúde (que também depende da vinculação constitucional de recursos) devem pagar a conta do desespero eleitoral do atual mandatário?
Portanto, a Fineduca, em sintonia com outras entidades que defendem a educação pública no Brasil, se posiciona frontalmente contra o PLP N ° 18/2022, pelos danos de curto e médio prazos que trará à educação nacional, num contexto em que, por causa da pandemia de Covid 19, as demandas se multiplicam frente àquelas já definidas no PNE (2014-2024).
Também recebemos com grande preocupação o anúncio, do dia 06/06/2022, da proposta de zerar o ICMS sobre o diesel e gás de cozinha, proposta que, embora ainda não apresentada em forma de PEC, se concretizada trará consequências desastrosas a serviços públicos, atingindo em cheio a educação e a saúde.
Finalmente, a Fineduca defende que, se aprovada a redução de alíquotas, deve ser assegurada uma compensação de caráter permanente a ser garantida pela União 4 que preserve, em termos reais, os recursos vinculados à educação de Estados e Municípios tendo como referência o ano de 2021. Entende-se que aqui se aplica a analogia com o que estabelece o parágrafo 8º do art. 212 da Constituição Federal, introduzido pela EC 108/2020, que busca exatamente vedar manobras ou artifícios que reduzam os recursos da vinculação constitucional. Procedimento semelhante foi adotado em relação à chamada Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) que isentava de ICMS os bens e serviços destinados à exportação.