O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), uma das autarquias mais importantes na avaliação, subsídio e formulação de políticas públicas no Brasil, vem sofrendo pressões diversas que colocam em risco sua autonomia. Recentemente o servidor concursado Alexandre André dos Santos teve barrada a publicação de estudo sobre o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - em 2017 Santos já havia passado por situação semelhante. Com a colaboração do GT 09 da ANPEd, Trabalho e Educação, e do pesquisador associado Thiago Esteves (CEFET-RJ), o portal da ANPEd conversou com o pesquisador do Inep sobre o caso, a importância do estudo e da própria autonomia da instituição. Segundo Santos, "essa obstrução vem cerceando nosso direito de divulgar de maneira ampla os resultados do estudo, não só no site do Inep, mas em qualquer outro meio, visto que o mesmo se encontra classificado como documento preparatório para decisão, o que tem impedido sua livre circulação".
Quais são as principais conclusões do estudo “Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”, realizado em conjunto por você e pelo pesquisador Renan Gomes de Pieri?
O nosso desafio foi buscar, por meio de avaliação de impacto, elementos que pudessem iluminar o debate sobre essa política de alfabetização, a partir de um viés econométrico e quantitativo. O estudo propôs uma avaliação econômica do programa com enfoque quantitativo, em linha com estudos econométricos de avaliação de impacto de políticas públicas. Estimamos a correlação da participação das escolas no PNAIC com as proficiências medidas pela Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Revelamos que um aumento de 10 pontos percentuais na proporção de professores recomendados no Pnaic em uma escola esteve associado a uma elevação das proficiências em Matemática e em Linguagem em 23% de um desvio-padrão, resultado de magnitude relevante.
Em outras palavras, quanto maior a proporção de professores participantes do Pnaic, maior a média da pontuação de seus estudantes na Avaliação Nacional de Alfabetização em linguagem e matemática. Além disso, o estudo também evidenciou a efetividade do custo-benefício do programa. Ou seja, dadas as hipóteses assumidas no artigo, ao compararmos o custo do programa com todo o acréscimo de rendimentos futuros que os alunos impactados teriam por conta de uma melhor alfabetização, o programa se pagaria.
Quais são os indicativos de que o artigo “Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” vem tendo a publicação dificultada, em flagrante processo de censura, pela atual equipe gestora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)?
O fato de termos seguido todo o rito processual técnico administrativo expresso no Manual da Linha Editorial do Inep, bem como as orientações presentes no site da Série (Texto para Discussão), estando em condições de estar publicado desde o dia 30 de abril, mas que por decisão, sem instrução processual adequada indicando a motivação técnica que sustente tal decisão, vem impedindo a livre circulação do documento, o que foi objeto de questionamento meu apresentado por meio de requerimento ao Presidente do Inep. Essa obstrução vem cerceando nosso direito de divulgar de maneira ampla os resultados do estudo, não só no site do Inep, mas em qualquer outro meio, visto que o mesmo se encontra classificado como documento preparatório para decisão, o que tem impedido sua livre circulação.
Ao impedir a divulgação deste estudo, que analisa uma política pública educacional fomentada pelo Ministério da Educação, a atual gestão do INEP está deixando de cumprir os objetivos definidos pela lei nº 9.448/1997, que reestruturou esta autarquia federal?
Quando um estudo dessa natureza revela que o aumento na proporção de professores participantes do PNAIC melhora a média de seus estudantes na Avaliação Nacional de Alfabetização em linguagem e matemática, é preciso falar dessa política e esse é um dos papéis do Inep. E quando comparamos o custo do programa com todo o acréscimo de rendimentos futuros que os alunos impactados teriam por conta de uma melhor alfabetização, e chegamos a conclusão que o programa se pagaria, é preciso entender as chaves de sucesso dessa política e esse também é um papel do Inep.
A lei nº 9.448/1997, que criou o Inep, definiu entre suas finalidades o subsídio da “formulação de políticas na área de educação, mediante a elaboração de diagnósticos e recomendações decorrentes da avaliação da educação básica e superior”. Na mesma linha está o decreto nº 6.317, de 20 de dezembro de 2007, que em seu art. 1º - inciso 8 define de maneira clara e objetiva que cabe ao Inep “promover a disseminação das estatísticas, dos indicadores e dos resultados das avaliações, dos estudos, da documentação e dos demais produtos de seus sistemas de informação”.
É possível traçar uma relação entre a divulgação dos dados relativos ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), lançado em 2012, durante a gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, e os resultados, ainda que parciais, da Política Nacional de Alfabetização (PNA), estabelecido em 2019, na gestão de Jair Bolsonaro?
Será possível não só fazer esse tipo de estudo comparativo, como outros tantos com variadas abordagens e metodologias. E isso deve ser feito não apenas com a atual PNA, bem como com outras políticas e programas dos governos passados e do atual governo. Os estudos oferecem a possibilidade de uma inserção mais qualificada da academia no debate público, iluminando o debate com análises, evidências, caminhos e alternativas para a melhor decisão. E quanto maior o número de estudos, e mais plural forem suas abordagens, tanto mais qualificado tende a ser o debate público e a decisão.
Enquanto servidor do INEP você presenciou ou tomou conhecimento de outros episódios de censura ou constrangimento na divulgação de pesquisas envolvendo as políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Educação?
Lembro que meu compromisso ético e profissional como servidor público exigiu tomar as devidas providências para levar luz para esse debate. Não havia algo diferente a ser feito, dentro das balizas legais e normativas, a não ser formalizar meu estranhamento diante do ocorrido, e solicitar providências. Entendi que a sugestão de criação de novas barreiras não previstas que impediam a publicação do estudo poderiam representar, uma afronta a preceitos constitucionais de liberdade de expressão, e também a preceitos institucionais, da tradição democrática do Inep. Infelizmente essa já é a segunda vez que tenho que tomar essa providência, já que tive em outro momento a obstrução de livre circulação de publicação no Inep o que reforça a necessidade de tratarmos essa questão com muita responsabilidade, pela sua gravidade.
Estou falando aqui da sétima edição do "PNE em Movimento", que foi retirada do site do Inep em novembro de 2017. O documento trazia o estudo "Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb): Proposta para atender ao disposto no Plano Nacional de Educação", e foi fruto de amplo processo de discussão na Diretoria de Avaliação da Educação Básica, sendo assinado por mim e pelos colegas pesquisadores João Luiz Horta Neto e Rogério Diniz Junqueira. O artigo, submetido em abril de 2017, foi revisado e passou por todas as normas de publicação, e encontra-se sem publicação do Inep até hoje.
Na época, a ANPEd se posicionou, em conjunto com várias outras entidades e pesquisadores, contra a retirada do texto do site do Inep, denunciando o ato.
Quais os prejuízos para o campo educacional a partir desta flagrante ingerência sobre a autonomia funcional e institucional do INEP ?
Antes de mais nada, é importante destacar que a iniciativa de requerer decisão do Presidente do Inep é típica das sociedades democráticas modernas, que tem o compromisso com a transparência da administração pública, de forma a garantir ao cidadão o pleno conhecimento das ações do governo. Trata-se do direito de indagar e obter informações dos órgãos públicos, que garantem a constante e plena sintonia com os princípios da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, da legalidade e da eficiência. Tal direito deve ser assegurado, tanto para proteger legítimos interesses pessoais quanto para, de modo geral, estimular o correto desempenho administrativo, elemento essencial para que o Brasil aprofunde e exercite seus valores democráticos, em que não haja obstáculos indevidos à difusão das informações públicas e seu acesso pelos cidadãos. Sobre os prejuízos, eles maculam a confiança da sociedade brasileira e da comunidade científica na imagem do Inep como órgão produtor de estatísticas e pesquisas. Disse em outros momentos e repito: o Inep não pode ter sua produção chancelada a posteriori, como se divulgou na imprensa, por dirigente ou comitê da natureza política, ainda mais se tal chancela vier do órgão executor dessas políticas.
Nesse sentido, a simples menção à constituição de eventual futuro Comitê Editorial se revela com nítido potencial de atentar contra a autonomia institucional do Inep. Lembrando que a autonomia do Inep se materializa nas ações de seus servidores/pesquisadores. Tais ações têm como função precípua avaliar as políticas implementadas pelo Ministério da Educação e disseminar os resultados dessas avaliações, o que reforça a nossa motivação em exigir ação objetiva no apontamento dos riscos associados.
Qual o papel histórico do INEP no que diz respeito a análises e formulação de políticas públicas para a Educação? Por que é importante defendê-lo?
É fundamental lembrarmos que o Inep não é apenas o órgão responsável pelo Enem. Quem pesquisa a educação brasileira conhece o Inep e sua história. O Inep tem mais de 80 anos de história. É a instituição do Estado brasileiro responsável por uma extensa produção de dados, informações, exames, avaliações e estudos na área da educação. Uma de suas mais relevantes responsabilidades é a de subsidiar a formulação e avaliação de políticas públicas e atuar no desenvolvimento de pesquisas, construção de indicadores, elaboração de diagnósticos, produção e disseminação de conhecimentos estratégicos para a educação do país. Tenho orgulho de fazer parte desse Instituto, que tem Anísio Teixeira no nome, e espero estar honrando com essa iniciativa a tradição de Anísio em defesa da educação pública de nosso país.