2020: um ano de Presenças outras | colaboração de texto por Maria Inez Carvalho (GT 12)

por Maria Inez Carvalho (GT 12 - Currículo)

Para este boletim ANPED que nos convocou para o tema 2020: um ano em ensino emergencial remoto, optei fazer um relato de meu pós-doc na UERJ, com o projeto: O conflito mundo-terra curricular: um estudo contrastivo entre grupos de pesquisa sob a supervisão da Prof. Rosanne Dias a quem, aproveitando a oportunidade, agradeço muito. Ela faz parte constitutiva deste relato.

Faz tempo, mas incrivelmente foi em 2020! Desembarco no Rio de Janeiro no dia 04 de março com a perspectiva de flanar no território físico dos grupos de pesquisa da PROPED da UERJ. Destaco que entre as intenções declaradas estava: “observar cotidianamente as atividades ordinárias e extraordinárias dos Grupos de Pesquisa”. Sim, trazia comigo o que é o FEP, o Grupo da PPGE da FACED/UFBA que lidero desde 2006, Formação em Exercício de Professores.

Juntas, Rosanne e eu,  definimos alguns dos movimentos de meu flanar pelos grupos de pesquisa da linha de Currículo da UERJ, com enfoque no grupo Políticas de Currículo docência liderado por ela: acompanhar os encontros da linha de pesquisa, os componentes curriculares, os encontros dos grupos dos demais professores da linha de currículo e tantas outras coisas mais.

No dia 09, uma segunda-feira, com um almoço com os professores da linha, iniciei o que se pretendeu ser um flanar de 3 meses, mas … as atividades presenciais foram suspensas.

Ah! As intenções, as programações …   tão sonhadas, tão essencialmente acreditadas … ainda bem que temos, dentre outras abordagens, a Teoria do Caos a nos ensinar que as trajetórias são destruídas seja qual for a precisão da descrição. 

E agora? Era a nova indagação metodológica frente a uma completa desterritorialização da pesquisa. A decisão, nada fácil, foi permanecer no território carioca e viver uma experiência do indeterminado e do fluido, dois dos importantes significantes presentes nas indagações do Projeto. 

Aos poucos as coisas vão se ajeitando. E as atividades que viriam a ser chamadas de remotas se consolidam.

Os grupos de pesquisa de uma maneira geral não param suas atividades. No caso da UERJ, as atividades da linha “Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura"  continuam. No FEP, realizamos todos os encontros das quintas-feiras dando continuidade a nossa pauta e, também, incluindo muita discussão/argumentação sobre os tempos pandêmicos. 

Passo a exercitar o que tínhamos planejado, porém de modo remoto. Se impôs um novo modo de flanar. O que isto significaria? O flanar como rotina demorou a se consolidar, mas consegui companhar os grupos, interpretar a dinâmica, ter encontros com os professores da linha.

De tudo que vivi – pensamentos insones que geraram conversas insones que fomentaram novos pensamentos insones – pondero que no meu flanar, encontrei um mundo (diria que das normas cnpqueneanas sobre linhas e grupos de pesquisa) cabalmente desmanchado pelo lugar (específicas Linhas e Grupos de Pesquisa da UERJ e da UFBA)

Flanar pelos grupos de pesquisa de duas instituições durante um período tão marcante foi uma experiência singular (uma figura de ênfase, pois toda experiência é singular). Foi uma experiência que chamarei “do é possível”. Do currículo e as contingências – um pensar os entendimentos de currículo que emergiram por todos os lados, afinal é o que nossos grupos de pesquisa fazem: pesquisar currículo.

Muitos questionamentos às atividades remotas são, para um usar um termo contemporâneo, viralizadas. Muitos dos questionamentos apontam a impossibilidade dos processos de ensino e aprendizagem distante do professor e longe da escola. Longe de olvidar os impedimentos das ordens econômica, tecnológica e do conhecimento, me ative às tentativas de interpretar qual escola e qual professor estavam aí pensados. E constato que há, de maneira geral, um embasamento essencialista nos discursos postos, sejam eles de caráter mais conservador ou mais progressista. Longe ainda do exercício de “abandonar o controle”. De encarar os riscos, já que vimos a precariedade, a provisoriedade, a não totalidade, a não perfeição. Por isto, talvez, na pandemia ou fora dela, seja tão difícil um currículo outro. Não como excepcionalidade, mas como revolução, como denúncia, buscando-se os rumos da inclusão. Constato que caberia a nós professores tais ousadias; com esforço curricular, em uma pedagogia criativa, solidária e responsável. Um momento que podemos, mais potentemente do que antes, nos livrar do entendimento da escola representada em um edifício com chaminé. Como metaforizou uma colega, ainda vemos os textos (amplamente todos eles) como encerrados. Que tal assim como o verso de amor de Vinicius: que sejam encerrados enquanto não forem abertos.

Nos encontros do FEP, a viralização de um meme em que o conhecido quadro de Magretti com a imagem de uma cachimbo e a legenda Isto não é um cachimbo foi “parodiano” a partir da imagem de um computador com a legenda Isto não é uma escola, foi o incentivo para que as nossas intensas discussões das quintas se tornasse um texto assinado por mim e pelo doutorando Elisio Silva. O título já mostra nossa posição, Isto pode ser uma escola -
rabiscos em alusão ao note presente no meme.

O tempo passando, nada da pandemia arrefecer e o não desejado ocorre. Sim, como declarou um amigo, eu ganhei intimidade com o bichinho invisível e foram 18 dias isolada no quarto superprotegido de um hospital. E foi lá que aconteceu o último momento da pesquisa, quando mais uma vez a “rota foi desviada”. Cancelados todos os encontros virtuais, acabou sendo o momento em que fazer a síntese de tudo foi possível. E aprendendo – o que até então me parecia impossível – escrever no celular, para constatar que o que emergiu de minhas flanações virtuais foi o termo PRESENÇA. Tão distante de qualquer coisa que pudesse imaginar naquele já distante 04 de março quando desembarquei no Rio rumo a UERJ.

Eu tive presenças, pedagógicas presenças, nos encontros virtuais dos Grupos de Pesquisa. E reforço a ideia, que já me acompanhava em meus pensamentos insones, que presença não é apenas física. Elas são também virtuais, aqui não no sentido de contrário a concreto. De fato, atualizações não concretas de virtualidades. E resolvi que o produto escrito de minha pesquisa (repleta de desvios de rota) seria um texto sobre Presença com o título A magia das Presenças – currículo e virtualidade

Artigo que trata da aventura humana pela ampliação da presença. Faz um traçado geo-histórico do desenvolvimento das tecnologias como possibilidade de ampliação das presenças. Uma verdadeira magia: os desenhos nas cavernas, o fogo como possibilitador da comunicação à distância, os livros, a fotografia, o telefone, o computador, a Internet. E o currículo como parte desta história. Quais presenças estão postas curricularmente?

Quando recebi alta do hospital, minha licença de capacitação já tinha se encerrado. E posso declarar que ela foi intensa. Estava pronta para continuar a pensar o currículo para um povo que ainda não existe e defendendo com mais argumentos que os Grupos de Estudos são fundamentais nos currículos dos cursos dos Programas de Pós-Graduação. Presente!!