Elvis Rezende Messias* (GT 17)
Comemora-se em 20 de Maio o DIA DO PEDAGOGO, um profissional importante para a vivência educacional de todos nós. Entretanto, não escrevo este texto para “dar os parabéns”, e sim para ensejar coragem e força a todos os profissionais da educação e aos trabalhadores em geral.
Vivemos tempos em que necessitaremos cada vez mais de pedagogos conscientes de que a educação é um grande bem a ser defendido e, especialmente, uma realidade a ser pensada, com criticidade, pelos próprios profissionais da área. No Brasil, o ataque à educação tem se tornado cada vez mais frontal e sistematizado e, há tempos, é veiculado um discurso que a coloca como ideologicamente perigosa, profissionalmente ociosa e economicamente onerosa. Temos a impressão de que isso foi tomado, efetivamente, como projeto de governo, engolindo qualquer política de Estado que vise a uma promoção integral da dignidade e da importância da educação.
É hora dos pedagogos, professores e educadores em geral se unirem numa grande defesa da educação humanizada, crítica, bem pensada em seus desenvolvimentos e práticas, discernida em seus objetivos, para que não caiamos ainda mais no discurso mercadológico que sufoca a atuação dos profissionais da educação e submete todo o complexo pedagógico a um estado de servilismo ainda mais desumanizante e de sucateamento.
Infelizmente há um claro projeto em curso, marcadamente economicista e, como tal, genocida em última instância, pensado na perspectiva de fragilizar mesmo a educação e o trabalho, de sucatear mesmo, que difunde a retórica de que o professor é uma peça ultrapassada e que pode ser substituída por processos de robotização e afins; a maquinaria socioeconômica trabalha para desconstruir a educação ou, pelo menos, para absorvê-la por completo como serva, como escrava do projeto agora ultraliberal. Esse projeto não consegue vislumbrar desenvolvimento sem atacar a classe trabalhadora, sem atacar a educação. Além do mais, tal projeto não consegue pensar a noção de “desenvolvimento” para além da compreensão reducionista do economicismo e do tecnicismo: para ele, jamais o desenvolvimento será entendido em suas dimensões verdadeiramente humanas, como algo a serviço da dignidade de todas as pessoas e da pessoa no seu todo.
Há um verdadeiro desmonte mesmo, uma verdadeira arte de agredir, uma verdadeira cultura de morte, que não se solidariza humanamente com nada e diz “e daí” para todos. Que concepção de ser humano há nos ministérios dos nossos governos? Que compreensão de mundo há nessas pessoas? O que temos visto é a difusão de uma ideologia que mata, que não quer entender a realidade de forma sistêmica nem o ser humano de modo integral, e que não dá sinal de querer ressignificar-se humanamente.
Assim, diante do cenário de crise econômica que vivemos, especialmente por conta da pandemia de coronavírus, toda saída da crise que for apresentada será ainda mais desvalorização da educação e do trabalho, ainda mais manifestações de ódio, mais ataque e precarização das condições laborais, dos direitos trabalhistas, da carreira docente e da experiência discente. Entretanto, não nos enganemos, essa crise e essa falsa solução para ela já estavam em curso há muito tempo! O coronavírus é só uma “desculpa perfeita” para que seja imposta essa agenda desumana.
E tal agenda trabalha com a pressão, com o medo, com a ameaça... Não permite que a classe trabalhadora em geral, e a classe docente especificamente, tenham tempo e condições favoráveis para pensar a realidade laboral e a educação como um todo nem mesmo a pragmática educacional. O sujeito trabalhador fica pressionado o tempo todo, esmagado pela burocratização, pela ameaça constante de não receber o seu mísero salário, seu salário de fome, e, para piorar, é ameaçado e assediado moralmente com um empreguismo eficientista que diz que ainda avaliará seu desempenho e condicionará a isso sua progressão de carreira, sua estabilidade no emprego e por aí vai... Que carreira? Que progressão? Que estabilidade? Que emprego? A cada dia esses direitos todos são triturados, sistematicamente reduzidos a pó. Mas, quando é conveniente, a miséria a que eles foram reduzidos ainda é usada como mais um instrumento de opressão e de manutenção do subemprego. Os profissionais da Educação Básica, especialmente, são ainda mais massacrados, falta-lhes muito consideravelmente a chance de aperfeiçoamento na carreira; quem quer buscar alguma especialização tem que praticamente se matar para dar conta dos desafios, 24 horas por dia não se tornam suficientes para uma carga tão desumana de tarefas, esmigalhando sonhos e fragmentando perspectivas... Muitos são completamente expostos, explorados, escravizados, e nem sempre temos a chance de enxergar isso, anestesiados que estamos com as próprias “pauladas” que levamos e os inúmeros afazeres burocratizados e sem vida a que somos submetidos.
Uma das grandes pautas de agora são os usos das tecnologias na educação. Ora, as tecnologias nem são propriamente o problema a ser considerado, mas sim a forma como elas são apropriadas. No sistema ultraliberal em que vivemos, elas são apropriadas como fonte de aumento de lucro para um grupo pequeno, grupo esse que quer nos obrigar a amar o que nos esmaga humanamente. Precisamos entender que a resistência de muitos educadores às novas tecnologias (não tão novas assim mais) é, na verdade, resistência à conjuntura de uso delas. Se as usarmos tal como estamos sendo obrigados a usá-las, sabemos que estaremos sendo peças-chaves para a perpetuação de um status quo de desumanidade e de exploração de nós mesmos que já perdura há anos, para alimentar o círculo vicioso de um projeto socioeconômico que só veio para explorar a muitos e dar chances a poucos. A resistência que se vê é sintomática, escancara o mal-estar da nossa civilização. Não é resistência porque “professor é vagabundo” e “não gosta de trabalhar”... O ser humano gosta de trabalhar, o trabalho é um dado antropológico (somos “homo faber”, “homo labor” etc.), o trabalho é fonte de realização humana; mas, na forma (ou modo) como está posto há centenas de anos, ele tem sido fonte de alienação humana, de destruição humana. O que está em jogo, então, não é gostar ou não de trabalhar, porque o que temos aí diante de nós não pode ser classificado como “trabalho”, nem “remoto” nem “humano”.
Precisamos dizer: não, a educação não é onerosa, a educação não é ociosa, a educação não é perigosa! Entretanto, para o projeto de sociedade típico dos defensores do ultraliberalismo, sim, a educação sempre aparecerá como peso econômico, pois eles jamais a considerarão um espaço digno de investimento humanizado (eles a vilipendiam como escrava econômica que não gera lucros); para eles, sim, a educação sempre será um redil de ociosidade, pois já consagraram em si mesmos a imagem do pedagogo e do professor como “preguiçosos”, como “folgados que só trabalham meio período” e “tiram muitas férias ao longo do ano”, sem jamais conseguirem enxergar esses profissionais desenvolvendo suas funções para além dos muros e dos horários em que se encontram no interior de suas instituições de ensino; para eles, sim, a educação sempre aparecerá como perigosa, pois gente que pensa será sempre uma ameaça para os seus ideais de transformação da coisa pública em bem privado, em coisa de família, em serva de grupos oligárquicos, em instrumento de obscurecimento da consciência do trabalhador sobre sua própria condição.
Se a dignidade humana do trabalhador não é verdadeiramente respeitada e promovida no cenário trabalhista, tal trabalho jamais poderá ser considerado uma coisa digna, pois ele, na forma em que se efetiva, não dignifica aquele que trabalha. Não vale tudo para simplesmente manter empregos! Não vale dar um “sinal verde” [e amarelo] para sucatear a realidade do trabalho a fim de manter o emprego do trabalhador, porque esse tipo de trabalho não traz realização, e sim alienação e destruição como foi dito.
Ou o ser humano, considerado integralmente, se torna concretamente o grande bem a ser defendido e promovido, e o verdadeiro protagonista deste processo, ou o que teremos continuará sendo o intenso ataque à humanidade dos trabalhadores em nome da lógica lucrativa. E o papel dos pedagogos, professores e educadores é decisivo nessa conscientização humanizada. Uma atividade pedagógica crítica será, nestes tempos, a grande voz em defesa da democracia e da dignidade integral do ser humano, e também a grande voz em denúncia da lógica mercadológica que quer reduzir o antropológico à condição de recurso servil.
Não há resposta pronta nem saída fácil para tudo isso. Mas, sem criticidade, trava-se a criatividade que liberta, e acaba-se inventando coisas que nos maltratam ainda mais. Um pedagogo não será jamais somente uma peça funcional de planejamento, execução e coordenação de atividades de mais um “setor” do complexo social... Ele é pessoa humana, que pensa no humano, que promove o humano e faz uma ciência que é, de fato, humana.
Enfim, o contexto exige consciência, o contexto exige resistência, o contexto exige docência, exige promoção da discência e clama decência. E são os profissionais da educação os grandes responsáveis na condução desse combate de lucidez, profetismo e esperança que tanto necessitamos. Por isso, mais que “dar parabéns” no dia do pedagogo, é hora de ensejar coragem e força. Há uma grande luta pela frente, e ela já começou. Vamos juntos, avante!
*Professor pesquisador, licenciado e especialista em Filosofia, mestre em Educação, pesquisador de doutoramento em Ciências da Religião e bacharelando em Teologia. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG-Campanha) e no Instituto Filosófico São José (Diocese da Campanha). Contato: elvismessias.prof@gmail.com