por Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP) - coordenador GT 17 da ANPEd (Filosofia da Educação)
Imagem: Diário do Centro do Mundo
Em 20 de maio celebra-se o Dia da/o Pedagoga/o. Inevitável lembra-me de Hannah Arendt acerca do objetivo da educação: proteger as crianças do mundo e prepará-las para o mundo, por sua vez, em constante transformação.
A cena de uma criança fantasiada de policial, conduzida até o presidente para bater continência, mostra que as crianças não estão sendo protegidas dos destemperos e das fúrias mundanas de nossa época. Tampouco estão elas sendo preparadas para transformar o mundo, desbarbarizando-o e emancipando-se de suas tiranias.
Se a educação é atividade elementar e necessária na complexa articulação entre proteger as crianças do mundo e prepará-las para o estado de contínuo vir a ser do mundo, então, é preciso lembrar que as/os pedagogas/os são aí imprescindíveis.
Ser pedagoga/o é um estado de constante mutação e sempre dependente de outros sujeitos. Estamos pedagogas/os, seria mais correto dizer. A/O pedagoga/o é, por função e consequentemente, alguém inacabada/o, pois se realiza no ato infindável do educar.
Assim, o que se demanda a esses ourives da vida é um convite renovado para novas descobertas, novos saberes e novos sabores a serem degustados fora do que, pretensamente, se pensa já saber.
A/O pedagoga/o é cúmplice com as reinvenções da vida – dispostas no longo intervalo entre o que não sabemos e o que desejamos saber; entre o que já fazemos e podemos fazer. Por isso mesmo, ser pedagoga/o é possuir um corpo sensível, pois sem sensibilidade não sensibiliza para a experiência educativa. Do contrário, corre-se o risco de se deixar cristalizar pela teoria, pela crença, pela função burocrática, pelo fascínio do poder autoritário; mas também pela monotonia e pela convicção do conhecimento suficiente e, então, já não se é mais pedagoga/o.
O psicanalista Félix Guattari dizia que “desejo são todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de inventar uma outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores”.
Em um mundo fascinado cada vez mais pela superficialidade nas relações humanas, pelas normas heteropatriarcais, pelos enclaves da injustiça social que transformam a miséria humana e a dor do próximo em espetáculo, ser pedagoga/o é ousar desejar.
Com efeito, toda experiência da/o pedagoga/o com a educação assinala para formas de vontade de viver cujas expressões, palavras e cujos gestos ensinam aos que estão entrando no mundo que não estamos condenados a ser os mesmos; e que pensar diferentemente do que pensamos é condição primeira de todo ato de educar.
Desse modo, a/o pedagoga/o não reza cartilha, pois o desejo recusa todo dogmatismo e toda repetição, conduzindo-a/o à criação de novos mundos possíveis.
E a criação é uma insubmissão voluntária, ela não presta continência a nenhum servilismo. Não é à toa que os fascistas, os ditadores e os autoritários de plantão perseguem tudo o que emana da criação desejante: a arte, a expressão corporal não normativa, os saberes dos povos autóctones, as minorias, o conhecimento não sistemático etc.
De tal modo, ser pedagoga/o é justamente criar pontes de desejo para que as pessoas circulem no mundo fazendo novas conexões sociais, sem nenhum tipo de neocolonialismo. Conexões fora da economia dos afetos negociáveis, fora dos poderes que legitimam a opressão de qualquer ordem, fora das ordenações históricas de classe, de raça, de gênero e de credo.
A/O pedagoga/o é sempre um/a educador infame, sendo senão ato vivo de singularidade existencial. Ela/e não busca a fama. É estranho poema, nem sempre notada/o, dignificada/o, invocada/o como parcela viva da história, mas que, contudo, faz girar as experiências mais reais, micropolitizadas, nem sempre vistas e valorizadas, mas que estão lá, aqui, além de aqui, mas sempre na concretude humana.
Em um país como o Brasil, a/o pedagoga/o infame está em todos os recantos, formas, experiências educativas, produzindo educação – no prédio, na roça, na tapera, sob a árvore, na tribo, no quilombola, entre quatro paredes, nos cem lugares possíveis. A/O pedagoga/o é um/a ator/a e autor/a na dramaturgia da vida real.
Se ser é insistir, como disse Fernando Pessoa, então é aí que devemos estar nesses tempos de fúria: na insistência com a renovação do desejo de educar no mundo, porém, anunciando que outro mundo também é possível.