por Bárbara Ramalho (GT Movimentos Sociais)
Há doze anos eu pisava em uma Universidade pela primeira vez. Foi em 2007 que a minha família, moradora da periferia da cidade de Belo Horizonte, tinha sua primeira representante na academia e, mais precisamente, no Ensino Superior público federal. Foram muitos os anos em que a apropriação dos tradicionais saberes, quase que na perspectiva da aculturação, e, assim, sob a lógica de uma inclusão subalterna, constitui-se na dimensão orientadora da relação que estabeleci com a Universidade e seus “cânones”.
Os anos se passaram e os profundos limites dos conhecimentos hegemônicos para a compreensão de realidades “Outras”, da qual eu, mulher, negra, periférica e, portanto, aqui localizada enquanto sujeito coletivo, fazia/faço parte, se mostravam evidentes. É que, embora pretendessem universais e, assim, suficientes, esses conhecimentos (re)produziam o racismo, o patriarcado e o capitalismo e, assim, o sistema-mundo responsável pela construção de desigualdades.
É no âmbito do pensamento anticolonial, em cujo localizo, entre outras abordagens, as Epistemologias do Sul, que passo a reconhecer a viabilidade do estabelecimento de relações contra-hegemônicas dos sujeitos historicamente subalternizados com o conhecimento legitimado. Trata-se da possibilidade de construção, nos termos de Boaventura de Sousa Santos, de uma Ecologia de Saberes que identifica, simultaneamente, ausências e emergências epistemológicas, resultando, assim, na pronúncia, pelos historicamente silenciados, de futuros “Outros”, inimagináveis sob o projeto Moderno/colonial.
Nessa perspectiva, é por atuar na fronteira entre os conhecimentos tradicionais que desfrutam de quase inconteste legitimidade na sociedade e os saberes historicamente transformados em inexistências que identifico a potência da Universidade Popular dos Movimentos Sociais. Ao fomentar o diálogo entre pesquisadores universitários e os sujeitos coletivos organizados, os Movimentos Sociais, esta metodologia possibilita o tensionamento da colonialidade do saber e, por isso, mais uma vez em referência a Boaventura de Sousa Santos, constitui-se uma pertinente estratégia de promoção de justiça social.
A intensa experiência da UPMS vivida no âmbito da ANPEd testemunha o caráter insurgente e emancipatório desta metodologia. Durante os dois dias e meio em que nós, sujeitos coletivos organizados e/ou intelectuais anticoloniais, estivemos em diálogo foi possível, além de reconhecer “parentescos”, ou proximidades de lutas, compreender a potência epistêmica constitutiva da existência resistente dos “Outros”. Nessa perspectiva, a vivência demonstrou as formas como os sujeitos silenciados – não raramente externos à Universidade, mas, sobretudo nos dias de hoje, nela inseridos – desenvolvem necessárias e urgentes fissuras na torre marfim.