por Theresa Adrião (Unicamp) e Romualdo Portela (USP)*
A aquisição do SOMOS Educação pela Kroton evidencia mais uma consequência da equivocada política de desregulamentação da oferta educacional por grupos privados efetivada pelo governo brasileiro que induz a presença de corporações associadas ao capital financeiro como fornecedores prioritários, tanto da oferta direta da educação, quanto na de insumos educacionais, descaracterizando a educação como direito do cidadão e dever do Estado e alimentando a criação de mercados educacionais diversos.
Nessa perspectiva, não é de somenos importância o lançamento, pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo, de Campanha intitulada “Aliança Brasileira pela Educação”coordenada pelo Grupo Kroton.
Iniciando-se em 2006, empresas de educação superior abrem seu capital na Bolsa de Valores e passam a ser geridas, ao menos em parte, por fundos de investimento ou são adquiridas por corporações transnacionais. A partir de 2010, esse processo estende-se para a educação básica, com a entrada na bolsa de grupos como a Abril Educação, o COC e o Positivo, posteriormente, adquiridos por empresas estrangeiras como a inglesa Pearson ou a espanhola Prisa/Santillana.
As consequências para a educação básica podem ser negativas tanto para escolas privadas quanto para os sistemas públicos.
No primeiro caso, a presença de grupos, como o que resulta dessa fusão, tende a monopolizar a oferta educacional privada, ao “quebrar” escolas de menor prestígio ou incorporar escolas “bem sucedidas”, como recentemente ocorreu em São Paulo com a Escola da Vila. Caso a lógica não seja a incorporação física dos estabelecimentos de ensino, a generalização de modelos pedagógicos, na forma de Sistemas Privados de Ensino, tende a substituir projetos educativos por “cestas de insumos pedagógicos” customizadas em função do poder de compra dos clientes: escolas e famílias. Quem paga mais, recebe mais.
Diferentemente da ação de “filantropos de risco” (OCDE, 2014), atores privados como fundações e institutos, a presença direta de corporações associadas a fundos de investimentos na produção de insumos curriculares e na venda de “sistemas privados de ensino” para as redes públicas subordina a educação pública diretamente ao capital financeiro e explicita a lógica que o rege: lucro rápido, como evidencia a recente experiência sueca.
Esses grupos incidem sobre as redes públicas de duas maneiras: por meio da venda dos “sistemas privados de ensino”, principalmente para municípios, acarretando na desqualificação da própria gestão pública pela transferência de atribuições de formação, avaliação e supervisão para empresas privadas; na padronização dos currículos e na desqualificação da atividade docente, por meio da rotinização das aulas. O acesso desigual aos produtos oferecidos, decorrente do também desigual acesso aos fundos públicos, aprofunda desigualdades educativas já existentes.
Nossos estudos também identificaram que, já em 2015, a Abril Educação, juntamente com a Ática e a Saraiva, foram as editoras que mais receberam recursos do PNLD, o que significa que os fundos públicos foram transferidos para esses grupos tanto pelos governos subnacionais, quanto pelo governo federal.
Esse processo de privatização e de transformação da educação em mercadoria, afasta-nos, cada vez mais, da perspectiva da educação como um direito de todos e mecanismo de redução de desigualdades sociais, colocando na ordem do dia a necessidade de maior regulação do setor e contenção da ação deletéria dessas empresas.
*Theresa Adrião é professora livre docente da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE
Romualdo Portela de Oliveira é professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
*artigo originalmente publicado na Carta Educação no dia 08 de maio de 2018.