Pertencimento, histórias de vida em sala de aula e cultura visual: um passeio pela educação uruguaia

reportagem e imagens: João Marcos Veiga

Não há melhor forma de se captar o espírito de uma cidade do que visitando uma feira matutina aos domingos. Percorrer a rua Tristan Narvaja, no centro de Montevidéu, é mergulhar em aromas, léxicos e simbologias ora familiares, ora novos para um flâneur brasileiro. No primeiro setor, de bugigangas, chama a atenção as cuias de variadas cores e desenhos para abrigar o apreciado mate. Depois de passar por barracas de lechugas, zanahorias e calabazas, o cheiro dos suculentos chivitos domina o ambiente. Com o passar do tempo, o olhar se acostuma e a feira adquire caráter similar a tantas outras pelo mundo, com exceção de um ritmo cordial, relaxado e cadenciado da multidão ao longo dos inúmeros quarteirões, o que diz muito sobre o uruguaio. Mas são nas conversas triviais que outros elementos aparecem. "Estou muito preocupada com meu filho", desabafa uma senhora com uma comadre. "Meu filho não anda querendo ler..." A preocupação, que pareceria algo quixotesca no Brasil, felizmente, ainda tem sua razão de ser no Uruguai, frente ao importante papel que a leitura e os livros parecem ter nesta sociedade. Se as antiguidades dominam boa parte da Tristan Narvaja, os livros são ali mais do que objetos de colecionadores - estimulam conversas sobre política, relembram histórias entre velhos amigos e alicerçam toda uma cultura.   

 

  

País com índice mais alto de alfabetização na América Latina (98,4%), o Uruguai equilibra-se entre a valorização de tradições, que espelham-se em sua arquitetura histórica e paisagem urbana monumental - que enaltece heróis nacionais como José Artigas -, e índices sociais e programas progressistas que fazem inveja a outros países da América Latina. Exemplo disso são reformas educacionais mais integradas à valorização docente, a rede pública de internet tanto para domicílios quanto para escolas, a destinação de um computador por estudante da rede primária e a legalização da maconha no país, aprovada em 2013 e controlada pelo Estado. Se a baixa desigualdade social e uma população pequena - 3,4 milhões, pouco mais do que a cidade de Brasília - colocam o Uruguai como laboratório de ações progressistas em nível educacional e social, o dia-a-dia dessa realidade se mostra naturalmente mais complexo, atravessado por desafios nas salas de aula e nas trajetórias de seus sujeitos.

No ano em que se relembram os 100 anos da Revolução Russa, o Uruguai também faz um balanço do papel do Partido Comunista do país, sobretudo durante a ditadura militar no país (1973-1985), quando também esteve envolto num contexto de movimentos clandestinos, guerrilhas, desaparecimentos, políticos exilados e presos. Tal contexto é indissociável da própria ascensão de Pepe Mujica como presidente (2010-2015). Enquanto a ditadura parece algo superado em plano nacional, com novo governo de uma Frente Ampla dita de esquerda, na figura de Tabaré Vásquez, nas histórias familiares e pessoais ela ainda segue viva, ao menos como referência de que caminhos (não) se seguir.  

Ditadura, Brasil e pertencimento

A educação e formação da uruguaia Carmen Aroztegui Massera se deu exatamente no final da ditadura e começo da democracia no país. Junto aos pais, foi obrigada a emigrar para Porto Alegre, no Brasil, que também vivia os anos de chumbo. Além da distância de familiares, como o avô, preso por nove anos por ser comunista, e o exílio da avó na Espanha, a lembrança do período de repressão é de não poder dizer o que se pensa, mas que indiretamente também forçava um aprendizado. "Tudo isso me formou, digamos assim, em saber o que é o sacrifício por coisas que você acredita. Não é uma formação acadêmica, mas sim de vida. Que se dá também com muito trauma, tristeza, pessoas assassinadas, desaparecidas, próximas da família ou mesmo da família. Tortura de pai, mãe, avô. É uma formação que não se recebe na escola, mas que faz parte da sua pessoa", conta. Paralelamente aos estudos, dedicava-se à atividade gremial e partidária, na juventude comunista. "Isso fazia com que eu fosse pro interior, em zonas de não muito conforto, pra mim que era estilo patricinha", diverte-se lembrando. "Eu trabalhava muito em lugares e situações diferentes, falava com as pessoas. É uma formação também em questões éticas, do que vale a pena estudar."

A professora uruguaia Carmen Aroztegui, que morou no Brasil na adolescência e que posteriormente deu aulas na UFMG, em Belo Horizonte (MG)

O diploma de arquiteta veio com a retomada da democracia uruguaia. A partir dos anos 90 morou por 11 anos nos Estados Unidos, onde fez mestrado e doutorado, e entre 2008 e 2010 fez um pós-doc no Chile. Após alternar momentos de dificuldade e crises nessa trajetória, sua história novamente se cruza com o Brasil ao passar num concurso para professora adjunta do programa de Arquitetura da UFMG, em Belo Horizonte (MG). Mas após cinco anos na cidade, tomou uma decisão que gerou surpresa em diferentes círculos: abandonar o status de docente de uma prestigiada instituição federal. Mas para ela, mesmo em meio a uma nova crise pessoal, a decisão foi algo natural. Num primeiro momento pela não adequação à produtividade quantitativa exigida pelos programas e agências de fomento. "Isso de alguma maneira perturba a realização de uma pesquisa que seja significativa. E acaba por ser significativa apenas a pesquisa que é publicada. Isso nunca funcionou comigo", diz Carmen, que igualmente estranhou as barreiras para se conseguir financiamento e estrutura de pesquisa no Brasil, diferentemente do que havia vivenciado no Chile e Estados Unidos. Mas a uruguaia revela que o que pesou foi algo maior e pessoal. "Não entendem eu estar 'confortável' como professora da UFMG e querer voltar. Mas é um sentido de pertencimento, de onde você é e onde vale a pena trabalhar. Não o trabalho como dinheiro, mas onde você pode atuar como ser político." Outro ponto importante foi poder proporcionar outra vida à filha, Maria, nascida no Brasil, hoje totalmente integrada ao cotidiano de Montevidéu, conhecida pela segurança cotidiana e qualidade de vida.

A professora Carmen Aroztegui e a filha brasileira-uruguaia Maria

De volta ao país de origem, Carmen não teve boa recepção da pós-graduação uruguaia. Reiteradas tentativas de dar aula no ensino superior, inclusive através de concurso, esbarravam em uma negação de reconhecimento de seus títulos e experiências docentes no exterior. A decepção foi seguida por algo que a levou a um novo entendimento sobre o papel da educação. Desde então Carmen atua na Universidad del Trabajo, uma espécie de CEFET do Uruguai, que oferece um ensino médio vinculado a profissões, como desenho, culinária e carpintaria. Fundada ainda no final do século 19, é historicamente vista como a escola dos pobres, que não seguem para o Liceu. "Isso com o tempo tem se modificado, mas existe a consideração de ser um ensino de segunda classe, o que não é real", defende. A atuação de Aroztegui é especificamente num departamento de atualização para professores, chamada Formación en Servicio. "É um trabalho super gratificante, a gente viaja pro interior, onde existe uma demanda muito grande de atualização e, eu diria, de formação. Me sinto muito recompensada pelo retorno dos professores." Mais recentemente tem dado aula diretamente para alunos, ensinando desenho técnico em disciplinas que visam habilidades para o trabalho em gastronomia, com turmas ecléticas, comportando alunos de 13 a 18 anos, muitos com problemas sociais, como familiares envolvidos em narcotráfico. "São meninos que já abandonaram a educação e estão retomando, o que faz com que a aula seja muito difícil de dar, mas um desafio super interessante pra mim. Você está numa aula em que eles precisam de você. Ensino algo que não estão acostumados, e ao mesmo tempo eu tenho que estar ali tanto para separar jovens brigando quanto para dar o abraço", relata.

Carmen brinca ao dizer ter muitas vidas. Na vida atual ela corre o risco de perder o emprego na Universidad del Trabajo, por questões políticas. Estar em situações complicadas já é visto por ela como algo que faz parte do processo de se buscar onde realmente se pode contribuir. "Tenho certo ressentimento de não estar fazendo pesquisa, com apoio, espaço, o que tinha na UFMG, no Chile, nos EUA, e não estou tendo agora. Mas ao mesmo tempo estou tendo um contato tão intenso com a educação fora dos parâmetros universitários. A universidade às vezes fica isolada, não se vincula a essas realidades. É uma oportunidade única de me aproximar a situações em que efetivamente se faz a diferença."

Educação no Uruguai e o desafio da juventude

Fazer a diferença, apesar dos desafios, é algo que se ouve também da uruguaia Alba García. Com um sorriso no rosto, conta que é professora há 36 anos na educação infantil. "É mais do que transmitir conhecimento, é transmitir valores. Valores que se integram à vida da criança, esperando que algo cultive nelas e germine no futuro. Dar-lhes ferramentas, estratégias para que eles possam racionalizar, refletir, se desenvolver." Alba trabalha também no Museu Pedagógico, na Sala de Literatura e Arte, assessorando alunos e professores em busca de obras universais e contemporâneas.

A professora Alba García no Museu Pedagógico de Montevidéu

O museu, que funciona num prédio de arquitetura neo-clássica situado na pacata praça Cagancha, no centro de Montevidéu, possui ambiência espartana em seu interior. Instituição pública, sem os vultosos recursos de outras instituições culturais privadas, baseia-se em objetos antigos utilizados em salas de aula, como mobiliários, louças, lunetas, compassos, balanças e maquetes que mostram em detalhes a estrutura do corpo humano e de plantas. O conjunto de peças e textos explicativos transparecem orgulho sobretudo do caráter disciplinar da história da educação no país. "El niño es pequeño y es ignorante: favorecer su desarrollo e ilustrarlo és el trabajo del maestro; para realizarlo tiene dos agentes: el salón de clase y el texto; el primero es el lugar del desarrollo el segundo el instrumento de la enseñanza...", diz texto de José Pedro Varela de 1910 - o escritor, jornalista e político que dá nome ao museu defendeu durante período ditatorial, em fins do século 19, uma reforma educacional no país, confiando de forma inédita a direção de algumas escolas a mulheres, cargo antes restrito somente aos varones. O clima algo sisudo do Museu Pedagógico, no entanto, é corriqueiramente quebrado por coloridos quadros de avisos de funcionárias, saborosas gargalhadas de encarregadas pela limpeza e pelo burburinho das crianças na parte inferior do edifício, onde funciona uma escola primária.

Foi exatamente sob influência de José Pedro Varela (1845-1879), enquanto Diretor de Instrução Pública, que o Uruguai passou a ser o primeiro país das Américas a ter uma educação primária universal, gratuita e obrigatória cobrindo todo seu território, através da Lei de Educação Comum, de 1877, com separação entre educação primária, secundária e superior baseada no modelo francês. Tais etapas passaram durante o regime militar, em 1973, por nova reforma, com a criação do Consejo Nacional de Educación (Conae), que ampliou de seis para nove anos o ciclo obrigatório de estudos.

Alba nos conta que em 2008 o Liceu, correspondente ao Ensino Médio, foi novamente alvo de uma ambiciosa reforma, revisando conteúdos de aprendizagem do nível inicial ao sexto grau. A partir da delimitação de cinco campos do conhecimento prioritários (Língua, Matemática, Ciências Naturais, Ciências Sociais e Artes) se articularam diferentes disciplinas, como História, Geografia, Ética e Cidadania (em Ciências Sociais) e Pintura, Música, Expressão Corporal e Teatro (em Artes). Novas disciplinas que não constavam nos programas foram incorporados, como Estatística, Álgebra, Física e Química. A Ley General de Educación, promulgada em 2008, teve como um de seus nortes a Declaração Mundial sobre Educação de 1990, no sentido do acesso universal igualmente incluir a noção de qualidade, com conteúdos e processos respeitando os direitos humanos. Em 2011, o pesquisador brasileiro Luiz Carlos de Freitas (Unicamp) fazia elogios à reforma em seu blog, em contrapartida a críticas a ações do governo Dilma à época. "[...] a lei uruguaia de educação está muito mais avançada em suas concepções do que a nossa LDB e as recentes políticas do governo Dilma. [...] a educação é formalmente considerada um 'bem público', como a lei impede qualquer tratado internacional que implique em fomentar o mercantilismo da educação e evitar que seja colocada como serviço lucrativo e, finalmente, impede que o INAE (aqui é o INEP) deles divulgue não só os dados de identificação do aluno, como fazemos aqui, mas impede que os docentes e as instituições educativas sejam identificados. [...] Não foi preciso se apelar para os homens de negócio para encaminhar a questão educacional uruguaia."

Vista como direito fundamental e obrigatória desde os quatro anos de idade até o último ano da educação média, a educação no Uruguai a partir da lei de 2008 passa a contemplar 14 anos: dois anos de educação inicial, seis de educação primária, três de média-básica e três de educação superior. A noção de "aprendizagens fundamentais" se apresenta na lei com definição de metas por quinquênio, envolvendo expansão e atendimento do sistema. Nesse sentido foi criado o Instituto Nacional de Evaluación Educativa (INEEd), que se encarrega, entre outras tarefas, de elaborar um informe bienal sobre o estado da educação no Uruguai. Segundo o último relatório, de maio de 2017, "o país apresenta uma boa situação quanto ao acesso à educação nos ciclos inicial, primário e médio-básico. Entretanto, a quantidade de anos prometido de escolarização está muito longe de alcançar os 14 estabelecidos por lei, uma vez que apresenta um ritmo de crescimento lento quando se compara com o de outros países da região". É nesse sentido que o relatório aponta que enquanto a matrícula aos 4 anos alcança 90% de atendimento, com aumento de 22 pontos nos últimos 10 anos, entre 15 e 17 anos ficou entre 5 e 9 pontos. Com cada vez mais crianças ingressando no sistema educativo, o gargalo no Uruguai é sem dúvida o acesso de adolescentes ao último nível de educação obrigatória, com apenas um terço dos alunos de 19 anos ingressando na idade esperada. A partir disso, as metas estabelecidas em lei para o quinquênio mostram-se ambiciosas para se chegar a 45% de atendimento à população de 19 anos e 75% entre a de 21 a 23 anos, necessitando de um aumento de matrículas de 7,7% e 14% respectivamente. "A magnitude estabelecida como metas de ingresso para 2020 pela ANEP se localiza na universalização que pleiteia a Lei Geral da Educação, mas expressa o grande desafio que se apresenta ao país nos próximos anos", avalia o documento.

A repetição escolar, colocada como um pilar do processo educativo no país, de alguma forma acaba se relacionando indiretamente com uma alta evasão entre os mais jovens. "Eles começam e depois abandonam. O governo lhes dá um incentivo econômico no começo, mas mesmo assim acabam abandonando, porque dedicam pouco tempo, não estudam. E depois de quatro, cinco exames já sabem que perderam o ano e já se retiram. Por isso a evasão é um tema muito crítico aqui", conta Alba García. Para a professora, o interesse e perfil dos alunos no século 21 coloca um desafio à educação pública. "Está complicado. Os jovens estão mais propensos a prestar mais atenção à tecnologia, o livro caiu em desuso, se descuidou desse aspecto pelo tema da tecnologia. Estão [as escolas] revendo o que interessa mais aos jovens, porque realmente há disciplinas como História e Filosofia que não interessam a determinados alunos em absoluto. Então estão tratando de criar programas que sejam mais atrativos e que chamem mais os adolescentes ao Liceu", aponta.

Infográficos - fonte: INEED/2017

Nesse sentido, um dos programas de maior destaque para aproximar alunos, tecnologia e educação foi o Plan Ceibal, lançado em 2007 pelo governo Tabaré Vasquez, destinando um computador por criança em idade escolar e a professores da escola pública, aliado à rede gratuita de internet. Mas uma década depois, a iniciativa mostra suas limitações, seja por problemas técnicos nos equipamentos com o uso, seja em alcançar uma de suas metas principais: "capacitar os docentes no uso da ferramenta e promover a elaboração de propostas educativas de acordo com a mesmas". Para Carmen Aroztegui falta uma maior reflexão de como isso melhora a questão educativa na prática. "Termina sendo uma intromissão de um programa do governo na didática dos professores, que não entendem isso exatamente como necessário. Eles estão mais preocupados com que as crianças aprendam a ler, independente se utilizam o meio digital, que aprendam matemática. Isso pode estar vinculado às novas mídias, deve, mas não dá forma que está sendo implementada aqui", questiona. Para a professora, a inserção massiva de equipamentos, como as impressoras 3D que já estão em parte das escolas, deveria ser rearticulada de outra forma. "Os resultados não estão sendo compatíveis. E sempre a culpa é dos professores, sempre do trabalhador. Isso gera distorções em sindicatos, direção das instituições", avalia Carmen, para quem a educação no Uruguai está passando no momento por uma pressão política e partidária muito grande, no sentido de ser uma ferramenta de resolução de problemas, de atender coisas que a sociedade não está dando conta. "Cidadania, homofobia, violência doméstica, feminicídio. A educação tem que dar resposta a tudo isso. Tudo bem, muito importante que a educação cumpra esse papel de pertencimento e que colabore com todas essas questões que aparecem na sociedade. Mas muitas vezes fica sendo só a educação a única ferramenta, o que a coloca numa situação de muito estresse", desabafa. Ela cita como exemplo a própria Universidad del Trabajo, de onde se espera o atendimento a uma demanda crescente por emprego. "Criar a expectativa de que o estudante que termine os estudos ali vá ter emprego é muito complicado, gera muitas distorções sobre o que deve ser educado e gera uma demanda irreflexiva por parte do mercado. Demandam-se assim novas carreiras e cursos a partir de lógicas do mercado, e não educativas. Isso é um dos problemas particulares que temos. Distorção do que é espaço da educação, que acaba sendo um espaço de soluções de crises que vão além da educação."

Educação superior e cultura visual

Sede do Mercosul, o Uruguai possui apenas duas instituições de ensino superior, a Universidad de La República (UdelaR), fundada em 1849, e a Universidad Católica del Uruguay, privada, estabelecida em 1984. O fato de ambas estarem situadas em Montevidéu evidencia certa desigualdade de acesso à educação entre a capital e o interior do país, quadro destacado no último relatório do INEEd e algo que também se estende aos outros níveis da educação do país. Por isso mesmo espera-se da universidade o papel de articular conhecimentos, aproximar grupos e combater desigualdades, tanto em nível nacional quanto em diálogo com outros países da América Latina.

Exemplo disso foi a realização do I Seminário Internacional de Investigación en Arte y Cultura Visual, ocorrido na UdelaR entre os dias 23 e 25 de outubro, articulado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Com mais de 500 trabalhos apresentados por alunos e pesquisadores de áreas como Artes, Educação, Comunicação, Arquitetura e História, o evento possibilitou um rico intercâmbio entre uruguaios, brasileiros e argentinos. O seminário contou inclusive com participação de anpedianas, como Nilda Alves, que apresentou o trabalho "Iniciar um processo de pesquisa com e pelas imagens", juntamente a Virginia Louzada e Alessandra Nunes Caldas, Claudia Chagas. O jornalista que assina esta reportagem também esteve no encontro apresentando, junto a Luiz Henrique Garcia (UFMG), a pesquisa "Espaço Público em jogo: repertórios visuais de expressão dos conflitos políticos em torno da Copa do Mundo de 2014 em Belo Horizonte". A Cultura Visual, em cada uma das diversas sessões, foi o ponto de partida para se discutir política urbana, feminismo, questão indígena e arte popular no currículo escolar, dentre outros. Alunos uruguaios presentes às apresentações também pontuaram a oportunidade de conhecer realidades tão distantes e diversas do Brasil, com pesquisas de Goiânia ao Amapá.

Universidad de La República (UdelaR), fundada em 1849

Pelas ruas de Montevidéu, a cultura visual se mescla a arquitetura histórica de forma viva e dinâmica, seja por manifestações políticas em prol de direitos sociais e trabalhistas, seja por grafites e grupos sociais diversos que compartilham um espaço público tratado com muito apreço pelos uruguaios. Uma paisagem que inspira tradição e um marcante envelhecimento da população (com índice mais alto na América Latina) parecem não se opor à vitalidade de jovens que recriam a cultura urbana na música, cinema e artes plásticas.

 

Junto a uma rede de bons museus, também se articula na cidade uma programação cultural pulsante, a exemplo do Festival Internacional de Fotografia, que ocupava no mês de outubro espaços diversos, como galerias e estações de metrô. Para se entender a sociedade e a Educação no Uruguai é preciso, sem dúvida, deixar de lado rótulos para acessar temporalidades sociais e políticas, sempre atravessadas pelas trajetórias pessoais, cada qual com sua chama especial, como nos contou o uruguaio Eduardo Galeano:

Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.

— O mundo é isso — revelou —. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo. (Eduardo Galeano - "El Livro de los abrazos")