* texto publicado originalmente no Boletim da SciELO, por Abel L Packer
A extensão das dimensões nacional e internacional como determinantes do desempenho dos periódicos do Brasil dominou o programa da 4ª Reunião Anual do SciELO, realizada no dia 2 de dezembro, no auditório da FAPESP em São Paulo. Responsáveis atualmente pela comunicação de mais de 25% da produção científica nacional indexada internacionalmente, os periódicos do Brasil influem no ranking cientométrico internacional do país, positivamente em quantidade de artigos e negativamente em citações recebidas por artigo.
Crescimento e impacto internacional da pesquisa brasileira
O Diretor Científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, analisou a emergência e evolução desta situação nos últimos anos com uma série de gráficos ilustrativos do crescimento e impacto da pesquisa do Brasil indexada no Web of Science (WoS) desde os anos 801. Entre eles, destaca-se o slide com os gráficos que evidenciam a diferença de desempenho por citações entre os artigos de autoria brasileira publicados nos periódicos do Brasil e do exterior (Figura 1). Embora reconhecendo que não se publica periódicos de qualidade com o objetivo exclusivo de obter citações, Brito Cruz ressaltou a importância dos periódicos nacionais para aumentar o impacto da ciência brasileira. Lembrou também que o aumento da visibilidade internacional dos periódicos do Brasil é um objetivo do SciELO desde suas origens.
A pesquisa nacional e a internacional citadas nos periódicos SciELO
Rogerio Mugnaini2 mapeou os periódicos SciELO do Brasil segundo a origem nacional ou estrangeira das citações que receberam em 2013 (impacto) e segundo o destino nacional ou estrangeiro das citações que concederam (consumo de informação). Restringindo a dimensão nacional (origem ou destino das citações) aos periódicos SciELO e a internacional aos periódicos WoS e não SciELO, Mugnaini categorizou em 5 grupos a centralidade nacional e/ou internacional dos periódicos: predominantemente internacional (até 20% de citações SciELO), internacional (entre mais de 20% e 40% de citações SciELO), intermediário (entre mais de 40% e 60% de citações SciELO), nacional (entre mais de 60 e 80% de citações SciELO) e predominantemente nacional (mais de 80% de citações SciELO). A Tabela 1 apresenta a distribuição dos periódicos SciELO segundo o impacto e o consumo de informação de acordo com estas 5 categorias. Esta categorização contribuirá para orientar a adequação das dimensões nacional e internacional no desenvolvimento da composição da coleção SciELO Brasil.
Impacto dos periódicos centrados na comunicação de pesquisa nacional
Rogerio Meneghini3, Diretor Científico do SciELO, analisou a extensão do uso dos periódicos como veículos para comunicar pesquisa nacional, destacando como referência os periódicos dos países nórdicos indexados no WoS em 2012 que publicaram menos de 20% de artigos nacionais em contrapartida aos periódicos dos países BICSS (Brazil, India, China, South Africa, South Korea) que publicaram mais de 50% de artigos nacionais, com destaque para o Brasil e China com 83% cada um. Meneghini ranqueou os países BICSS segundo o número de citações por artigo que seus periódicos receberam em 2012 considerando os artigos de 2010 e 2011. Combinando o total de citações recebidas e sua divisão em citações domésticas e as vindas do exterior para o total de artigos e para os escritos em inglês, resultaram em 6 rankings como mostra a Tabela 2. A China e a Coréia do Sul lideram em todos os rankings. O Brasil tem desempenho melhor com os artigos em inglês, que em 2012 representavam 50% do total de artigos indexados no WoS.
Determinantes do desempenho e da internacionalização dos periódicos do Brasil
São bem conhecidas as causas e barreiras que limitam o avanço da presença internacional dos periódicos do Brasil segundo as métricas de citações que seus artigos recebem. Entre elas, está a estratificação dos periódicos no Qualis que determina antecipadamente o impacto das pesquisas neles publicadas independente do real desempenho que venham a ter. Ao mesmo tempo tende a cristalizar o impacto dos periódicos. O reconhecimento do valor da pesquisa pela simples capacidade de publicar-se em periódicos bem ranqueados e não pelo real impacto dos artigos parece ter estimulado o aumento do número de publicações brasileiras na linha do chamado produtivismo científico em detrimento da potencialidade dos artigos de obter citações. Certamente é determinante no desempenho por citações a relevância das pesquisas publicadas e a qualidade dos artigos, esta, em boa parte, determinada pelo rigor e cuidado na avaliação dos manuscritos. Outras causas chave e persistentes do baixo desempenho internacional dos periódicos do Brasil são: publicação de artigos em português, predomínio de 80% de autoria brasileira, baixa porcentagem de artigos de colaboração plurinacional entre os artigos com autoria estrangeira e a presença recente nos índices internacionais. O comportamento das citações, vale lembrar, varia segundo as áreas temáticas e índices utilizados.
A internacionalização dos periódicos é uma das linhas de ação que o SciELO vem promovendo de modo prioritário nos últimos anos ao lado do fortalecimento da profissionalização e da sustentabilidade financeira. A consecução destas linhas de ação é considerada essencial pelo programa para que os periódicos indexados aumentem a eficiência e qualidade dos processos de editoração, publicação e disseminação seguindo o estado da arte internacional e como condição necessária para um salto na visibilidade e credibilidade nacional e internacional. Nesse sentido, os novos critérios de indexação do SciELO estão alinhados com a implantação das linhas de ação e passam a influir decisivamente na composição futura da coleção, ou seja, no ingresso de novos periódicos assim como na permanência dos já indexados.
Da mesma forma que o SciELO vem continuamente avaliando seu desempenho no cumprimento dos objetivos de contribuir para aumentar a visibilidade dos periódicos que indexa, os publicadores e editores dos periódicos que o SciELO indexa ou que pretendem submeter-se para indexação são chamados também a avaliar os novos critérios e como seus periódicos podem contribuir com a sua implantação e aperfeiçoar-se no processo. É importante reconhecer que não obstante as datas limites de implantação estenderem-se para os próximos 2 a 5 anos, os novos critérios publicados no começo de outubro passado representam um desafio para muitos periódicos.
Também no campo da internacionalização dos periódicos do Brasil, a CAPES, organizou no final de outubro passado uma reunião em sua sede com representantes de um grupo de publishers comerciais internacionais e de um grupo de editores de periódicos do Brasil com o objetivo de socializar o encaminhamento da proposta de internacionalização por meio da publicação de 100 periódicos por um dos publishers convidados. A ABEC e o SciELO reagiram à iniciativa da CAPES com uma declaração pública4 na qual questionam a perspectiva de internacionalização pela simples publicação por um publisher internacional e propõem que a iniciativa positiva da CAPES de realizar um investimento de grande monta nos periódicos do Brasil venha a ser orientada ao desenvolvimento da infraestrutura e capacidades nacionais de editoração e publicação científica. Além da ABEC e do SciELO, outras manifestações foram feitas com destaque para a declaração dos periódicos de saúde coletiva indexados no SciELO5 que apresenta uma série de questionamentos aos novos critérios do SciELO e defende que as agências adotem uma abordagem ampla de apoio à comunicação da pesquisa por meio dos periódicos do Brasil.
Fundamentos e implantação dos Critérios de Indexação do SciELO
Os fundamentos e a implantação dos critérios de indexação do SciELO foram os temas da minha apresentação na reunião6. Os critérios SciELO de indexação sempre se caracterizaram por três fundamentos: (a) seguir os padrões e o estado da arte da comunicação científica, entre os quais está a indexação seletiva baseada na avaliação do desempenho das publicações; (b) orientar a aplicação dos critérios ao desenvolvimento dos periódicos de qualidade e contribuir para o melhoramento do seu desempenho sem interferir nas políticas e gestão dos mesmos; e (c) aplicação transparente apoiada por um comitê consultivo formado por representantes dos editores e das principais instituições de apoio à pesquisa e comunicação científica do Brasil. Em sintonia com estes fundamentos os novos critérios embutem duas grandes inovações. A primeira prioriza a avaliação do periódico na contribuição que aporta ao desempenho da coleção como um todo e da área temática a que pertence e a segunda alinha-se com o avanço esperado das condições de profissionalização, internacionalização e sustentabilidade financeira. Assim, o ingresso de novos periódicos e a permanência dos já indexados serão avaliados em função do desempenho do conjunto dos periódicos da respectiva área temática e da coleção como um todo, além das suas características individuais especialmente no que se refere à profissionalização. Os critérios variam segundo a função e aplicabilidade: alguns representam expectativas, como por exemplo, o aumento progressivo do número de citações ou de downloads, outros são mandatórios como a formatação dos textos em XML e a gestão online da avaliação dos manuscritos e, ainda, outros têm porcentagens mínimas e recomendadas para o conjunto dos periódicos e por área temática que devem ser cumpridas nos próximos anos, como é, por exemplo, o seguimento da publicação em inglês, cujos critérios requerem uma porcentagem mínima de 60% a partir de 2016 e recomendada de 75%. Este último critério foi exemplificado com a ajuda da Figura 2 que mostra a evolução da porcentagem de artigos em inglês nos últimos 5 anos cuja tendência aponta para 66% em 2016, ou seja, somente 7% abaixo da porcentagem recomendada.
Os editores no aperfeiçoamento dos periódicos
Além dos esforços do SciELO, o avanço dos periódicos e a adoção progressiva dos novos critérios de indexação requerem a ação decisiva dos publicadores e editores. São eles os responsáveis pelo desempenho dos periódicos e o posicionamento das políticas e gestão editorial em quanto à profissionalização, internacionalização e sustentabilidade financeira da sua operação. Para analisar as facetas e desafios deste posicionamento a segunda parte da reunião foi dedicada a um painel de editores.
O que caracteriza um periódico de prestígio internacional
Hooman Momen7, até recentemente editor do Bulletin of the World Health Organization e representando as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, apresentou as características que melhor identificam os periódicos de prestígio internacional, com destaque para as listadas no slide da Figura 3. Citando o exemplo dos periódicos publicados na Coréia do Sul, Momen defendeu o estabelecimento de uma plataforma tecnologicamente avançada para a editoração e publicação dos periódicos do Brasil como um passo necessário e essencial para aproximar os periódicos do estado da arte e fortalecer a competitividade internacional. Em suas considerações destacou que o SciELO pode vir a responsabilizar-se pela operação de dita plataforma.
Aperfeiçoando um periódico internacional no Brasil
Carlos Menck8, editor da Genetics and Molecular Biology (GMB), compartilhou sua experiência de editor-chefe e da sua equipe editorial no processo de aperfeiçoamento do GMB na condição de um periódico internacional no Brasil. Entre as decisões e avanços importantes, destacou a publicação em inglês desde o primeiro número, mudanças no nome (Revista Brasileira de Genética e Brazilian Journal of Genetics para Genetics and Molecular Biology), a gestão editorial centrada no rigor da avaliação dos manuscritos que se reflete em mais de 80% de rejeição, a adoção pioneira da marcação dos textos completos em XML para alcançar a indexação no PubMed e a publicação crescente de autores com afiliação estrangeira que alcançou 54% em 2013. Vale a pena destacar entre os aperfeiçoamentos da gestão editorial o reduzido tempo de processamento dos manuscritos com mediana de 4 meses que posiciona a GMB com alta competitividade internacional. O desempenho da GMB apresenta indicadores positivos em citações recebidas, baixíssima autocitação, aumento no número de documentos citados, com números especiais alcançando mais impacto. Segundo Menck, o aumento do desempenho e internacionalização da GMB ocorre em um contexto altamente competitivo caracterizado pela comercialização crescente do acesso aberto e de demanda de condições de publicação competitivas no nível dos publishers internacionais.
O difícil equilíbrio do local e do global nos periódicos das ciências humanas e sociais
Nelson Sanjad9, Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, a partir da análise de cinco questões apresentou uma visão ampla e bem informada das condições atuais e dos desafios que permeiam o aperfeiçoamento dos periódicos de ciências humanas e sociais. Entre elas, destacou: as limitações das equipes editoriais afetam a gestão da produção dos periódicos; o contexto cultural, social, acadêmico e financeiro que privilegia a publicação em português; a internacionalização da gestão editorial não é percebida como um avanço natural, necessário e possível; as limitações que afetam a qualidade da produção científica/acadêmica nas áreas humanas e sociais são barreiras para a internacionalização; e, é essencial o equacionamento das soluções que ameaçam a sustentabilidade futura dos periódicos do Brasil. O slide da Figura 4 sintetiza boa parte da exposição de Sanjad.
A ABEC e a inserção internacional dos periódicos do Brasil
Encerrando as apresentações do painel de editores, Sigmar de Mello Rode, presidente da ABEC e até recentemente editor do Brazilian Oral Research, apresentou as contribuições que a ABEC vem realizando para ampliar e fortalecer a inserção internacional dos periódicos do Brasil e destacou, entre outros pontos, a participação em comitês, a organização de eventos que discutem o estado da arte internacional em editoração e publicação científica e a associação com organismos internacionais de apoio à comunicação científica como o Council of Scientific Editors (CSE), o Committee on Publications Ethics (COPE) e o CROSSREF. Com o CSE, a ABEC e o SciELO estão iniciando um programa de certificação de editores e com o CROSSREF, a ABEC está contratando um grande número de registros de DOI e de uso do iThenticate (detector de plágio) para periódicos associados. A ABEC participa também ativamente das discussões de temas polêmicos da comunicação científica como é o caso da identificação de autoria. Ao final, anunciou o XV Encontro de Editores Científicos, que se realizará em novembro de 2015, ano em que a ABEC celebra seus 30 anos de operação.
O debate continua…
A quarta reunião anual do SciELO cumpriu o objetivo de socializar e discutir as questões que afetam o desempenho do programa e dos periódicos que indexa. Com mais de 200 participantes, a reunião cumpriu a agenda de temas propostos relacionados com a implantação dos novos critérios de indexação.
Os novos critérios SciELO formalizam o acompanhamento da implantação das linhas prioritárias de ação de profissionalização, internacionalização e sustentabilidade financeira que, por sua vez, projetam um espaço comum, multidisciplinar, cooperativo e eficiente de indexação e publicação centrado no aperfeiçoamento dos periódicos das diferentes áreas temáticas e disciplinas. A inserção dos periódicos no fluxo internacional de comunicação científica se projeta como uma ação proativa que envolve, por um lado, a contribuição do Brasil para a comunicação científica global e, por outro, a contribuição para a divulgação de uma parte significativa e importante da pesquisa nacional.
A realização dos avanços que o SciELO propõe dependem da participação decisiva dos editores, iniciando com a análise e debate dos novos critérios, de modo que sua adoção privilegie o aperfeiçoamento dos periódicos no contexto da sua missão, disciplinas e comunidades envolvidas. Essa participação pode começar, como foi recomendada na reunião, com a explicitação dos posicionamentos, expectativas e planos dos publicadores e editores dos periódicos ou de um conjunto deles. Entre os diferentes espaços e meios que podem promover este debate, o Blog SciELO em Perspectiva está aberto às contribuições da comunidade de editores, pesquisadores, profissionais de informação e comunicação científica, etc.
Homenagem ao Prof. Dr. Lewis J. Greene
Um momento importante e especial da reunião foi dedicado a homenagear Lewis Joel Greene que completou 80 anos em agosto de 2014 e 30 anos à frente do Brazilian Journal of Medical and Biological Reserach. Um dos fundadores da ABEC e dos promotores da criação do SciELO, Greene enriqueceu sua profícua carreira de cientista com a editoração científica de um dos periódicos de referência do Brasil e uma contribuição valiosa para o progresso da comunicação científica no Brasil. Um resumo da vida do Dr. Greene dedicada à ciência e editoração científica foi compartilhada em um vídeo projetado na reunião.