A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) integra desde outubro de 2013, como convidada, o GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. A última reunião ocorreu em Brasília nos dias 7 e 8 de outubro . Neste espaço está em curso a elaboração de uma resolução específica para as Ciências Sociais e Humanas.
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O debate sobre a temática tem ganhado o cotidiano dos programas de Pós-Ggraduação, envolvendo professores pesquisadores e seus orientandos, futuros pesquisadores. Está em jogo a liberdade de pesquisa e a autonomia da área de Ciências Humanas e Sociais, que possui especificidades e que ao longo de sua longa história soube ancorar as práticas de pesquisa em princípios éticos equilibradores da cientificidade e do respeito aos sujeitos, comunidades e instituições investigadas. É neste sentido que se impõe uma normativa própria desembaraçada de muitas das exigências que, hoje, só fazem sentido para a área biomédica.
Para ampliar esse debate, o portal da Anped entrevistou Jefferson Mainardes, coordenador do Forpred e representante da Associação no GT da Conep, Iara Guerriero, coordenadora do GT Ciências Humanas e Sociais/CONEP e pesquisadora do Instituto de Medicina/USP, e Luiz Fernando Dias Duarte, antropólogo, professor Titular do Museu Nacional (UFRJ) e coordenador do GT de Ética em Pesquisa do Fórum de Associações de Ciências Humanas e Sociais.
As entrevistas abordam o histórico dessa demanda por uma resolução específica, os debates em curso e a expectativa para a área de Ciências Humanas e Sociais.
Jefferson Mainardes
Quais as principais ações da Anped nos últimos tempos com relação à Ética na Pesquisa?
A questão da ética na pesquisa tem sido uma preocupação constante da Anped. Em 2006 foi criada uma comissão para debater o assunto e uma sessão conversa foi realizada na reunião da Anped em 2007, com a referida comissão. Em 2013, na Reunião Nacional da Anped, em Goiânia, o Forped, juntamente com o Comitê Científico da Anped, realizou uma sessão especial sobre ética na pesquisa. A partir de outubro de 2013, a Anped passou a ter representação no GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep, criado para elaborar uma resolução específica para as Ciências Sociais e Humanas. A partir dessa participação, foi criado um espaço no portal da Anped destinado à ética na pesquisa para divulgar regulamentações, textos, vídeos etc. Foi também criado um email para facilitar o contato com os associados. Além disso, diversos Programas de Pós-Graduação têm promovido debates e atividades para discutir a questão da ética na pesquisa. A diretoria da Anped tem considerado a questão na ética na pesquisa como algo prioritário.
Quais os fatores que impulsionaram a elaboração de uma resolução específica para a Ética na Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas?
Desde a aprovação da Resolução 196/1996, revisada na Resolução 466/2012, havia um descontentamento de pesquisadores das áreas de Ciências Humanas e Sociais, em virtude do modelo biomédico dessas resoluções. Em algumas instituições, os projetos de pesquisa de Ciências Humanas e Sociais não eram aprovados, aprovados com dificuldades ou precisavam de modificações para serem aprovados. Isso se deve a interpretações da regulamentação por alguns Comitês de Ética em Pesquisa. Nesse quadro, algumas áreas começaram a se organizar e buscar um outro espaço para a regulamentação da ética na pesquisa. Esse movimento tomou força. Em agosto de 2013, a Conep - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, sediada no Ministério da Saúde, criou em GT de Ciências Humanas e Sociais encarregado de elaborar uma resolução complementar à Resolução 466/2012. Os trabalhos começaram em agosto e deverão ser finalizados agora, em outubro de 2014.
Como os pesquisadores da área da educação têm participado das discussões e decisões?
No momento em que a Anped foi convidada para participar do GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep fui indicado como representante, uma vez que a função de coordenador do Forpred facilitaria o contato com os 159 Programas de Pós-Graduação. O Prof. Antônio Carlos Amorim foi indicado como suplente. Para viabilizar a participação dos associados da Anped, foi criado um email e as notícias sobre o andamento dos trabalhos têm sido divulgadas na aba "ética na pesquisa" no Portal da Anped. A Resolução Preliminar foi enviada a todos os PPGEs, GTs e Comitê Científico. Todas as sugestões são respondidas e consideradas. Paralelamente, temos participado de atividades de discussão sobre ética na pesquisa em diferentes PPGEs e eventos da área. Temos destacado também que após a aprovação pela Conep, a resolução será enviada para o Conselho Nacional de Saúde e colocada em consulta pública, na qual todos os interessados poderão ainda participar e opinar. Temos observado que os associados da Anped estão muito atentos às discussões e ao que tem sido produzido pelo GT. Após a divulgação da Resolução preliminar, recebemos inúmeras contribuições muito relevantes. Temos buscado considerar todas as questões enviadas pelos associados.
Quais as principais decisões do GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep?
O GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep elaborou uma Resolução e um formulário que deverá ser inserido na Plataforma Brasil. A Resolução toma como base o conceito de risco e níveis de risco. Os níveis de risco são os seguintes: mínimo, baixo, moderado e elevado. A ideia é fazer com que as pesquisas de risco mínimo sejam aprovadas logo após o seu processo de registro. Quanto maior o nível de risco, maior será o trâmite do projeto no sistema CEP/CONEP. De modo geral, a expectativa é que o processo de revisão ética seja mais ágil e os pesquisadores da área se tornem estimulados a submeter seus projetos a esse novo modelo de revisão ética. Um outro aspecto que deverá emergir como resultado dessa nova Resolução é a criação de comitês de ética específicos de Ciências Humanas e Sociais.
Quais as perspectivas futuras da ética na pesquisa após a aprovação da resolução específica para as Ciências Sociais e Humanas?
Elaborar uma regulamentação específica para a ética na pesquisa em Ciências Humanas e Sociais é uma tarefa altamente desafiadora. São inúmeras as questões e dilemas envolvidos e a pesquisa nessas áreas são muito diversificadas. Temos observado que há pesquisadores que deixaram de submeter seus projetos à revisão ética. Uma parte disso resultou de dificuldades de alguns Comitês de ética em compreender as especificidades da pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Com esses novos procedimentos, espera-se que os pesquisadores utilizem-se dos novos procedimentos para que eles possam ser avaliados. Durante algum tempo, o envolvimento da nossa área na discussão sobre questões éticas foi pequena. Há um espaço muito importante de participação e envolvimento que necessita ser ocupado pelos pesquisadores da nossa área.
Temos um desafio enorme ainda que é o de construir alguns consensos sobre o que a área defenderá frente à CONEP e demais associações e entidades de Ciências Humanas e Sociais e esses consensos só poderão ser definidos de forma coletiva, com a participação e contribuição de todos. As pesquisas de nossa área são muito diversificadas e há muitos pesquisadores altamente qualificados capazes de promover debates em torno da ética na pesquisa e todas as suas implicações. A regulamentação de ética na pesquisa é apenas uma parte da questão e, portanto, não pode ficar a ela restrita. Assim, há muito a ser debatido e construído sobre essa questão na área de educação.
Iara Guerriero
Quais os fatores que impulsionaram a elaboração de uma resolução específica para a ética na pesquisa em ciências sociais e humanas?
Houve um conjunto de fatores que levaram ao reconhecimento da inadequação das resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para as pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. 1. O fato de vários autores terem feito criticas consistentes sobre a inadequação das normas e das avaliações feitas pelo Sistema CEP/CONEP, no que se refere às pesquisas em Ciências Sociais e Humanas (Victora et al, 2004, Guerriero, 2006, Guerriero e Dallari, 2008, Guerriero, Schmidt e Zicker, 2008, Diniz, 2008, Diniz e Guerriero, 2008, Fleischer e Shuch, 2010, Guerriero e Minayo, 2013, Minayo e Guerriero, 2014). 2. A divulgação de documentos institucionais, que inclui uma moção aprovada na reunião Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e as cartas postadas como resposta à consulta pública da Resolução 196/96. 3. A formação de um Fórum de Ciências Sociais e Humanas, em 2013, composto por associações nacionais de pesquisa e pós-graduação dessas áreas. Todo esse movimento, ao mesmo tempo político e científico, resultou no reconhecimento da necessidade de uma resolução específica para ciências sociais e humanas (Res. 466/12). Em julho de 2013, a CONEP instituiu um grupo de trabalho para elaborar uma proposta para essa nova resolução.
Quais as principais decisões do GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep? Como os pesquisadores da área da educação têm participado das discussões e decisões?
O Prof Jefferson Mainardes (ANPED) e a Profª Lygia Viegas (ABRAPEE) tem tido uma participação importante na identificação das especificidades das pesquisas em educação, mantendo a preocupação com a proteção das crianças a serem incluídas nas pesquisas.
A minuta da Resolução elaborada pelo GT foi enviada em 8 de outubro para o coordenador da CONEP, Dr. Jorge Venancio, será discutida pelo plenário da CONEP na reunião de 30 de outubro e depois em 4 e 5 de novembro na reunião do Conselho Nacional de Saúde. O texto preliminar aprovado pelo CNS será divulgado para as associações que participara do GT, será discutido no Encontro Nacional de Comitês de Ética em Pesquisa (18 e 19 de novembro) e será colocado em consulta pública. Desta maneira, haverá várias maneiras de contribuir com a elaboração dessa resolução.
Convido a tod@s a participar!
Quais as perspectivas futuras da ética na pesquisa após a aprovação da resolução específica para c sócias e humanas?
A aprovação de uma resolução para Ciências Sociais e Humanas é um enorme avanço. Entretanto, sozinha não será capaz de modificar as inadequações existentes. Após a aprovação dessa resolução inicia-se um longo processo de implantação, divulgação e atualização dessa norma. Primeiro temos que conquistar politicamente a possibilidade de manter o GT de ciências sociais e humanas, com a participação das associações de pesquisadores da área e com a inclusão de representantes dos CEP voltados a ciências sociais e humanas. Isso é fundamental, pois esse GT precisará trabalhar na divulgação dessa nova resolução e no planejamento de cursos de atualização para os mais de 700 CEP brasileiros.Outra tarefa importante será adequar a Plataforma Brasil à nova resolução. E ainda, acompanhar a utilização dessa resolução e fazer as adequações necessárias periodicamente.
Ressalto a importancia da constituição de CEP voltados especificamente para revisão ética dos projetos de ciências humanas e sociais, composto maioritariamente por pesquisadores dessas áreas, e com a representação da comunidade (pessoas com o perfil dos participantes de pesquisa, de cada instituição).
Iara Guerriero é Psicóloga, Doutora em Saúde Pública, Pesquisadora do Instituto de Medicina/USP, Professora da Faculdade de Medicina ABC e Coordenadora do GT Ciências Humanas e Sociais/CONEP
Luiz Fernando Dias Duarte
Quais os fatores que impulsionaram a elaboração de uma resolução específica para a ética na pesquisa em ciências sociais e humanas?
A comunidade dos pesquisadores em Ciências Humanas e Sociais (CHS) se encontrava exausta de ter que lidar com as implicações das resoluções do Conselho Nacional de Saúde, que se auto-atribuiu a responsabilidade de gerir a ética em pesquisa “envolvendo seres humanos” (a Resolução 196/1996 e a 466/2012, que a substituíra). Essas resoluções, concebidas fundamentalmente para as ciências biomédicas, impunham critérios, procedimentos e sanções completamente despropositados para as outras ciências, a serem aplicados pelo Sistema CEP / CONEP, também criado por aquelas resoluções, altamente burocratizado e impermeável a críticas. A comunidade, hoje aglutinada em um Fórum de Associações de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, defendia a política de elaboração de um sistema e de uma norma externos ao Ministério da Saúde, mas, como isso pareceu politicamente difícil em 2013, acabou aceitando participar do GT para a elaboração da resolução específica dentro da CONEP. Essa própria iniciativa já decorrera da pressão das associações de CHS feita sobre o sistema durante a avaliação em consulta pública ocorrida no final de 2011.
Quais as principais decisões do GT de Ciências Humanas e Sociais da Conep? Como os pesquisadores da área da educação têm participado das discussões e decisões?
Diversas associações de CHS participaram do GT, convidadas ou aceitas pela CONEP, entre as quais a ANPED. As reuniões se iniciaram em agosto de 2013 e redundaram na redação da minuta da resolução específica, que acaba de ser apresentada à CONEP. Há grandes alterações na concepção geral da regulamentação; que não pôde fugir, no entanto, infelizmente, de um diálogo com a Res. 466/12, que a “autorizou”. Os pontos principais são (1) a definição das pesquisas em CHS não pelas suas temáticas, mas por suas sustentações teóricas e seus procedimentos metodológicos; (2) a restrição da análise do sistema CEP / CONEP apenas aos aspectos éticos dos projetos e não às suas premissas e características científicas; (3) o reconhecimento do caráter processual e dialógico das relações de pesquisa, com a consequente pluralidade e flexibilidade dos procedimentos de obtenção e registro do consentimento dos participantes; (4) o reconhecimento de diferentes níveis de risco e até de situações sem qualquer risco, conforme as características dos projetos, o que permitiria tramitações bem diferentes (e, em sua maioria, mais ágeis) em sua avaliação; (5) a previsão de que haja uma participação significativa de pesquisadores das CHS nos diferentes níveis colegiados do sistema de avaliação, devendo ser o relator inicial sempre oriundo dessa área.
Quais as perspectivas futuras da ética na pesquisa após a aprovação da resolução específica para c sócias e humanas?
Caso a nova resolução seja aprovada nos termos em que o GT a concebeu, haverá uma considerável transformação nos procedimentos a serem adotados para a avaliação da ética em pesquisa, com uma tramitação menos burocrática e um controle menos draconiano do que o atual – todo ele baseado numa suspeita absoluta e universal dos pesquisadores; possivelmente justificável nas áreas biomédicas, em função dos vultosos riscos físicos de seus procedimentos e dos interesses econômicos aí muito presentes. Neste momento, nossa preocupação é sobretudo a do destino da minuta, que deverá ser aprovada pela CONEP (onde apenas um quinto dos membros não é obviamente associado ao conhecimento ou às questões biomédicas), pelo Conselho Nacional de Saúde e por uma consulta pública. A hegemonia das concepções biomédicas pode implicar na derrota de nossa proposta. A decisão do Fórum é a de exigir a preservação de uma série de princípios indeclináveis, sem a qual as associações se afastariam do processo, denunciando a sua deturpação indevida e retornando a uma luta mais política de defesa de suas prerrogativas acadêmicas e científicas.
Luiz Fernando Dias Duarte é antropólogo, Professor Titular do Museu Nacional / UFRJ, Pesquisador 1 A do CNPq, Coordenador do GT de Ética em Pesquisa do Fórum de Associações de Ciências Humanas e Sociais (lfdduarte@uol.com.br)