A Professora Margarida Machado (UFG), ex-presidente da ANPEd, responde sobre a Reformulação do Ensino Médio para reportagem que foi produzida sobre o mesmo tema - clique aqui para conferir a matéria na integra.
A ex-presidente da ANPEd é graduada em História, especialista em políticas públicas, mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás e doutora em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Goiás, na Faculdade de Educação. Atua em pesquisas nos seguintes temas: educação de jovens e adultos trabalhadores, experiência municipal de EJA, formação de professores, políticas educacionais e política de educação em Goiás.
Professora Margarida Machado (UFG), ex-presidente da ANPEd
É realmente necessária uma reformulação do Ensino Médio? Por quê?
Sem dúvida. Há muitos anos, nós pesquisadores da área, sabemos das dificuldades por que passam os sistemas de ensino, sobretudo os estaduais onde está a maior parte da matrícula do ensino médio, para garantir que essa etapa da Educação Básica tenha algum sentido para os adolescentes, jovens e adultos que a procuram. Infelizmente, as reformas feitas nas décadas de 1980 e 1990 não contribuíram para dinamizar o Ensino Médio, ele segue sendo um espaço de formação propedêutica em vez de cumprir com sua finalidade que é concluir com qualidade a formação básica de quem passou pelo ensino fundamental.
Qual a principal diretriz que deve nortear uma reformulação no Ensino Médio?
A diretriz orientadora para essa reforma é a que foi aprovada no Conselho Nacional de Educação em 2012, depois de amplo debate com os segmentos envolvidos na área da educação.
A sugestão de solução para o ensino médio se coloca na reformulação do currículo, e quanto às práticas e autonomia do professor em sala de aula? São necessárias também modificações em relação ao modelo de ensino em sala de aula?
Entendo que a concepção de currículo, defendida pelas Diretrizes aprovadas para o Ensino Médio em 2012, no Conselho Nacional de Estudantes (CNE), contempla a preocupação com a necessária mudança de práticas e modelos de ensino. Indicar que é necessário rever a forma como as relações de ensino-aprendizagem vem se dando não fere a autonomia do professor ou da escola, ao contrário lhe abre a oportunidade para ser criativo e defender sua atuação profissional.
Como você observa a participação dos professores nesse processo?
Durante os debates realizados para a aprovação das Diretrizes no CNE e, nesse momento, em que estamos vendo processos de retomada do PL que quer reformular o Ensino Médio no Congresso Nacional, quem tem representado os professores são suas organizações sindicais, principalmente a CNTE e a Contee. Esta representação é fundamental, mas julgo também ser importante ampliarmos as discussões que estão sendo feitas para as redes de ensino, pois quanto mais o professor do Ensino Médio estiver a par do que significam as propostas de reforma mais chance terá de opinar.
Qual a principal crítica com relação à proposta de reformulação do Ensino Médio?
A proposta que está no congresso já foi amplamente criticada pelo nosso Movimento em defesa do Ensino Médio, nos manifestos que publicamos. Creio que nunca é demais lembrar que nossa preocupação central é a de que toda cidadã e cidadão brasileiros tenham o direito a concluir com qualidade a Educação Básica e para isso, um Ensino Médio que priorize a formação integral é fundamental, nesse sentido, toda proposta de aligeiramento na formação ou redução da formação a um treinamento ineficiente, para um fictício mercado de trabalho, não cabe nessa etapa da educação básica e em lugar nenhum. Toda perspectiva de organização curricular, com ênfases, que cerceiam a possibilidade de livre escolha de continuidade na educação superior, não cabe mais na experiência brasileira. Por fim, qualquer tentativa de exclusão de jovens e adultos ao acesso ao Ensino Médio, seja em classes diurnas ou noturnas, negam os direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, na LDB 9394/96 e na Lei 13.005/2014 que trata do Plano Nacional de Educação 2014-2024.
Com a reformulação do ensino médio, uma das sugestões é oferecer ao aluno a possibilidade de obter o diploma do ensino técnico junto ao do ensino médio. Ele cursaria um ano e meio de currículo regular e um ano e meio de formação técnica. Você vê isso como um avanço ou retrocesso? Por quê?
Essa forma de indicar aproximação entre formação geral e formação profissional, nada mais é do que um engodo para a população, que já tem a consciência de que uma má formação geral e uma precária formação técnica não garantirá aos que necessitam concluir a educação básica, condições reais de acesso à educação superior e muito menos acesso à empregos técnicos, que têm exigências hoje muito maiores das que já estavam presentes quando se quis impor a profissionalização compulsória na década de 1970, com a Lei 5692/71. Nossa defesa pela integração entre a educação profissional e a educação básica é, de fato, pelas possibilidades que um currículo integrado traz para a formação integral do sujeito, o que não pode ser confundido com arremedos de fragmentação do que hoje é feito no Ensino Médio de três anos ou no Ensino Técnico de quatro anos.
A longo prazo quais são as consequências desse investimento na educação técnica?
Não acredito que a proposta do PL pode ser considerada investimento na educação técnica. Eu chamaria mais de uma deturpação da educação profissional, no seu segmento de ensino técnico. Se pegarmos as experiências historicamente mais destacadas, em termos de qualidade da formação técnica no Brasil, com todas as dificuldades que elas vivenciam, vamos chegar nas antigas escolas técnicas e agrotécnicas, hoje institutos federais. Os cursos técnicos integrados dos institutos federais cumprem um papel importante de conclusão da Educação Básica e formação Técnica. São perfeitos? Não. Mas, reconhecendo as tentativas de uma estratégia curricular que integra Ciência, Cultura e Tecnologia, eles na realidade deveriam ser o alvo do investimento em formação técnica. O arremedo de formação técnica que se propõe no PL nada mais tem do que confirmar a volta a uma falácia dos anos 1970 e 1980: dizer que se está formando técnicos em cursos de baixo custo, que não demandarão das redes estaduais as mudanças necessárias que precisam ser feitas em torno dos equipamentos básicos para se pensar uma formação em um currículo integrado. Estamos falando aqui de bons laboratórios, biblioteca, teatro, ginásios poliesportivos… isto é, um investimento que se espera ter numa boa escola de Ensino Médio, para que ela ofereça a seus alunos os currículos que eles lhe interessem, inclusive com a possibilidade de que seja integrado a educação profissional.
Pode parecer ilusório… diria que, para alguns gestores, beira o delírio. Todavia, nunca é demais lembrar que, estamos falando da maior economia da América Latina, que com toda a crise política, ainda é dita como a 9ª maior economia do mundo em relação ao seu PIB. Todo o esforço e a luta que fizemos pela aprovação, no PNE dos 10% do PIB para a educação e do uso dos recursos do Pré-Sal, é porque temos a clareza de que a melhoria da educação pública brasileira está nas mãos de decisões políticas, não é um problema de fontes de recursos. O que passa nesse PL é que as intenções privatistas que o circundam, deixam bem claro que o favorecimento das medidas propostas não é para o fortalecimento de uma educação pública de qualidade, mas para seguir sucateando essas escolas e favorecendo, com subsídios públicos a ampliação da matrícula do Ensino Médio no setor privado.
A possibilidade de bases formativas distintas entre os alunos pode ser prejudicial à formação social?
O problema da proposição no PL de bases formativas distintas é de duas ordens: primeiro, desconsidera que essa é a última etapa da Educação Básica, que como o nome já diz precisa garantir aos sujeitos que nela se educam uma base. Não é um pedaço da base… é uma base. Segundo, quando essa ênfase formativa pode servir, em decorrência de sua escolha, para o cerceamento de escolha a qualquer outra possibilidade formativa, quando isto for o caso de uma opção na educação superior, mais uma vez o sujeito dessa ação educativa está sendo lesado.