Em entrevista especial ao Portal Anped, Dermeval Saviani, professor emérito da Unicamp, contextualiza o histórico de lutas que perpassa o Plano Nacional de Educação (PNE), fala sobre as expectativas para a sua aprovação, enfatiza a necessidade de se fortalecer o magistério e aponta uma equação que precisa ser superada: "podemos dizer que a política educacional brasileira desde o final da ditadura (1985) até os dias de hoje se apresenta com características condensadas nas seguintes palavras: filantropia, protelação, fragmentação e improvisação".
Portal Anped - Professor Saviani, o senhor participou ativamente da disputa pela construção do texto da LDB e do primeiro PNE. Como avalia a história da luta recente pela educação pública no Brasil?
Dermeval Saviani - A luta pela educação pública no Brasil continua bastante difícil. Por ocasião dos debates em torno da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 20 de dezembro de 1961, o confronto era com os interesses privados que, capitaneados pela Igreja Católica, buscavam assegurar os subsídios públicos. Para tanto pousavam de defensores da liberdade de ensino alegando o direito das famílias de escolher o tipo de educação que deveria ser dado a seus filhos e combatendo o que chamavam de monopólio estatal do ensino.
Quando da elaboração da segunda LDB, que veio a ser aprovada em 20 de dezembro de 1996 e do Plano Nacional de Educação, que entrou em vigor em 10 de janeiro de 2001, o embate se deu com a própria instância governamental. Assim foi que o governo FHC, cuja política educacional seguia os ditames da orientação neoliberal, interferiu na reta final afastando o projeto aprovado na Câmara dos Deputados assim como o Substitutivo aprovado na Comissão de Educação do Senado e impondo seu projeto de LDB articulado com Darcy Ribeiro neutralizando, assim, os avanços que a luta pela escola pública havia conseguido incorporar ao projeto de LDB. No caso do PNE, à vista do projeto do MEC que não consultava os interesses do fortalecimento da educação pública, elaborou-se, no âmbito do I e do II Congresso Nacional de Educação o Plano Nacional de Educação chamado de “projeto da sociedade” em contraposição ao “projeto do governo”. E, embora por ter entrado antes no Congresso Nacional o “projeto da sociedade” teria a primazia, esta foi invertida com a indicação para a relatoria de parlamentar do partido governista. O resultado foi um PNE não apenas aquém das expectativas dos defensores da educação pública, mas ainda mutilado pelos vetos apostos pelo presidente da República neutralizando de modo especial as metas relativas ao financiamento da educação.
No contexto atual a luta se tornou mais complexa, pois o enfrentamento se dá diretamente com os grandes grupos empresariais que além de atuar no ensino tem ramificações nas forças dominantes da economia e também na própria esfera pública, seja junto aos governos, seja penetrando no interior das próprias redes de educação pública. Por isso, na conclusão do livro Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação: significado, controvérsias e perspectivas, que lancei recentemente, registro que não será fácil seguir o caminho da defesa da educação pública de qualidade acessível a toda a população brasileira, pois a força do privado traduzida na ênfase nos mecanismos de mercado vem contaminando crescentemente a própria esfera pública. É assim que o movimento dos empresários vem ocupando espaços nas redes públicas via Undime e Consed, nos Conselhos de Educação e no próprio aparelho de Estado, como o ilustram as ações do Movimento “Todos pela Educação”. É assim também que grande parte das redes públicas, em especial as municipais, vem dispensando os livros didáticos distribuídos gratui¬tamente pelo MEC e adquirindo os ditos “sistemas de ensino” como “Sistema COC”, “Sistema Objetivo”, “Sistema Positivo”, “Sistema Uno”, “Sistema Anglo” etc. com o argumento de que tais “sistemas” lhes permitem aumentar um pontinho nas avaliações do IDEB, o que até se entende: esses autodenominados “sistemas” têm know-how em adestrar para a realização de provas. É assim, ainda, que os recursos públicos da edu¬cação vêm sendo utilizados para convênios com entidades privadas, em especial no caso das creches.
Nesse contexto, é fundamental unir todas as forças representadas por milhões de professores e milhões de crianças e respectivos pais que dependem de uma educação de qualidade passa sair da situação difícil em que se encontram. E consi¬derando que 2014 é um ano de eleições nacionais, cabe aproveitar a oportunidade para contagiar todas as campanhas políticas com o tema da construção e implantação do Sistema Nacional de Educação no Brasil e aprovação de um novo Plano Nacional de Educação que efetivamente assegure ao sistema as condições necessárias para prover uma educação com o mesmo e elevado padrão de qualidade a toda a população brasileira.
Como você avaliou os substitutivos propostos pelo Senado ao projeto de lei do PNE? E qual a expectativa com o retorno da tramitação à Câmara? Isso de alguma forma pode estar relacionado ao adiamento da Conae?
O Substitutivo ao Projeto de PNE que acabou sendo aprovado no Senado significou um retrocesso em relação ao que tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados. Sem entrar em detalhes, destaco a principal mudança que diz respeito à questão do financiamento. No texto aprovado na Câmara a meta 20 determinava que se deveria destinar pelo menos 10% do PIB ao “financiamento público da educação pública”. No Senado essa meta referiu-se simplesmente ao “financiamento público da educação”. Isso significa que os recursos públicos poderão ser destinados também ao ensino privado enfraquecendo, portanto, a luta pela ampliação e melhoria da educação pública. Claro que a nossa expectativa, isto é, a expectativa daqueles que se alinham na defesa da educação pública, é que a Câmara dos Deputados no mínimo neutralize o retrocesso ocorrido no Senado restabelecendo as medidas aprovadas anteriormente na própria Câmara.
O problema é que essas mudanças no Senado foram induzidas pelo próprio governo que não aceitou alguns dos pequenos avanços ocorridos na Câmara em relação ao projeto que o MEC havia enviado ao Congresso Nacional. Tudo indica, portanto, que o adiamento da CONAE decidido à última hora tem a ver com esse processo. Isso porque se a realização da II CONAE tivesse sido mantida para o mês de fevereiro, fatalmente iria se converter num palco propício para a mobilização de toda a massa de educadores participantes, defensores da educação pública, aprovando medidas e moções contrárias ao Substitutivo do Senado e pressionando o governo e a Câmara dos Deputados a reverter essa situação. E como o MEC, que patrocinou a CONAE, poderia não encampar as deliberações tomadas na CONAE? Nessas circunstâncias o governo seria colocado numa verdadeira “saia justa” já que, pela diretriz política que vem adotando, não poderia acatar as deliberações da CONAE. Mas, pelo seu compromisso com essa grande Conferência que ele articulou como uma preciosa fonte de legitimidade, também não poderia deixar de acolher seus resultados. Daí a decisão de adiar a CONAE jogando-a para novembro, portanto, após as eleições. Naquele momento já estarão eleitos os novos governantes e a Câmara já terá aprovado o novo PNE ou, o que é mais provável, o projeto ficará para ser analisado na nova legislatura com uma nova composição à qual poderão ser encaminhados os resultados das deliberações da CONAE sem grandes desgastes políticos sendo que, mesmo havendo eventuais desgastes, serão mais facilmente absorvidos no primeiro ano da nova gestão.
O que a população pode esperar para educação brasileira, caso este plano seja aprovado no congresso, com o texto apresentado pelo relator Angelo Vanhoni nesta fase final da tramitação?
Ângelo Vanhoni foi o relator na Câmara dos Deputados. Portanto, seu texto foi aquele aprovado na Câmara. Logo, se o PNE que vier a vigorar for esse texto, isto significa que terá prevalecido o projeto aprovado anteriormente pelos deputados. Com esse resultado creio que a população sentirá certo alívio tendo em vista a reversão do retrocesso perpetrado no Senado. Mas se trata de um avanço ainda insuficiente diante dos passos que são necessários para chegarmos a uma educação capaz de atender, com o mesmo padrão de qualidade, às necessidades educacionais de toda a população brasileira.
Em matéria de Plano Nacional de Educação a impressão que tenho é que nos encontramos ainda no nível do diagnóstico traduzido na frase do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”: “todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar” à altura das necessidades do país. Com efeito, há uma dinâmica na sociedade que faz com que, com plano ou sem plano, algumas pressões têm de ser atendidas. Houve aumento de recursos e alguns avanços, mas não propriamente por estar em vigor um Plano Nacional de Educação. O plano foi solenemente ignorado. A lei previa que o PNE passasse por uma avaliação no quarto ano, mas isso não foi feito. Na verdade, o referido PNE não passou de uma carta de intenções e a lei que o instituiu permaneceu letra morta, sem nenhum influxo nas medidas de política educacional e na vida das instituições escolares. Entre as várias razões explicativas dessa inoperância do plano podemos mencionar: a) os vetos às metas orçamentárias, o que privou o PNE do instrumento de ação fundamental sem o qual a maioria das demais metas não podia ser viabilizada; b) a complexidade da peça legal traduzida seja nas informações técnicas que dão base ao texto, seja na excessiva quantidade de metas, o que dificulta o acompanhamento, controle e fiscalização de sua execução; c) a cultura política enraizada na prática de nossos governantes, avessa ao planejamento e movida mais por apelos imediatos, midiáticos e populistas do que pela exigência de racionalidade inerente à ação planejada. Enfim, temos uma grande batalha pela frente: mudar a cultura política vigente por meio da pressão das bases da sociedade.
De uma forma geral, qual a relação do Plano com a questão do magistério?
O adequado equacionamento do magistério é crucial porque dele depende o alcance das metas voltadas para a elevação da qualidade da educação básica. Nesse âmbito é necessário considerar duas dimensões reciprocamente relacionadas entre si: a formação e o exercício docente.
O entendimento de que o trabalho docente é condicionado pela formação resulta uma evidência lógica, assumindo caráter consensual o enunciado de que uma boa formação se constitui em premissa necessária para o desenvolvimento de um trabalho docente qualitativamente satisfatório.
Mas é evidente também que as condições do exercício do magistério reciprocamente determinam, em vários sentidos, a qualidade da formação docente. Num primeiro sentido porque a formação dos professores se dá, também, como um trabalho docente por parte dos formadores. Num segundo sentido, as condições de trabalho docente das escolas a que se destinam os professores em formação também influenciam a própria formação na medida em que o processo formativo implica o aspecto prático que tem como referência a rede escolar onde os estágios devem ser realizados.
Finalmente – e este talvez seja o aspecto mais importante – as condições de trabalho docente têm um impacto decisivo na formação, uma vez que elas se ligam diretamente ao valor social da profissão. Assim sendo, se as condições de trabalho são precárias, isto é, se o ensino se realiza em situação difícil e com remuneração pouco compensadora, os jovens não terão estímulo para investir tempo e recursos numa formação mais exigente e de longa duração. Em consequência, os cursos de formação de professores terão de trabalhar com alunos desestimulados e pouco empenhados, o que se refletirá negativamente em seu desempenho.
Considerando a situação atual da educação brasileira, há dois pontos de estrangulamento referentes às duas dimensões articuladas na questão do magistério que precisam ser sanados.
O primeiro ponto diz respeito à necessidade de se instituir a carreira dos profissionais da educação aumentando significativamente o valor do piso salarial dos professores e estabelecendo a jornada de tempo integral em uma única escola com no máximo 50% do tempo destinado a ministrar aulas. O restante do tempo será dedicado à preparação de aulas, correção dos trabalhos dos alunos, atendimento diferenciado aos alunos com mais dificuldades de aprendizagem, além da participação na gestão da escola.
O segundo ponto consiste na necessidade de se criar uma rede pública consistente de formação de professores ancorada nas universidades públicas. Isso é indispensável para corrigir uma grande distorção do processo de formação docente no Brasil que se constitui no outro ponto de estrangulamento de todo o sistema educacional.
A referida distorção é a seguinte: a grande maioria dos docentes que atuam nas redes públicas de educação básica do país é formada em instituições particulares de ensino superior de duvidosa qualidade. Com isso a educação básica pública fica refém do ensino privado mercantilizado, sem possibilidade de resolver seus problemas de qualidade. Portanto, diferentemente do que a mídia divulga incessantemente, não é verdade que a rede particular seja qualitativamente melhor que a rede pública. Ao contrário: a má qualidade das escolas superiores privadas de formação de professores é um dos fatores determinantes da baixa qualidade da rede pública de educação básica. É preciso, pois, organizar uma rede pública de formação docente em regime de colaboração entre a União e os estados para assegurar o preparo adequado dos professores que irão atuar nas escolas públicas de educação básica.
O projeto de PNE trata da questão do magistério nas metas 15 e 16 (formação) e 17 e 18 (condições de exercício). Apesar de alguns avanços o que se prevê é insuficiente, pois não assegura a formação centrada em instituições públicas e não garante as condições necessárias à carreira docente e ao exercício do magistério. Penso que caberia ao PNE fixar metas claras que permitissem no curto e médio prazo resolver de uma vez por todas a questão do magistério. Sem isso todos os discursos em prol da melhoria da qualidade da educação pública não passarão de promessas vãs.
Com relação à forma de financiamento, como você avalia a discussão da ampliação dos recursos para educação pública no PNE em debate?
De fato, o financiamento compõe com o magistério os dois pontos fulcrais sem os quais as demais metas do PNE não poderão ser atingidas. No caso brasileiro é necessário aumentar significativamente e de forma imediata os recursos destinados à educação. Ampliar significativamente implica em elevar de maneira substantiva o percentual do PIB investido em educação. De forma imediata significa que se deve evitar a prática usual de diluir a meta de elevação dos gastos ao longo do tempo, geralmente definido em dez anos. Nesse aspecto cabe constatar que, infelizmente, o projeto do PNE deixa muito a desejar. Isso porque a proposta de PNE enviada pelo MEC ao Congresso Nacional previa atingir, ao longo dos dez anos da vigência do Plano, o índice de 7% do PIB. Ora, essa meta fora fixada no PNE aprovado em 2001 para ser atingida em 2010. Vetada pelo então presidente FHC ela retornou no novo projeto, porém postergada para 2020. Felizmente o Substitutivo do Relator na Câmara dos Deputados acabou por elevar esse percentual para os 10% do PIB aprovados na CONAE-2010, a serem atingidos no décimo ano de vigência do novo plano. Nessas circunstâncias a proposta aceitável seria atingir 7% já no início da vigência, pois foi isso que o Congresso Nacional aprovou em 2001. E chegar aos 10%, aprovados na CONAE, a partir de 2015.
É, pois, da maior importância uma intensa mobilização para assegurar, no Congresso Nacional, o adequado encaminhamento, no PNE, da questão do financiamento. Nesse aspecto, como já reiterei em várias oportunidades, cabe considerar, à luz do que se proclama como “sociedade do conhecimento”, a educação como eixo do próprio projeto de desenvolvimento do país. Assim sendo, serão destinados recursos de grande monta para equipar plenamente o sistema nacional de educação estabelecendo-se um patamar para tratar, de fato, a educação com o grau de prioridade que é proclamado nos discursos. E isso é plenamente viável porque os recursos investidos na educação não serão subtraídos da economia, mas, ao contrário, serão seu elemento propulsor dinamizando seus diversos setores representados pela agricultura, indústria, comércio e serviços. Educação é, pois, um bem de produção e não apenas um bem de consumo.
No entanto, um dado novo sobre a questão do financiamento emergiu nessa reta final em que o projeto do PNE ainda se encontrava tramitando no Senado. Trata-se dos royalties do petróleo e, mais especificamente, dos rendimentos provenientes do pré-sal, na suposição de que os recursos financeiros para se atingir os 10% do PIB destinados à educação viriam dessa fonte. Devemos, no entanto, ficar atentos em relação a essa promessa por duas razões: em primeiro lugar porque não sabemos quando esses recursos estarão disponíveis nem qual será seu montante, além do fato de que são recursos provenientes de uma fonte não renovável; em segundo lugar porque há muita gente de olho nesses recursos, o que eleva consideravelmente os riscos de desvios. Um exemplo que deixa clara essa possibilidade é a proposta do Presidente do Senado, Renan Calheiros, de conceder ônibus gratuito a todos os estudantes do país com os recursos do fundo do pré-sal destinados à educação, o que subtrairá do financiamento da educação propriamente dita um montante significativo de recursos. Mas além de se destinar especificamente à educação, é fundamental que a ampliação do financiamento que estamos reivindicando provenha de fontes efetivas o que, aliás, já está presente no próprio conceito de PIB. Este é, com efeito, a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, sendo aferida anualmente. Então, trata-se de, a cada ano, uma vez conhecido o montante do PIB, destinar, no ano subsequente, 10% para a educação. Com efeito, quando o pré-sal estiver sendo explorado economicamente, os recursos daí provenientes já farão parte do PIB.
Em outras oportunidades o senhor tratou de históricas dificuldades estruturais do estado brasileiro. Uma delas estaria relacionada com a histórica resistência que as elites dirigentes opo?em a? manutenc?a?o da educac?a?o pu?blica. A outra estaria relacionada com a descontinuidade, tambe?m histo?rica, das medidas educacionais acionadas pelo Estado. O PNE contribui para enfrentar as dificuldades apontadas? Em que medida?
Considerando, como já assinalei, que o PNE não tem passado de carta de intenções, sendo ignorado na formulação e implementação das medidas de política educacional, forçoso é concluir que ele não tem contribuído para enfrentar as dificuldades apontadas, as quais vêm persistindo apesar de todas as proclamações em contrário por parte dos governantes, de modo especial em períodos eleitorais.
Resumidamente, podemos dizer que a política educacional brasileira desde o final da ditadura (1985) até os dias de hoje se apresenta com características condensadas nas seguintes palavras: filantropia, protelação, fragmentação e improvisação.
A filantropia diz respeito à demissão do Estado em consonância com a ideia do Estado mínimo, o que se traduz na tendência a considerar que a educação é um problema de toda a sociedade e não propriamente do Estado, isto é, dos governos. A impressão é que, em lugar do princípio que figura nas constituições segundo o qual a educação é direito de todos e dever do Estado, adota-se a diretriz contrária: a educação passa a ser dever de todos e direito do Estado. Com efeito, o Estado se mantém como regulador, como aquele que controla, pela avaliação, a educação, mas transfere para a “sociedade” as responsabilidades pela sua manutenção e pela garantia de sua qualidade. Veja-se como exemplo, no governo FHC, o mote “Acorda Brasil. Está na hora da escola” e, no governo Lula, o “Compromisso Todos pela Educação”, ementa do decreto que instituiu o PDE.
A protelação significa o adiamento constante do enfrentamento dos problemas. Tomemos o exemplo dos dois pontos fixados pelo Art. 60 das Disposições Transitórias da Constituição: eliminação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental. A constituição fixou o prazo de 10 anos para o cumprimento dessa meta: 1998. O Plano Decenal “Educação para Todos”, de 1993, também 10 anos: 2003. O FUNDEF, de 1996, igualmente 10 anos: 2006. O FUNDEB, de 2007, 14 anos: 2021. O PDE, de 2007, 15 anos: 2022. E o PNE, 10 anos a partir de sua aprovação.
A fragmentação se constata pelas inúmeras medidas que se sucedem e se justapõem perpetuando a frase do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932: “todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar” à altura das necessidades do país.
A improvisação se manifesta no fato de que para cada ponto que se levanta como importante busca-se logo aprovar uma emenda constitucional, uma lei ou baixar um decreto ou portaria sem atentar para sua efetiva necessidade e sua justaposição com outras medidas correlatas ou de efeito equivalente.
O resultado observável empiricamente é a precarização geral da educação em todo o país visível na rede física, nos equipamentos, nas condições de trabalho e salários dos profissionais da educação, nas teorias pedagógicas de ensino e aprendizagem, nos currículos e na avaliação dos resultados.
Em síntese, eis a perversa equação que expressa o significado da política educacional brasileira desde o final da ditadura (1985) até os dias de hoje:
FILANTROPIA + PROTELAÇÃO + FRAGMENTAÇÃO + IMPROVISAÇÃO = PRECARIZAÇÃO GERAL DO ENSINO NO PAÍS.
Olhando para o PNE como uma peça político-institucional que materializa interesse sociais em disputa, gostaríamos de saber sua opinião sobre a natureza daquilo que está em jogo na relação público e privado da Educação brasileira. É possível identificar atores hegemônicos neste embate? Como essa relação está explícita no Projeto de Lei do PNE em tramitação final no congresso?
Como já indiquei, o novo e grande protagonista com pretensões de hegemonia no atual contexto da educação brasileira é o empresariado. Excetuado o ramo dedicado diretamente ao ensino, a saber, os donos de escolas que, por sinal, tiveram grande estímulo a partir da ditadura civil-militar instalada em 1964, o empresariado de modo geral se mantinha equidistante da educação considerada como algo que não lhe dizia respeito, tratada que era como um mero bem de consumo destinado à fruição dos indivíduos integrantes dos grupos sociais relativamente restritos que a ela tinham acesso. Essa situação começou a se alterar a partir dos anos de 1960 com a difusão da teoria do capital humano. E se transformou fortemente após a chamada reconversão produtiva efetivada em consequência da crise do capitalismo que sobreveio na década de 1970 provocando a substituição do modelo taylorista-fordista pelo toyotista cuja expressão, no plano político, foi o chamado neoliberalismo e, no plano cultural, a Pós-Modernidade. A partir daí o empresariado assumiu o discurso da importância da educação considerada um bem de produção e passou a se manifestar e intervir mais diretamente no campo educacional influenciando as políticas e ocupando espaços nos órgãos da administração educacional como as secretarias estaduais e municipais e os Conselhos em todos os níveis.
Ora, como estamos numa sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção em que os interesses dos proprietários dos meios de produção são antagônicos aos interesses dos donos da força de trabalho, é óbvio que a educação que interessa ao empresariado não é aquela que interessa à imensa maioria da população brasileira constituída pelos trabalhadores. Nesse contexto, a luta em defesa da educação pública tem como antagonista o imiscuir-se do empresariado nas coisas da educação coincidindo, assim, com a luta contra os interesses do capital, buscando transformar essa ordem social que é essencialmente incapaz de dar resposta aos problemas educacionais do conjunto da população brasileira.
Enfim, é preciso organizar um forte movimento dos educadores que se revele capaz de se sobrepor à sem-cerimônia dos empresários que, tendo como linha auxiliar suas organizações ditas não governamentais, vêm procurando hegemonizar o campo educacional. É essa a tarefa que se nos impõe na hora presente: converter os discursos enaltecedores da educação em prática política efetiva, o que objetivamente se traduz na implantação de um verdadeiro sistema nacional de educação articulado a um consistente plano nacional de educação. Para isso será necessária uma grande mobilização dos setores populares articulados pelas várias organizações dos educadores reunidas em âmbito nacional, regional e local, o que torna desejável retomar os Fóruns em Defesa da Escola Pública nos níveis nacional, estadual e municipal.