Em artigo de opinião publicado no dia 8 de agosto no jornal Estadão, João Batista Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, desqualifica programas desenvolvidos pelo Ministério da Educação (MEC) nos últimos dez anos, apontando disperdícios e enaltecendo ações do ministro interino da pasta, Mendonça Filho, que pareceria "disposto a realizar mudanças de peso". Segundo ele, "bilhões foram jogados no ralo da câmara de horrores de programas do MEC, desde 2007", usando como exemplo sobretudo o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).
Integrante do GT 10 (Alfabetização, Leitura e Escrita) da ANPEd e professora da UFF, a Dra. Cecília Goulart respondeu ao artigo em carta intitulada "Mudanças de Peso na Educação Brasileira, Sr. João Batista Araújo e Oliveira?". Logo na abertura do texto, Goulart afirma que "Mudanças de peso na Educação são as que promovem novas formas críticas de viver a cidadania. Mudanças de peso são aquelas em que coletivamente as pessoas se movimentam no conhecimento de outras visões de mundo, outras compreensões de sua inserção social. Mudanças em que a história de cada um repercute na vida e história dos outros, fortalecendo a todos." Confira a resposta na íntegra na sequência.
A professora e doutora em Educação aponta equívocos do artigo e destaca contradições que sempre estiveram presentes no MEC, porém ampliando o horizonte de reflexão, como os interesses privados. "A 'combalida educação brasileira', como caracterizada pelo senhor, precisa decidir suas prioridades, sim; antes, entretanto, precisa se corporificar como prioridade nacional, e não ficar ao sabor de ventos que não saem da porta do MEC, anunciando receitas promissoras para alfabetizar o país. Se o MEC lhe parece um “armazém de secos e molhados” é porque ao longo das décadas sempre se revelou uma galinha dos ovos de ouro a que interesses privados de vários tipos a acossam para obter vantagens também promissoras, economicamente - os ventos, às vezes vendavais, tufões."
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MUDANÇAS DE PESO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, Sr. João Batista Araújo e Oliveira?
A propósito do artigo publicado no jornal O Estadão com o título “Educação, um desafio olímpico”, 8/08/2016.
Cecilia M. A. Goulart/Universidade Federal Fluminense/RJ
Mudanças de peso na Educação são as que promovem novas formas críticas de viver a cidadania. Mudanças de peso são aquelas em que coletivamente as pessoas se movimentam no conhecimento de outras visões de mundo, outras compreensões de sua inserção social. Mudanças em que a história de cada um repercute na vida e história dos outros, fortalecendo a todos. Mudanças de peso na Educação são aquelas em que palavras ganham novos sentidos, escritas e lidas em novas linguagens. Aprendizagens que provocam renascimentos, novas relações e ações. Chegar ao ler e escrever “unindo pedaços de palavras”, “unindo argila e orvalho”, “tristeza e pão”, “cambão e beija-flor”. E assim unindo “a própria vida”, descobrindo “num clarão que o mundo é seu também, que o seu trabalho não é a pena paga por ser homem, mas o modo de amar – e de ajudar o mundo a ser melhor” (trechos entre aspas deste parágrafo retirados da poesia Canção para os fonemas da alegria, de Thiago de Mello, apud Freire, 1978*)
Poderíamos rebater seus argumentos dizendo que “no ralo da câmara de horrores” deveria ser jogado seu programa Alfa&Beto, mas não entendemos a divergência assim. Entendemos que o Brasil que o senhor quer não é o mesmo que nós queremos. Entendemos que o currículo deva se constituir em norte político- pedagógico para o ensino, sem descaracterizar as diferenças formadoras da nação brasileira, nem obscurecer a sua pluralidade cultural e social. Não o imaginamos como um plano burocrata, regulador das mentes dos profissionais da Educação e dos alunos, sob o argumento da necessidade de homogeneizar o ensino no país. Entendemos, entretanto, a lógica de alguns técnicos pensando em facilitar a produção de material didático e a elaboração de provas e testes de amplo espectro. Mas dela discordamos. A sociedade é viva e movediça; as pessoas, vivas e imaginativas. As pessoas têm sido ouvidas, professores e especialistas de todas as áreas. Só não foi atrás deste trio elétrico quem já morreu. Os programas do MEC e a base nacional têm suscitado inúmeros debates, há muita controvérsia, muita ebulição. Elaborar projetos pedagógicos e colocá-los em ação são movimentos sérios e complexos. Pensar nestes movimentos na dimensão de um país como o Brasil envolve um conjunto de fatores que não são somente pedagógicos e didáticos. São fatores de amplitude social que garantam possibilidades de locomoção, alimentação, saneamento, cultura – são muitas as ramificações da boa Educação de um povo. Assustam-nos as suas muitas certezas e verdades, além de suas críticas fortes e superficiais, sem evidências de fatos (“... milhões jogados no ralo, nenhum progresso,
nenhum resultado”; “... apoio para fechar essa câmara de horrores que foi a farra dos programas do MEC”). Críticas levianas? Os programas têm autores dos quais podemos discordar; atacar com ferro e fogo tem outro nome.
A “combalida educação brasileira”, como caracterizada pelo senhor, precisa decidir suas prioridades, sim; antes, entretanto, precisa se corporificar como prioridade nacional, e não ficar ao sabor de ventos que não saem da porta do MEC, anunciando receitas promissoras para alfabetizar o país. Se o MEC lhe parece um “armazém de secos e molhados” é porque ao longo das décadas sempre se revelou uma galinha dos ovos de ouro a que interesses privados de vários tipos a acossam para obter vantagens também promissoras, economicamente - os ventos, às vezes vendavais, tufões.
Incertezas, acertos e equívocos fazem parte do processo de aprender, ensinar, formar pessoas. Não temos medo de dúvidas. A responsabilidade ética, política e profissional nos obriga, professores, gestores e formadores de professores, a definir princípios para o trabalho cotidiano e a nos capacitar permanentemente, compreendendo não somente a função social da Educação, da escola, dos conteúdos, da avaliação; compreendendo também quem são nossos alunos, como são, o que sabem, o que desejam, onde vivem e como vivem, além de muitos outros conhecimentos importantes, se considerarmos a dimensão humana da formação de professores, alunos e sociedade como um todo.
*In: Freire, P. 1978. Educação como prática da liberdade, 8a edição. RJ: Paz e Terra. O poema foi originalmente publicado em 1965.