No dia 23 de setembro de 2015, fomos informados, via imprensa, que a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) irá fazer uma grande reestruturação das escolas da rede paulista de educação básica. A forma como todos nós, professores, estudantes, pais e pesquisadores soubemos deste projeto de reorganização escolar já é, por si só, motivo de preocupação. Não foi apresentado publicamente o projeto da reestruturação, assim como não foi realizada nenhuma consulta pública sobre a nova proposta. Parece que o governo Geraldo Alckmin se recusa a debater de forma transparente e democrática essa grande mudança, que afetará milhares de professores e milhões de estudantes. Por isso, a surpresa generalizada e a reação marcadamente contrária ao projeto de reorganização.
Os argumentos do governo para a mudança, comunicados por meio de videoconferência aos profissionais da rede estadual, foram dois: 1) que escolas com apenas um segmento têm melhores desempenhos nas avaliações do Saresp e Prova Brasil (embora sem demonstração científica que comprove tal relação); 2) que há uma alteração na pirâmide etária que indica retração da população em idade escolar no Estado de São Paulo. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, entre os anos de 1998 e 2015, a rede estadual de ensino teria perdido cerca de 2 milhões de alunos. Com isso, o governo Geraldo Alckmin justifica, em suas próprias palavras, que é preciso "um novo modelo de escola que se adeque à queda da taxa de natalidade e à redução expressiva da população em idade escolar".
Diante destes números, poderíamos pensar em reorganizar as escolas diminuindo o número de alunos por sala de aula e reduzindo a jornada de trabalho dos professores, por exemplo, duas medidas que teriam um impacto imediato sobre a qualidade do trabalho educativo. No entanto, estas propostas não foram consideradas pela Secretaria de Educação. Parece que o governo não está realizando uma reorganização visando à melhoria da educação oferecida pela rede estadual, pelo contrário, parece ser uma reforma administrativa que visa reduzir gastos da educação e abrir espaço para parcerias com o setor privado.
O impacto imediato da reestrutruração será o fechamento de salas de aulas e até mesmo de escolas inteiras. Segundo o Censo Escolar MEC/INEP de 2013, a rede estadual de São Paulo mantinha 5.585 escolas; agora, segundo os números divulgados pelo governo estadual, serão 1.443 escolas de ciclo único; 3.186 escolas com dois ciclos; e 479 escolas com três ciclos. Portanto, serão 5.108 escolas mantidas pela rede estadual paulista, eliminando 2 milhões de vagas excedentes, sem alterar o módulo absurdo de 35 (Ensino Fundamental) ou 40 (Ensino Médio) estudantes por sala de aula e a jornada de trabalho excessiva dos professores. O fechamento de centenas de escolas implicará na demissão de professores e funcionários, deslocamento de estudantes, remoções, destruição do patrimônio público, etc.
Está subentendido na reestruturação que o projeto do governo é completar o processo de municipalização do Ensino Fundamental. Isso está explícito no Projeto de Plano Estadual de Educação, encaminhado pelo executivo estadual para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Conforme indicado na meta 21 desse projeto o objetivo é “promover, até o final da vigência do Plano Estadual de Educação (PEE), a municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental”. A reorganização da escola por ciclos já cria a estrutura adequada para intensificar o processo de municipalização também do ciclo II do Ensino fundamental. Estudos demonstram que a municipalização tem sido um terreno fértil para os processos de privatização da escola pública, seja com a aquisição dos denominados “sistemas de ensino” de escolas privadas, via o apostilamento, para ampliação das contratações terceirizadas, com as parcerias público-privadas e/ou com os contratos de gestão privada para o ensino público.
A reorganização escolar proposta também afeta diretamente o Ensino Médio, com o fechamento de salas no período noturno, da diminuição da oferta de vagas para Educação de Jovens e Adultos, entre outros desdobramentos. O projeto das Escolas de Tempo Integral encontra abrigo adequado nessa nova organização das escolas por ciclo, o qual precisa ser amplamente debatido com a comunidade, incluindo a acadêmica.
O projeto do governo é ampliar as Escolas de Tempo Integral para 50% das escolas estaduais e dentro delas as parcerias com a iniciativa privada. No Projeto de Plano Estadual de Educação encaminhado pelo governo, podemos demontrar esses objetivos. A estratégia 6.7, que trata do Ensino em Tempo Integral, diz: “Estimular, em regime de colaboração, a apropriação dos espaços e equipamentos públicos e privados, articulando ações entre esses e as escolas, de forma a viabilizar a extensão do tempo de permanência do aluno em atividades correlacionadas ao currículo”. Para esse projeto são necessárias as escolas de ciclo único.
É nesse contexto que a flexibilização curricular é também proposta, pois abre mais espaço para as parecerias com o setor privado, que passam a atingir diretamente as atividades correlacionadas ao currículo. A lógica empresarial passa a orientar ainda mais a organização da escola. Não à toa a meta 22, do Plano Estadual de Educação apresentado pelo governo, que dispõe sobre a implementação do “novo modelo de Ensino Médio, com organização curricular flexível e diversificada” assume todo o linguajar empresarial, colocando como meta para o Ensino Médio, garantir “acesso ao conhecimento como instrumento para a cidadania, o desenvolvimento de competências e habilidades, necessárias ao prosseguimento de estudos e que favoreçam a empregabilidade”.
A partir dessa flexibilização do currículo, será possível criar diversas novas subcategorias de professores. Além de todas as formas de contratação feitas diretamente pelo Estado, abre-se a possibilidade de, no interior das escolas estaduais, professores e educadores serem contratados via parcerias privadas para “viabilizar a extensão do tempo de permanência do aluno em atividades correlacionadas ao currículo”, aumentando a terceirização nas escolas e podendo atingir até mesmo algumas funções docentes.
A reorganização da escola por ciclos terá um impacto muito mais profundo do que o fechamento de centenas de escola, a demissão de milhares de trabalhadores docentes e não docentes, a destruição do patrimônio público e/ou o deslocamento de milhões de estudantes. Trata-se de se criar a organização necessária para o projeto de privatização da escola pública paulista.
Com isso, nós, estudantes, professores e pesquisadores da Faculdade de Educação da UNICAMP, nos colocamos ao lado dos estudantes, pais e professores que saem as ruas defendendo a escola pública para questionar esse projeto de reorganização da escola paulista, exigindo transparência, diálogo, bem como a mudança de seu rumo. Portanto, solicitamos à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo a exposição imediata do projeto que orienta a reestruturação das escolas estaduais, com os dados que fundamentam a argumentação apresentada pelo governo. Solicitamos também que este projeto seja debatido por meio de audiências públicas, recebendo as propostas da comunidade escolar.