Em maio deste ano, foi aprovada uma Minuta de Portaria que propõe a criação da ANEI - Avaliação Nacional da Educação Infantil. O diferencial será a composição de indicadores em larga escala com foco no monitoramento da oferta e infraestrutura em creches e pré-escolas em todo o país. Com expectativa de ser realizada ainda no ano que vem pelo INEP, a proposta ainda precisa ser institucionalizada pelo MEC e que se viabilizem suas condições de realização, como equipe e recursos. Assim, encontra-se em debate no momento tanto os caminhos necessários para a construção da ANEI quanto seus potenciais como diagnóstico qualitativo para a educação infantil.
Para nos aprofundarmos no tema, o Portal da ANPEd entrevistou a professora Gizele de Souza (UFPR), membro do GT 07 da Associação (Educação de Crianças de 0 a 6 anos) e que integrou Grupos de Trabalho que formularam subsídios para a criação da ANEI. Na entrevista a seguir, a também coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil (NEPIE) fala sobre as expectativas e diferenciais da proposta de avaliação, assim como pesquisas que desenvolve sobre o tema em parceria com instituições do Brasil e da Itália.
- Como foi o processo de pesquisa que coordenou? E qual a relação entre a produção em pesquisa e a formulação de políticas públicas?
Coordenei junto com as professoras Catarina Moro e Angela Coutinho o Projeto “Formação da Rede em Educação Infantil: Avaliação de Contexto”, que se constituiu em uma ação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil da Universidade Federal do Paraná com outras universidades brasileiras (Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado de Santa Catarina), além da universidade italiana – Università degli studi di Pavia/Itália – e conta com a parceria técnica e financeira da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação.
Foto: Catarina Moro, Gizele de Souza e Angela Coutinho, coordenadoras do Projeto "Formação da Rede em Educação Infantil: avaliação de contexto"
Dentre os objetivos, previu-se no projeto o mapeamento bibliográfico nacional sobre avaliação na educação infantil; tradução e publicação de literatura italiana acerca do tema; formação das equipes de pesquisa e seminários formativos com a participação de colegas pesquisadores, estudantes e gestores da área de educação; realização de um estudo de campo sobre metodologia de avaliação de contexto a partir das experiências italianas e de formulação de proposições e indicadores de avaliação de contexto na educação infantil comprometidos com o debate acadêmico e a política nacional de educação infantil no Brasil.
Foi uma experiência muito enriquecedora, tanto pela possibilidade de desenvolver investigação integrada a colegas e grupos de pesquisa entre Brasil e Itália, em uma relação cooperativa, como de estabelecer uma rede ampliada de debates e parceiros acerca do tema da avaliação de contexto na educação infantil, envolvendo professores das redes municipais de educação, gestores, associações, entes governamentais e entidades de representação da sociedade civil.
Em um prazo de dois anos pudemos, de modo participativo entre os colegas das universidades mencionadas e com as pesquisadoras Anna Bondioli e Donatella Savio da Itália, tanto realizar as metas previstas pelo projeto de pesquisa, como atuar e promover a interlocução dos nossos estudos e estabelecer uma relação horizontal de intercâmbio, de troca de experiências acadêmicas e profissionais. O projeto viabilizou nos vários Seminários realizados, no Brasil e na Itália, o debate amplo e coletivo entre os colegas da área de educação e educação infantil e tais sistemáticas contribuíram, ao meu juízo, para enfrentar o tema da avaliação, auxiliar no entendimento da constituição do próprio campo da educação infantil, das tendências e lacunas existentes acerca da avaliação, da ampliação do debate político-acadêmico e na difusão de uma cultura de avaliação democrática comprometida com a justiça social.
Sobre a segunda questão, posso lhe dizer que no nosso Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil já desenvolvemos, há um certo tempo, ações de pesquisa e formação nesta direção, que toma a incumbência da universidade na produção de estudos e pesquisas e, ao mesmo tempo, compromete-se com a intervenção e melhoria nas políticas públicas de educação, em especial atenção para a educação infantil. Mas, com este projeto de avaliação de contexto, realmente pudemos exercitar com mais impacto esta relação da pesquisa e da formulação de políticas públicas. Me explico melhor: estamos na fase final do Termo de Cooperação Técnica, sistematizando as sugestões e críticas recebidas para o texto que será apresentado ao MEC “Contribuições para a Política Nacional: a avaliação em educação infantil a partir da avaliação de contexto”. Neste texto se visualiza um percurso coletivo de trabalho, uma trama tecida a muitas mãos; pesquisadoras das universidades, professores e gestores das instituições de educação infantil que participaram do processo de investigação; representante do governo federal – por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil do MEC; bem como os colegas de todo o Brasil que aceitaram participar de reuniões técnicas e seminários a fim de nos ajudar a balizar as contribuições. O princípio formativo da avaliação fez-se presente tanto no percurso do projeto como no próprio documento que será apresentado ao governo federal. O texto em questão tem como propósito dialogar com o campo da política nacional de avaliação de educação infantil, oportunizando reflexões e proposições de avaliação de contexto para a educação de crianças nas instituições de educação infantil.
- Como avalia a sua participação na construção da ANEI?
Paralelamente ao trabalho do projeto de pesquisa em rede já mencionado antes, participei de outra ação com finalidade e abrangência distintas – da Comissão de Especialistas da Avaliação da Educação Infantil – em Portaria Ministerial nº 505/2013 - com vistas a contribuir com proposições para implementação da avaliação da educação infantil nacional, sob a coordenação da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB), do INEP. Foi instituído (pela Portaria nº 360/2013 ) também neste mesmo período pelo INEP um Grupo de Trabalho de Avaliação da Educação Infantil, composto por diferentes entidades . A finalização dos trabalhos de ambos os grupos se deu em maio de 2015 com a aprovação entre todos os participantes e instituições da Minuta de Portaria que propõe a ANEI, cujo foco é o monitoramento da oferta da educação infantil.
Na comissão de especialistas o trabalho realizado fora desenvolvido de modo negociado, compôs-se em diversas etapas de estudos e formulações e contou-se também com consultoria de outros profissionais acerca de bases disponíveis de dados estatísticos sobre educação e educação infantil no Brasil.
Me parece que o relevante neste trabalho foi a capacidade do grupo em eleger os objetivos para uma proposta de avaliação de educação infantil na perspectiva da avaliação da oferta, em evitar a construção de novos dados para dimensões que já possuímos um conjunto razoável de informações nas bases disponíveis; de construção de matriz avaliativa que dialogue e sistematize com alguns consensos já pactuados na área educacional no Brasil; e de construção de uma proposta dialogada e negociada entre os representantes governamentais e especialistas da área de educação. Isso resulta em um processo formativo ímpar tanto para o INEP como para nós pesquisadores.
- Quais as expectativas para a ANEI?
Acredito que as expectativas são, ao mesmo tempo, promissoras e desafiadoras, pois com esta proposta de avaliação se projeta outro paradigma no trato com a avaliação educacional no Brasil avançando para a perspectiva diagnóstica e de monitoramento daquilo que se oferta pelo Estado nas instituições de educação infantil. Mas a preocupação reside no fato que a ANEI se encontra, até então, como proposta, não estando ainda institucionalizada, pois para tal, necessita da assinatura da portaria que a institui pelo Ministério da Educação e, por conseguinte, da viabilidade das condições (equipe e recursos) para o INEP realizá-la. Entendo que não podemos perder esta oportunidade histórica de dispor de uma proposta de avaliação que se volte para a avaliação da oferta, e esta avaliação deve ser feita pelo INEP, instituição própria para realizar tal incumbência. Também avalio que a ANEI se constitui em uma etapa de um processo formal e mais amplo de avaliação da educação infantil, do ponto de vista do sistema educacional. Há outras estratégias, instâncias, sujeitos que promovem e/ou participam de processos avaliativos na educação infantil – como os professores e as instituições que acompanham o trabalho de cuidado e educação desenvolvido diretamente com as crianças de 0 a 6 anos.
Com isso, reforço que a ANEI chega para responder tanto a exigência estabelecida pela legislação educacional brasileira, como pela concepção de que a educação infantil como parte do sistema educacional deve compor um processo de avaliação nacional. Mas também esta proposta de avaliação pode deflagrar junto aos municípios, gestores e profissionais que se ocupam diretamente da oferta da educação infantil maior clareza e reflexão acerca daquilo que se vem ofertando para as crianças pequenas e suas respectivas famílias e provocar, de modo indutor, melhorias concretas acerca das condições de acesso e permanência das crianças de 0 a 6 anos nas instituições de educação infantil, do trabalho docente, da infraestrutura física e material pedagógico, dos processos de garantias e gestão democrática. Isso basta para alcançarmos melhorias nas condições objetivas da educação infantil brasileira? Obviamente que não. Todavia, temos com a ANEI uma interessante oportunidade de construirmos uma cultura de avaliação com bases em indicadores de contexto (mesmo que ainda sujeitos a revisão).
* Gizele de Souza é membro do GT 07 de Educação de Crianças de 0 a 6 Anos e do GT 02 de História da Educação.
Professora no Setor de Educação da UFPR, integra a Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação (PPGE-UFPR). Coordena o NEPIE - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil. Atuou como professora visitante na Università degli Studi di Firenze (Itália - 2014). Participa como parecerista de vários periódicos nacionais da área de educação e atua no comitê científico da Editora Franco Angeli em Milão-Itália, da Edizioni Junior em Bergamo/Itália e na Revista Digital Infancia Latinoamericana, Barcelona-Espanha. Contato: gizelesouza@ufpr.br