por Carlos Artexes Simões - Outubro de 2016
Manter uma agenda prioritária na política educacional e, em particular, no ensino médio é importante e necessário em um país que, historicamente, excluiu da maioria de sua população os direitos à educação escolarizada. A força dos interesses econômicos e políticos, que subordinam as políticas educacionais, interfere na elaboração de concepções e na construção de propostas que buscam dar soluções aos problemas educacionais. No Brasil, muitos se consideram aptos a diagnosticar e dar soluções para salvar o anunciado fracasso educacional, geralmente predominando uma análise superficial que desconsidera o contexto histórico-social. A simples constatação e identificação do problema não torna qualquer proposta apresentada como capaz de promover a solução desejada. Constatar falhas é muito mais fácil do que promover soluções e algumas mudanças podem agravar ainda mais a situação inicialmente identificada, como mostra a história das diversas mudanças legais para o ensino médio no Brasil. Verdadeiras soluções são processuais e não resultam de decisões pontuais, midiáticas e imediatistas. A análise dos fenômenos educacionais é complexa e deve considerar suas dimensões conceituais, culturais, sociais e econômicas.
foto: Divulgação/Thais Jordão
Há evidências empíricas e estudos qualificados, atestando que, para construir soluções mais permanentes e adequadas para a educação, é preciso priorizar a participação consciente da comunidade, envolver diretamente os profissionais da educação e reconhecer as singularidades e as diferenças (pessoais, sociais, econômicas, territoriais e culturais) dos educandos. As melhores políticas públicas na educação são aquelas que garantem as condições gerais de funcionamento e fortalecem a autonomia e descentralização de responsabilidades. Neste sentido, a verdadeira solução para o desenvolvimento da educação - independentemente da reconhecida importância dos marcos legais - não se encontra em prescrições legais padronizadas, centralizadas e universais, mas na participação efetiva da comunidade local, no fortalecimento dos educadores, na gestão descentralizada e na autonomia responsável das unidades escolares, conforme preconiza e valoriza a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
“Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”. (Art. 15 da Lei 9394/96).
Na recente reforma do ensino médio, anunciada através da medida provisória 746/2016, proclama-se, inicialmente, sua validade na medida em que houve aprovação de um conjunto significativo de segmentos e sujeitos. Porém, ela encontra também um grande leque de reprovação e contestação. Algumas vezes com caráter de oposição ideológica (como também aqueles que a defendem) e corporativismo profissional, mas também com análises aprofundadas das mudanças promovidas pela reforma na realidade educacional brasileira. Um conjunto significativo de importantes instituições, educadores e estudantes estão questionando seus motivos, processos e possíveis resultados como: ANPED-Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, CEDES-Centro de Estudos Educação e Sociedade, FORUMDIR-Fórum Nacional de Diretores das Faculdades de Educação, ANFOPE-Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa, ANPAE-Associação Nacional de Política e Administração da educação, CONIF-Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica, CONDICAP- Conselho Nacional de Diretores dos Colégios de Aplicação, FINEDUCA-Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, CNTE-Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e ANDES-Associação Nacional de Docentes da Educação Superior, ABRAPEC-Associação Brasileira de Pesquisa em Ciências, Sociedade Brasileira de Física, ALAB-Associação de Linguística Aplicada do Brasil, Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de Química, entre tantas outras.
Acesse aqui notas de entidades contra a MP 746/2016
Aspecto também importante, para o qual pretende contribuir esta reflexão, é aprofundar a análise e questionamento sobre alguns elementos do diagnóstico, justificativas, conteúdo e resultados pretendidos que foram apresentados na atual reforma do ensino médio.
1. O fracasso do ensino médio brasileiro
Os dados quantitativos e os baixos indicadores de desempenho de aprendizagem do ensino médio são inquestionáveis. Porém, identificar o problema não implica ter a solução e nem legitima qualquer proposta de mudança. Não é suficiente analisar apenas o retrato atual (fotografia) sem uma perspectiva histórica (filme) e sem considerar a ausência de condições básicas, infraestrutura, financiamento, políticas públicas em geral, para o desenvolvimento do ensino médio no Brasil.
O ensino médio, (já com esta denominação) iniciou-se, no Brasil, na década de 60 quando muito poucos tinham acesso a este nível de ensino. Já em 1981 eram matriculados em torno de 3 milhões de estudantes no ensino de 2º grau (denominação da época) e com menos de 15% de estudantes de 15 a 17 anos estudando na etapa (taxa líquida na faixa etária). Somente a partir da década de 80, com a redemocratização, o ensino médio passa a ser uma agenda na política educacional e ocorre uma grande expansão quantitativa alcançando mais de 9 milhões de matriculados no ensino regular-expansão exclusiva da rede estadual pública. Não há dúvida de que o desafio de promover a qualidade para muitos se torna muito maior.
Devido a diferentes motivos, o ensino médio sofreu uma redução de matrículas no ensino regular (em torno de 800 mil estudantes) no início deste século. Atualmente, ainda com pequena taxa de redução, o ensino médio possui 10 milhões da matriculados (ensino regular somado com a modalidade de Educação de Jovens e Adultos) para um quantitativo atual de 10,2 milhões de jovens de 15 a 17 anos (5,5 milhões no ensino médio, 1,5 milhões fora da escola e 3,2 milhões ainda no ensino fundamental) e aproximadamente 20 milhões de pessoas acima de 18 anos como demanda potencial para o ensino médio. Estamos longe de uma universalização de acesso e muito distante de um ensino médio de qualidade para todos.
Na verdade, o que qualifica melhor o ensino médio, no Brasil, não é o propagado “fracasso”, mas a “ausência” do direito de oferta de um ensino médio de qualidade para a maioria dos brasileiros. refere-se ao estado ou condição de não atingir um objetivo desejado ou pretendido. Podemos dizer que o ensino médio foi, na história brasileira, um objetivo desejado e pretendido? Podemos enquadrar como fracasso a taxa líquida atual de 50% de jovens 15 a 17 anos no ensino médio, quando aumentou mais de 3 vezes em 35 anos? É um fracasso a alta taxa de reprovação e baixa taxa de conclusão (ou apenas uma nova forma da permanente exclusão dos setores populares) no ensino médio? Os baixos indicadores de desempenho que permanecem são um fracasso do ensino médio ou a ausência de condições para o seu sucesso?
Por outro lado, entender e supervalorizar as mudanças curriculares como capazes de corrigir a dívida social com o ensino médio e transformá-las em “solução milagrosa”, em curto prazo, é uma ingenuidade ou esconde razões inconfessáveis de falsear a realidade.
2. Obrigatoriedade das 13 disciplinas no currículo do ensino médio e a flexibilização atribuída à medida provisória
A justificativa que atribui à medida provisória a capacidade de promover uma flexibilização no currículo do ensino médio, alterando a rigidez curricular atual da legislação educacional do ensino médio, expressa não só um desconhecimento do marco legal brasileiro como não encontra nenhum respaldo no conteúdo estabelecido e vigente no país, conforme estabelecida na Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Na verdade, a medida provisória traz, ao contrário do que afirma, uma maior rigidez legal do que a lei que pretende alterar. Pois vejamos:
- A rigidez do currículo não é determinada pelas normas legais, já que a LDB é uma lei com grande flexibilidade que tem como princípios a descentralização e responsabilização dos entes federados. A propagada obrigatoriedade das 13 disciplinas é um mito: na verdade são previstos componentes curriculares obrigatórios a serem organizados livremente pelas redes de ensino e unidades escolares. A imagem quase generalizada da imposição legal para o currículo do ensino médio é uma distorção da realidade das normas legais.
- A lei brasileira para o ensino médio obriga, sim, que as escolas ofereçam vários conteúdos curriculares, mas permite que as escolas organizem livremente o currículo de forma diversa. Permite, inclusive, que uma escola não tenha disciplinas, não ofereça todas simultâneamente, currículo seriado ou não, sem definição de cargas horárias, com aulas ou não, sem definição de carga horária semanal para qualquer componente curricular ...etc. A única excepcionalidade, prevista em lei, de disciplina obrigatória em todas as séries do ensino médio é de filosofia e sociologia, mas que, devido à liberalidade da LDB, poderia ser oferecida da forma diversa dentro do currículo. Existem muitos projetos de lei no congresso, propondo criação de novas disciplinas e prescrições na organização curricular por total desconhecimento das formulações e princípios da LDB. A lei, como não define carga horária obrigatória, permite que as redes de ensino e unidades escolares organizem com grande liberdade o formato curricular. Surpreendentemente, a lei em vigência permite até a opção da “ênfase em áreas do conhecimento”, pretensa novidade da reforma. ”. Não há nenhum impeditivo legal para uma rede de ensino e unidades escolares organizarem os componentes curriculares, conforme definido por quem de direito. A proposta de reforma do ensino médio não altera em nada a flexibilidade curricular, mas, pelo contrário, inibe outras formas de organização que não a escolha de ênfases das áreas do conhecimento e profissionalização. Promove uma obrigatoriedade na diferenciação curricular no ensino médio. Inflexibiliza a flexibilidade da lei vigente. Não é a lei atual que determina a rigidez curricular do ensino médio -definida geralmente pela cultura, hábito escolar e suas condições de contorno - e, portanto, não são as normativas legais que poderão promover as mudanças “desejadas”, mas a mudança cultural e das condições adequadas para o seu desenvolvimento.
Como ser mais flexível do que a lei 9394/96 vigente?
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino. § 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;
III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
IV - Poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares;
V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;
Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento.
Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo.
Art. 81. É permitida a organização de cursos ou instituições de ensino experimentais, desde que obedecidas as disposições desta Lei.
A medida provisória, alterando alguns artigos da lei sem modificar o seu conjunto, também cria uma contradição na lei máxima da educação brasileira. Ao definir um formato do ensino médio por ênfase nas áreas de conhecimentos e na profissionalização, torna limitada a flexibilidade (que diz que promove) já permitida na lei atual e inibe a descentralização, configurada no regime federativo e na autonomia, no aspecto curricular, das redes de ensino e unidades escolares.
3. A emergência da medida provisória para alterar a realidade do ensino médio
Pela normativas do Congresso, a medida provisória é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência, cujo prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei.
Portanto, só tem sentido utilizar uma medida provisória, se ela produzir efeito imediato que possa evitar um prejuízo pela demora da aprovação de uma lei. Como a medida provisória 746/16 apresenta uma pendência na elaboração da Base Nacional Comum Curricular que deve demorar mais do que o prazo de 120 dias - ela não produz qualquer efeito imediato no currículo do ensino médio. Uma medida emergencial sem emergência. Provoca uma aceleração no Congresso que poderá julgar a medida provisória e aprovar uma lei sem saber a real alteração por ela produzida, já que a BNCC não terá sido definida. O ineditismo do formato e alteração no campo da organização curricular é algo sem precedentes nas normativas congressuais. Aprovar algo que ainda não foi definido completamente cria uma incerteza que impede uma alteração nos projetos pedagógicos que deverão ser adequados ao novo marco legal. Sem a definição da BNCC do ensino médio, a medida não realiza aquilo que promete, mas poderá produz um movimento de mudanças movidas por razões de economicidade e visões conceituais reducionistas da formação humana.
O alegado caráter emergencial não encontra uma justificativa razoável, já que a pretensa alteração legal deverá ser implementada, conforme sua própria definição, no segundo ano letivo subsequente à data de publicação da Base Nacional Comum Curricular ou no primeiro ano letivo subsequente, se aprovada a BNCC seis meses antes no ano letivo. Portanto, caso não seja definida a BNCC em 6 (seis) meses antes do ano letivo de 2018, só ocorrerão seus efeitos diretos a partir de 2019, no próximo governo federal eleito.
“O disposto no art. 26 e no art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996, deverá ser implementado no segundo ano letivo subsequente à data de publicação da Base Nacional Comum Curricular. Parágrafo único. O prazo de implementação previsto no caput será reduzido para o primeiro ano letivo subsequente na hipótese de haver antecedência mínima de cento e oitenta dias entre a publicação da Base Nacional Comum Curricular e o início do ano letivo”. (Art. 4º da Medida provisória 746/16)
4. A progressiva ampliação do tempo escolar e a BNCC reduzida para o máximo de 1.200 horas no início do ensino médio
Há uma correlação positiva entre o tempo escolar e a aprendizagem dos estudantes. Porém o que realmente existe é uma correlação múltipla, incluindo o tempo escolar, com outros aspectos e condições que favoreçam o desenvolvimento da educação. Mesmo a viabilidade e abrangência da intenção de ampliar o tempo escolar -que já é previsto na lei que estabelece o Plano Nacional de Educação 2014-2024 -depende, entre outras coisas, de ampliação de recursos financeiros, formação e disponibilidade de professores e organização dos sistemas de ensino.
Numa perspectiva de pensar o que seria o formato “obrigatório” das ênfases após os efeitos da medida provisória e pensando na “boa intenção” em uma escola de tempo integral (1400 horas anuais) pode-se imaginar algo como:
a) Um curso do ensino médio com menos de 1/3 de BNCC e mais de 2/3 de uma ou duas das ênfases ofertadas. No caso, por exemplo, de uma escola optar apenas pela área de matemática, o estudante teria em torno de 3.000 horas de matemática e, no máximo, 1.200 horas das outras componentes curriculares oferecidas no início do ensino médio. (Exceto a língua portuguesa e matemática que seria oferecido em todas as séries com carga horária e formato a ser definido livremente). Um intenso curso de matemática no ensino médio. Um arranjo curricular totalmente distorcido e uma confusão inevitável nas redes e nas unidades escolares.
b) Não fica claro como combinar, sem contradições, a opção da profissionalização dentro da carga horária do ensino médio com a legislação vigente da educação profissional. Ela já prevê três formatos (articulado: integrada e concomitante; subsequente) com toda uma legislação, inclusive, de definição de carga horária prevista nas regulamentações das leis da educação profissional.
Há um retorno do “ufanismo” pelo aumento da profissionalização no ensino médio, preconizado na lei 5692/71, e sua relação com a inserção imediata no mercado de trabalho. A comparação feita com os “chamados países desenvolvidos” que possuem uma grande oferta de profissionalização para a juventude esquece de dizer que na formação profissional nestes países, em sua maioria, são oferecidos cursos pós-secundário e, geralmente, para os migrantes que realizam o trabalho simples. Para os jovens do próprio país o ensino secundário (equivalente ao ensino médio do Brasil) é praticamente universalizado na perspectiva de uma formação humana geral. Muitas vezes desconsideram as condições sociais já alcançadas naqueles países e com uma visão equivocada de que tudo que vêm dos países “desenvolvidos” é sempre bom.
É preciso lembrar que a educação técnica de nível médio foi a que teve um grande crescimento de matrículas recentemente no Brasil, triplicando em pouco mais de 10 anos. Se é verdade que a maioria dos jovens são trabalhadores, há estudos significativos que demonstram que o volume de emprego gerado em uma sociedade - hoje, no Brasil, são quase 12 milhões de desempregados - depende da situação e desenvolvimento econômico do país e não, como geralmente suposto, do número de pessoas com qualificação profissional. Será que temos emprego para os 300 mil técnicos já formados por ano por Brasil? Uma grande controvérsia à vista.
A redução da exigência na BNCC (centrado em competências de matemática e língua portuguesa) e a devida adequação das avaliações de larga escala poderão trazer um aumento do indicador do IDEB, sem garantir a ampliação na aprendizagem, agora mais restrita. Esta configuração traz perguntas ainda sem respostas como: Quando será aplicada a avaliação para definir o IDEB no ensino médio? No final do ensino médio, um ano e meio (ou mais) depois do estudante ter concluído a nova BNCC? Com garantir a igualdade de concorrência e mérito no resultado do ENEM e acesso à educação superior para pessoas com trajetos tão diferentes e desiguais? O que significa no ponto de vista da equidade um estudante que optou na ênfase na profissionalização e outro na ênfase de linguagens, matemática, ciências sociais e ciências da natureza? Ou a intenção é no retorno dos ramos (modificados para as ênfases) de ensino médio para utilizar as diferenciações curriculares no ensino médio para definir antecipadamente trajetórias e o lugar social de grupos específicos no mundo do trabalho? O que pode significar este direcionamento estratificado mais radical em um mundo com grandes desigualdades sociais como o Brasil?
5. A ilusão da escolha livre de componentes curriculares pelos estudantes.
Provavelmente, algumas escolas conseguirão se adaptar (ou darão um jeitinho) as alterações da lei prevalecendo o seu projeto pedagógico e até promover várias ênfases combinadas, atividades com alguma escolha dos estudantes, como já ocorre.
Porém, como ficam as escolas públicas estaduais (85% das matriculas do ensino médio)? O mais provável é um reducionismo jamais visto no ensino médio brasileiro. Na hegemonia do setor econômico e a centralidade da gestão em curso na educação no Brasil, não é difícil prever que os estudantes da escola pública estadual terão muito pouca ou nenhuma escolha durante o ensino médio. Na realidade dos entes federados e da situação de recessão econômica, não há mínimas condições de uma escola oferecer a flexibilidade e possibilidades de atender o interesse e opções dos estudantes.
Muitas pesquisas demostram as incertezas e dúvidas, naturais para essa fase de desenvolvimento humano, que os jovens adolescente de 15 a 17 anos tem para a escolha profissional ou para definir os estudos futuros. A tendência mundial é inversa: os jovens definiram cada vez mais tarde a trajetória de estudos e a inserção no mundo do trabalho. Para os jovens dos setores populares, diante das desigualdades sociais e de suas precárias condições econômicas, este “sonho” de escolha normalmente lhes é roubado.
A reforma do ensino médio, ao definir itinerários formativos de forma precoce, pode levar uma grande parte da juventude a viver, ao final do ensino médio, um drama pela escolha compulsória ou precipitada.
Mas, os mais atingidos sem dúvida por essa proposta serão os setores populares, cerceados de suas possibilidades futuras e tendo que enfrentar ainda maiores dificuldades para superar o abismo das desigualdades sociais que são permanentemente (re)produzidas.