Por cinco dias, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi a casa da Educação brasileira, abrindo suas portas para mais de 2.200 inscritos, com sotaques dos quatro cantos do país. Diversos espaços de seu campus em Florianópolis receberam sessões conversa, minicursos e sessões especiais, com mais de 600 trabalhos apresentados e 270 convidados entre pesquisadores nacionais e internacionais, de países como Argentina, Chile, Peru, Inglaterra e França. Logo em sua conferência de abertura, Luiz Dourado (USP) pontuou as tensões que envolvem o Plano Nacional da Educação (PNE), tema do encontro, das perspectivas de proposição à conjuntura política e econômica atual para sua materialização. "Mas além disso, o plano traz um conjunto de grandes temáticas e ele foi objeto de embates os mais diversos", observa Dourado.
E a 37a Reunião Nacional da ANPEd procurou expor exatamente esse diversificado conjunto ao longo de sua programação, entendendo o PNE mais do que uma lei, como um campo de disputas. Roberto Leher, reitor da UFRJ, esteve em sessão que debateu o documento Pátria Educadora e a Base Nacional Comum, em mesa que também contou com Luiz Carlos de Freitas (Unicamp), ambos expondo a ofensiva da mercantilização e empresariamento na Educação. "Raramente podemos parar pra pensar qual a extensão, quais são os sujeitos que organizam o processo de controle da Educação pelo capital. E um evento como este ajuda pelo menos as entidades acadêmicas e os grupos de trabalho a pensarem a questão de uma forma mais sistemática e organizada", observa Leher. Da docência aos investimentos na área, o PNE perpassou as diferentes atividades, não apenas como estímulo ao debate, mas também como busca de novos caminhos. "Acho que a ANPEd nessa reunião foi muito feliz em pautar o tema do PNE, até porque é uma entidade que construiu todo esse processo nas etapas da conferência nacional da educação em 2008 e nas Conae 2010 e 2014. E vão ser importantes os desdobramentos daqui pra fortalecer a implementação do PNE", analisa Heleno Araújo, coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE).
- Confira o vídeo geral da 37a Reunião Nacional da ANPEd
Na Carta de Florianópolis, aprovada na Assembleia Geral durante o evento, a Associação expôs a difícil conjuntura política e econômica pela qual passa o país e que tem atingido a Educação - o que já foi tema de inúmeros posicionamentos da ANPEd ao longo do ano. No documento, a ANPEd afirmou e reafirmou seu "compromisso com a educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada, e com a produção acadêmico-científica qualificada, crítica e comprometida com a transformação da sociedade, visando a justiça e igualdade sociais."
Além de ter o PNE como norteador das atividades propostas, de forma mais abrangente a Reunião Nacional espelha o conhecimento produzido nos mais de 140 programas de Pós-Graduação em Educação, ganhando aprofundamento nos 23 Grupos de Trabalho que integram a Associação. Dessa forma, o encontro mostra a sinergia da Educação com vários outros campos, como Sociologia, Artes e Comunicação. Professor da Universidade Paris Descartes (França) e convidado a participar de sessões especiais e a ministrar um minicurso no evento, o peruano Danilo Martucelli percebeu o encontro da seguinte forma: "A dinâmica da ANPEd, pelo pouco que pude descobrir nestes dias, é distinta em relação aos muitos congressos que já participei. Há um trabalho acadêmico, um segmento dos grupos de trabalho, e uma capacidade de conhecimento das pessoas que fazem com que os debates sejam extremamente fluidos. E me parece nesse ponto uma dinâmica de trabalho coletivo extremamente exitosa."
A intensidade dos cinco dias de programação ainda contou com a realização da 2a Homenagem Paulo Freire - desta vez reconhecendo a atuação de coletivos da área de educação, uma exposição de bordados no Hall do Centro de Eventos, organizada por Olinda Evangelista, três mostras de cinema (Curta ANPEd, VIII Mostra Trabalho-Educação e 9a Ciclo de Cinema Clacso ANPEd), feira e lançamentos de livros, além de uma rica programação cultural com apresentações de teatro, dança e música, incluindo chorinho, maracatu e jazz. Transcendendo o papel de mera programação de entretenimento, cada uma destas atividades evidenciou a amplitude do campo da Educação, com investigações que se abrem a suportes como o audiovisual. Isabel Colucci Coelho, da UFSC, participou de uma pesquisa, em parceria com a UFES, que analisou no Twitter elementos de empoderamento de sujeitos que possam inspirar práticas pedagógicas para formação crítica. Para ela, a multiplicidade de perspectivas no encontro? demonstra a riqueza do campo. ?"Na ANPEd a gente percebe muito como é rico o campo da Educação, pela gama de assuntos que são abordados, desde gênero, tecnologia, formação de professores. É interessante a gente ver tudo isso junto, múltiplas perspectivas que formam toda essa identidade do campo, que é essa riqueza, essa pluralidade." E não faltaram espaços de socialização para os bate-papos sobre a educação e as inúmeras vivências culturais comportadas na UFSC durante esses dias. Nesse sentido, não dá para esquecer as deliciosas opções gastronômicas ofertadas nos food trucks instalados em frente ao Centro de Eventos.
Todo o evento contou com intensa cobertura nas Redes Sociais da internet feita pela Comunicação da ANPEd, com transmissão ao vivo e flashs de atividades, produção diária de vídeos, entrevistas, fotos e informações sobre o dia-a-dia do encontro - ao todo foram 25 vídeos produzidos durante o evento, chegando ao patamar de mais de 100 mil pessoas alcançadas nas publicações via Facebook da Associação até o momento. A proposta, no entanto, pautou-se pela integração dos participantes também como produtores de conteúdo, possibilitando tanto àqueles que estiveram na UFSC quanto aos associados de todo o Brasil que não puderam comparecer à Reunião Nacional acompanharem e participarem da cobertura. Defensor do aprofundamento do potencial da internet para a Educação e integrante do GT Educação e Comunicação, Nelson Pretto (UFBA) salienta que "a Educação, os professores, a escola, a universidade e a ANPEd precisam compreender a força e o poder de todas essas tecnologias na possibilidade de fortalecer aquilo que é o fundamental na Educação que é a formação da cidadania, criando uma ambiência para que o ciberespaço de fato represente a diversidade do mundo contemporâneo".
Ao final da 37a Reunião Nacional, a presidente da ANPEd, Maria Margarida Machado (UFG), apontou a conquista de sediar o encontro em uma universidade pública pelo segundo ano seguido (em 2013 o evento foi realizado na UFG de Goiânia), sem deixar de reconher os naturais contratempos de se organizar um encontro para quase 3 mil pessoas. "O principal sentimento é de missão cumprida. Nós tínhamos muita expectativa de que a segunda reunião nacional da ANPEd numa universidade funcionasse e que de fato a gente não perdesse em qualidade, porque de fato a nossa grande expectativa aqui era de que as pesquisas pudessem ser representadas em ambiente que fosse favorável ao participante e que eles podussem também gostar de estar conosco nessa convivência." E Maria Margarida Machado coloca outro ponto como decisivo para o êxito do encontro: o envolvimento dos alunos de graduação e pós-graduação da UFSC, num total de 65 monitores que se dedicaram totalmente ao encontro. "Eles começam agora conosco e serão a ANPEd daqui a algum tempo".
E os novos passos da ANPEd já começaram a ser dados em Florianópolis, com a candidatura única da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) para sediar o encontro de 2017 - serão feitas visitas para avaliação de condições técnicas para esta realização. Além do anúncio de candidatura única para a gestão 2015-2017 (acesse a carta e blog da chapa), novos contornos do futuro da Associação também foram dados com a aprovação em Assembleia da resolução dos encontros regionais, estabelecendo maior diálogo e organização mais orgânica e integrada entre reuniões regionais e nacional - em 2016 cada uma das cinco regiões promoverá um encontro, com a novidade do Norte do país. Esperamos todas lá para escrevermos juntos as próximas linhas da história da ANPEd.
Reportagem: João Marcos Veiga