Santo de casa não faz milagre.. | por José Marcelino de Rezende Pinto

por José Marcelino de Rezende Pinto (USP)

Há muito tempo os pesquisadores sérios do Brasil vem denunciando o baixo valor gasto por aluno no país, claramente insuficiente para garantir um padrão básico de qualidade de ensino. Enquanto isso, boa parte da mídia dá amplo espaço para um perfil específico de pesquisadores, em geral economistas próximos ao mercado, que insiste em dizer que o problema da educação brasileira não é de falta de recursos, mas de gestão. Sua linha de argumentação é comparar o gasto com educação em relação do PIB do Brasil com aquele praticado por países desenvolvidos, mostrando que os índices são equivalentes, em torno de 5% do PIB. O que esses argumentos ocultam é que, dado o pequeno tamanho do PIB brasileiro e as dimensões dos desafios educacionais, quando se considera o recurso disponível por estudante, chega-se a valores de três a quatro vezes menores que aqueles praticados pelas nações que já resolveram seus problemas básicos de acesso e permanência com sucesso no sistema educacional.   

Pois bem, esteve recentemente no Brasil Andreas Schleicher, diretor do departamento de educação da OCDE (Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e um dos criadores do PISA, para divulgar o desempenho do Brasil nesse famigerado exame, criado pelos países ricos para avaliar o desempenho de seus estudantes, mas que cada vez mais agrega os países que sonham em entrar na OCDE, mesmo que seja para passar vergonha. Esses países, entre eles o Brasil, em geral ocupam as piores posições do ranking, até porque, como mostram os próprios estudos da OCDE, o desempenho dos estudantes está diretamente relacionado à renda per capita do país e inversamente relacionado à desigualdade. Eles são considerados ‘parceiros’ pela OCDE.

E quais foram os principais ‘achados’ do Relatório Brasil (“Education at Glance-Brazil”) feito pela OCDE, considerando um conjunto de indicadores? Cabe lembrar que a OCDE trabalha com dados fornecidos pelos próprios países, no caso do Brasil, o INEP/MEC.

Em primeiro lugar o estudo mostra que apenas 15% da população de 25 a 54 anos teve acesso à educação superior; nos países da OCDE esse índice é de 37%, sendo 21% na Argentina e 22% no Chile e Colômbia.

No estudo fica clara a distância no gasto/aluno. Enquanto o Brasil gastou, em média, US$ 3.000 por aluno na educação básica, em dólar com paridade de poder de compra (medida que considera as diferenças no custo de vida entre os países), a média da OCDE foi de US$ 8.700 pra o ensino primário e US$ 10.100 para o secundário. No caso da educação superior, quando se considera os gastos com P&D, o gasto/aluno fica em US$ 11.700 no Brasil, ante US$ 16.100 na média da OCDE. Cabe salientar que o gasto/aluno com P&D foi de US$ 5.100 na OCDE, contra apenas US$ 1.100 no Brasil.

No período de 2010 a 2014, o gasto público com educação superior cresceu 7% e a matrícula 34%, resultando em queda de 20% no gasto por aluno, enquanto nos países da OCDE este indicador cresceu 6%.

Outro ponto relevante refere-se ao papel do governo federal no financiamento. Enquanto na educação superior a média do Brasil se equivale àquela dos países da OCDE - respondendo o governo central por 80% dos recursos -, no caso da educação básica o governo federal brasileiro responde por apenas 16% do total dos recursos para educação, ante uma média de 55% para os países da OCDE.  Não é a toa que todos os estudos relativos ao PNE 2014-2024 apontam para a necessidade da União ampliar seu papel no financiamento da educação.

Um indicador interessante levantado no relatório refere-se à razão entre o gasto público com educação superior frente ao gasto total em educação. Em geral, os ‘pesquisadores do mercado’ citados acima e seu colegas do Banco Mundial insistem em dizer que é o elevado gasto com educação superior que inviabiliza a melhoria da educação básica. Ora, o mesmo relatório indica que essa razão, que corresponde a 22%, está um pouco abaixo daquela encontrada na média dos países da OCDE. 

Como se pode perceber, os dados trazidos pela OCDE não representam exatamente o que o governo Temer gostaria de ouvir e, talvez por isso mesmo, não foi dada muita repercussão a seus dados. Não obstante os esforços da mídia local de bater na tecla da ineficiência do gasto no Brasil, Andreas comentou, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que o Brasil gasta apenas US$ 38 mil para formar um aluno na educação básica (6 a 15 anos no modelo OCDE) e que os estudos da OCDE mostram que os aumentos no gasto até um patamar de US$ 80 mil por aluno afetam positivamente o desempenho dos alunos no PISA. Acima desse patamar mínimo de gastos por aluno pode-se dizer que o dinheiro deixar de fazer diferença*, segundo ele. Relata ainda a razão “extraordinariamente alta entre o número de alunos por professor” que caracteriza os países ibero-americanos e que afeta o desempenho ao dificultar um acompanhamento mais perto dos alunos em classe por parte do professor. Por fim, citando os países ‘bem sucedidos’ no PISA, como a Finlândia, afirma que o segredo está na qualidade dos professores, que passa pela qualidade da formação inicial, carreira e remuneração. Cabe comentar que no relatório da OCDE, o salário inicial dos professores da educação básica no Brasil é de US$ 13 mil por ano, enquanto na maioria dos países da OCDE ele fica acima de US$ 30 mil por ano.

Ou seja, parece que a OCDE anda aprendendo um pouco com o que há muitos anos dizem os pesquisadores brasileiros comprometidos com a melhoria da escola pública. Em tempos de governo golpista é pouco provável que o Sr. Andreas receba convite para breve retorno ao país.

* Desenvolvo um pouco essa discussão entre investimento educacional e qualidade em: Pinto, J.M.R https://epaa.asu.edu/ojs/article/view/1378