Neste início de 2016, a Revista Brasileira de Educação (RBE) completa vinte e um anos de trabalho dedicados à divulgação científica e à promoção do debate das principais questões que perpassam o campo educacional. Esse percurso tem possibilitado a acumulação de experiência editorial, envolvendo o aperfeiçoando do processo de submissão e de avaliação de artigos, a ampliação da circulação do periódico, incluindo a publicação de parte dos artigos em versão bilíngue, e, sobretudo, a afirmação do periódico como fonte privilegiada de consulta para a identificação de tendências em curso na pesquisa e na escrita acadêmica nos cenários nacional e internacional. Entre essas tendências e temas de pesquisa que figuram no campo educacional, destacamos o ensino superior e as diferentes dimensões da vida universitária.
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Nesse sentido, reunimos neste número artigos que tratam desse assunto, imbuídos da problematização de questões relacionadas à função social da universidade, às políticas públicas ou às ações formativas relacionadas ao ensino superior. Ainda que o cenário evocado seja tímido, diante do volume de trabalhos que envolvem, por exemplo, a educação básica, em seus diferentes níveis e enfoques, temos nesta edição uma amostra da produção de argumentos sobre as práticas instituídas e instituintes do ensino superior, bem como elaborações oriundas da história institucional da universidade, com seus métodos, políticas, sujeitos e objetivos sociais e educacionais. São argumentos que traçam caminhos e, ao mesmo tempo, os refletem criticamente, em um processo de avaliação constante para se pensar e fazer o ensino superior com mais qualidade no país.
A dinâmica de se pensar a educação superior tem sido gerada em seu próprio movimento interno, pelo qual as relações entre o ensinar e o aprender de adultos são produzidas com fortes traços que ligam e impulsionam as instituições de ensino superior ao projeto de internacionalização, fato que influi fortemente na elaboração de políticas públicas para o ensino superior.
Sendo assim, a RBE apresenta um conjunto de artigos que, em sua diversidade epistêmica, focaliza o ensino superior e a experiência universitária. O tema é tratado em diversas frentes: produção de indicadores de avaliação; valorização da competência oral na formação dos estudantes universitários; demanda de escolarização superior de movimentos de migração rural-urbana e as transformações da universidade brasileira em relação ao seu espaço, financiamento, gestão e produção do conhecimento. O regresso de licenciados ao ensino superior por intermédio da pós-graduação é outro tema apontado. Outras ênfases que sustentam argumentos sobre a educação superior também se somam com as antes mencionadas e adensam estudos no campo das políticas educacionais e da história da educação.
O primeiro artigo, “A qualidade da educação superior e o complexo exercício de propor indicadores”, de Marilia Costa Morosini, Cleoni Maria Barbosa Fernandes, Denise Leite, Maria Estela Dal Pai Franco, Maria Isabel da Cunha e Silvia Maria Aguiar Isaia, apresenta reflexões sobre a qualidade da educação superior realizada no Projeto Observatório da Educação Superior, desenvolvido pela RIES/CAPES/INEP. As autoras apontam a complexidade de propor indicadores de avaliação que assumam o caráter contextualizado e temporal da universidade e a multirreferencialidade como valor. Temas como internacionalização, gestão, ensino de graduação, inovação, formação e desenvolvimento profissional docente são destacados e relacionados à qualidade da educação superior. O segundo artigo, de Domingo Verano-Tacoronte, Sara M. González-Betancor, Alicia Bolívar-Cruz, Margarita Fernández-Monroy e Inmaculada Galván-Sánchez, traz a comunicação oral como uma competência a ser considerada no ensino universitário por sua rele- vância no processo de inserção no mundo do trabalho. Os autores apresentam pontos do desenvolvimento de uma rubrica, sendo esta um instrumento de avaliação. O exemplo trazido aponta como uma rubrica desenvolvida pode ser uma ferramenta válida e confiável para avaliar a competência da comunicação oral.
Outro aspecto que se agrega à discussão diz respeito à migração rural-urbana de jovens, filhos e filhas de pequenos produtores rurais que buscam universidades. Nessa perspectiva, Nadir Zago, com base em estudos sociológicos – especialmente estudos sobre os movimentos migratórios – e entrevistas com universitários de diferentes cursos e procedentes de áreas rurais do oeste do estado de Santa Catarina (período 2011-2012), trata das relações entre as transformações sociais no campo e as demandas por escolarização em nível superior e destinos socioprofissionais desses jovens.
As transformações pelas quais vem passando a universidade brasileira, em relação à configuração institucional, ao seu financiamento, gestão e produção do conhecimento, são discutidas em artigo de Zuleide Simas da Silveira e Lucídio Bianchetti. Em “Universidade moderna: dos interesses do Estado-nação às conveniências do mercado” são destacados os modelos de universidade, humboldtiano, napoleônico e norte-americano, de modo que se possa captar o desenvolvimento dessas concepções, sua convergência e materialização na universidade modernizada. Logo, sublinha-se que, no decurso dos processos de internacionalização da economia, a ideia de universidade passa a alinhar-se ao desenvolvimento econômico por mediação da política científico-tecnológica, sob a orientação de organismos supranacionais. Aponta-se, finalmente, para a contrarreforma universitária como um triplo processo: a integração subordinada da educação à política de ciência, tecnologia e inovação; a diversificação e hierarquização institucional segundo a oferta e duração dos cursos; e o empresariamento da educação.
Como desdobramentos desse movimento de institucionalização e desenvolvimento da universidade, não essencialmente no Brasil, são apresentados outros três artigos que encerram esse bloco. Trazendo a pós-graduação para as discussões com relação ao ensino superior, Mariana Gaio Alves analisa o retorno de licenciados ao ensino superior.Trata-se de um estudo realizado em duas universidades de Portugal, no qual se busca entender o retorno de licenciados e as relações desse processo com situações de inserção profissional: a satisfação com a trajetória profissional após a licenciatura, a percepção sobre a adequação entre diploma de ensino superior e ativi- dade profissional e algumas variáveis de caracterização social. O debate é relevante no contexto atual, tendo em conta, por um lado, que a educação ao longo da vida assume uma centralidade crescente nas sociedades contemporâneas e, por outro, que a precarização do emprego dos licenciados tem sido uma tendência forte no mercado de trabalho.
Outro tema abordado é o da educação ambiental. Vanessa Marcondes de Souza, em “Para o mercado ou para a cidadania? A educação ambiental nas instituições públicas de ensino superior no Brasil”, destaca que as instituições de ensino superior (IES) têm sido chamadas para buscar soluções para a crise ambiental. Todavia, a despeito da participação e de algumas ações promovidas, existem diferenças entre as visões sobre o meio ambiente. A autora argumenta que a inserção das empresas dentro dos cursos ambientais pode conduzir a formação universitária para o atendimento dos interesses do mercado, retardando a superação dos problemas ambientais. O desafio é a ambientalização das IES públicas, tanto nas estruturas acadêmicas quanto no fazer pedagógico, para a apropriação do saber ambiental.
Encerrando esse conjunto de artigos, “Ensino superior e desenvolvimento regional: o Norte de Minas Gerais na década de 1960” destaca os condicionantes históricos, com base na análise de documentos oficiais e da imprensa escrita, que contribuíram para a implantação do ensino superior no Norte de Minas. Os autores César Rota Júnior e Maria Helena de Souza Ide concluem que o desencadeamento do processo de desenvolvimento econômico regional, impulsionado por ações do Estado, veio exigir maior investimento em educação, a fim de formar cidadãos que pudessem dar sua contribuição ao processo de industrialização e adaptados à consequente urbanização, culminando na implantação dos primeiros cursos superiores, todos de formação de professores.
Um segundo grupo de textos analisa políticas educacionais. O primeiro aborda aspectos socioeconômicos e ideológicos da política educacional nacional para a educação profissional no Brasil em período recente (2003-2013). Roberto Antonio Deitos e Angela Mara de Barros Lara buscam compreender as justificativas e proposições governamentais para as políticas públicas de educação profissional. Assinalam alguns aspectos socioeconômicos e ideológicos que consideram a existência de deficiências formativas da força de trabalho e que, desse modo, estariam produzindo insuficientes condições para atender a demandas dos setores produtivos e, consequentemente, elevar a escolarização, qualificação e renda salarial no país. Outro artigo de políticas educacionais destaca, em linguagem paradoxal, a força e a miséria de um ideário presente nas políticas educacionais contemporâneas. Wanderson Ferreira Alves, a partir de uma abordagem teórica de educação e de pesquisas no âmbito das ciências do trabalho, discorre sobre o projeto de mensuração do trabalho pedagógico presente em algumas políticas educacionais contemporâneas, bem como o alcance da racionalidade gerencial que a acompanha, confrontando ambas à complexidade da atividade humana de trabalho. Inicialmente, busca-se caracterizar as fontes e o alcance do “novo” management na educação. Logo, em direção inversa a precedente, evidenciam-se limites e impasses da educação escolar orientada pela racionalidade gerencial. Por fim, são discutidas a dinâmica das situações de trabalho, a complexidade da atividade humana e os desafios que o mundo do trabalho atual impõe a toda tentativa de mensuração do trabalho.
Os dois artigos que encerram este número se inscrevem na história da educação. Fabiany de Cássia Tavares Silva apresenta “Estudos comparados como método de pesquisa: a escrita de uma história curricular por documentos curriculares”, no qual discorre sobre as condições teóricas e metodológicas que se colocam à utilização dos procedimentos do estudo comparado. Ao destacar os fundamentos, as áreas e os procedimentos, também se analisam as diferenças e as semelhanças, explorando conteúdos das informações e estabelecendo relações com as distintas situações em que foi/é produzida uma história curricular.
Por fim, o último artigo, “A invenção dos recreios nas escolas primárias paranaenses: o lugar da educação do corpo, dos sentidos e das sensibilidades na escola”, de Sidmar dos Santos Meurer e Marcus Aurelio Taborda de Oliveira, destaca a construção social dos recreios escolares. Os autores problematizam o recreio a partir da ideia de renovação da escola pública primária no Brasil. O recreio escolar é pensado como um dispositivo curricular que vai de uma prática informal a um elemento constitutivo das normas definidas pela escola. Para sua construção argumentativa, os autores analisam retóricas de autoridades e registros de professores de escolas públicas do Paraná, das primeiras décadas do século XX. Assim, o recreio é visto desde o entendimento difuso sobre o seu significado até a onda renovadora sobre o desejo de uma nova sensibilidade que afirmava a atividade, a experiência e o trabalho ora como meio, ora como fim da educação pública primária.
Este número da RBE se encerra com a apresentação de duas resenhas em temas apresentados nesta edição: educação superior e políticas públicas. A primeira é da obra organizada por Charles Soulié, Un mythe à détruire? Origines et destin du Centre Universitaire Expérimental de Vincennes. O livro possibilita compreender as razões e o significado da instalação dessa universidade em um momento crítico da história francesa, marcado por profundas transformações intelectuais e sociais. Segundo a resenhista Graziela Serroni Perosa, a obra é referência para pesquisadores que se dedicam a analisar as características da expansão e diversificação das modalidades de acesso ao ensino superior brasileiro. A segunda resenha foi elaborada por Carmem Inez de Oliveira e Maria Luiza Gazolla Reis da Silva. As autoras apresentam a obra Internacionalização das políticas educacionais: transformações e desafios, de Abdeljalil Akkari. Refletindo sobre a internacionalização das políticas educacionais no Brasil, Akkari aborda a democratização, a descentralização, a medida do desempenho dos alunos por meio de exames nacionais (Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM; Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB; Prova Brasil) e as influências das organizações internacionais, tais como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), defendendo que é impossível pensar na política educacional brasileira sem considerar as tendências e os debates internacionais.
A RBE destaca a importância dos temas trazidos neste número, em consonância com discussões que têm pautado o cenário da educação brasileira, e agradece a seus autores e autoras.
Esperamos que todos e todas tenham uma ótima leitura.
Carlos Eduardo Vieira
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Antonio Carlos Rodrigues de Amorim
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil
Cláudia Ribeiro Bellochio
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil
Laura Cristina Vieira Pizzi
Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil
Marcelo Andrade
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Maria da Conceição Passeggi
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
Marília Gouvea de Miranda
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
Rio de Janeiro, janeiro de 2016