Prestigiada e fortalecida, Conae 2024 entrega base para PNE à altura da Educação brasileira para a próxima década

por João Marcos Veiga/ANPEd

O encerramento da Conferência Nacional de Educação (Conae) nesta terça (30) em Brasília, na UnB, foi marcado pelo sentimento de dever cumprido frente ao desafio de uma construção coletiva do novo Plano Nacional de Educação (PNE).

O texto final aprovado pelos cerca de 2,5 mil delegados de todo o país será encaminhado ao Ministério da Educação (MEC), a fim de nortear o projeto de lei do PNE 2024-2034, a ser enviado ao Congresso Nacional. Professores, representantes de entidades de estudantes, da pós-graduação, dos trabalhadores e da pesquisa entoaram: “a Educação voltou!”.

Os três dias de programação contaram com observadores internacionais convidados. Presidente da Internacional da Educação, Susan Hopgood afirmou que considera esta uma “experiência única em todo mundo”, por envolver debates e proposições em mais de 4 mil municípios, todas os estados e Distrito Federal, culminando no encontro nacional.

Para Heleno Araújo, presidente do Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador da conferência, a Conae espelha uma sociedade civil organizada que volta a fazer parte dos rumos democráticos do país.

A presidenta da ANPEd, Miriam Fábia Alves, avaliou que “terminamos a Conae com a sensação de termos cumprido um papel importante pra educação brasileira, para pautar a política pública de educação, porque esse documento representa, depois de seis anos, um balizador das nossas demandas, das nossas necessidades para os próximos dez anos”. A pesquisadora espera que o documento o governo federal, mas também o Congresso “na busca de um novo PNE que expresse os desejos dessa sociedade”.

O documento final

O texto final indica o desejo latente da comunidade educacional de um investimento robusto de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área, além de pontos específicos, como a revogação do Novo Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A presidenta da ANPEd destaca que o documento reivindica o direito à educação - da infantil a pós-graduação -, financiamento (na pós e pesquisa), abrangendo também a educação básica, os profissionais da educação e o enfrentamento da militarização das escolas, entre outros temas. “É um documento muito ampliado, que inclusive discute o desenvolvimento sustentável, a crise climática e como a educação, a escola, a pesquisa e a pós-graduação podem contribuir”.

Prestigiada por ministros de Estado e observadores internacionais, a conferência contou no último dia com a presença do presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu pronunciamento, destacou o papel democrático da Conae e de retorno do Fórum Nacional de Educação (FNE), além de pontuar a retomada de mais de 80 programas sociais e políticas públicas de educação no país, com aumento de investimentos e bolsas, a exemplo do Pé de Meia, para incentivar a permanência de estudantes no ensino médio. Lula também relembrou os ataques e desmontes do último governo, o avanço da extrema direita em todo mundo e a necessidade de vigilância democrática permanente. Por fim, cumprimentou pessoalmente os integrantes do FNE. 

ANPEd na Conae

Retomado em 2023 após desmonte empreendido em 2017, o Fórum Nacional de Educação conduziu a organização de toda a Conae 2024. Como integrante do FNE junto a outras 62 entidades, a ANPEd reassumiu a coordenação da Comissão de Sistematização e Monitoramento do PNE, representada por Geovana Lunardi, presidenta da Associação até o ano passado.

O grupo esteve à frente da elaboração do documento base, que subsidiou as etapas iniciais, do documento referência apresentado no evento e formatará o texto final a ser encaminhado ao MEC 

“A gente sai com avaliação muito positiva, justamente pela retomada da participação social. A ANPEd teve papel fundamental junto a outras entidades que foram parceiras nesse processo. As conferências nacionais do governo são experimentos inovadores de participação social nas políticas públicas. E a gente sai dessa experiência muito fortalecido",  afirma.

Como explica Lunardi, o trabalho não para por aqui. “A perspectiva do Fórum é seguir vigilante na construção deste PNE. A nossa ideia é ajudar a constituir esse plano no sentido de que seja um projeto de lei que de fato represente as expectativas que temos para o país. E a gente vai seguir juntos no enfrentamento para que isso seja aprovado e que depois a gente possa fazer um adequado monitoramento e acompanhamento de todas as metas que forem construídas”.

Para Adda Echalar (GO), uma das delegadas que representaram a ANPEd na conferência, comparecer e fazer parte da Conae é algo especial por se tratar de “um marco da educação de retomada de democracia, do debate popular para se pensar coletivamente, entre as associações, os representantes de pais, a família, os grupos e movimentos, o que nós queremos para o Brasil, da pauta de Educação pros próximos 10 anos”, afirma. “Então foi um trabalho muito cansativo, intenso e árduo, mas com certeza o nosso país e o nosso povo vão ganhar porque é resultado de um processo democrático e coletivo”.

Colóquios

Além das plenárias que discutiram as mais de 8 mil emendas recebidas nos sete eixos do Documento Referência, a Conae 2024 promoveu 38 colóquios simultâneos na manhã do segundo dia do evento (29). Os encontros, que reuniram importantes pesquisadores da educação, foram uma oportunidade de aprofundar debates sobre temas centrais da área, em sintonia com a construção do novo PNE. A ANPEd esteve envolvida na proposição direta de dois colóquios, organização coletiva de outros quatro e mediação e participação de pessoas associadas em diversas atividades desta programação. 

Mediador do colóquio “Educação com qualidade social“, Claudio Pinto Nunes (UESB), integrante da gestão ANPEd em Movimento(s), acredita que a atividade cumpriu um papel de analisar a questão em diferentes contextos e territórios, tendo em vista novos direcionamentos para a próxima década.

Angela Scalabrin Coutinho (UFPR) trouxe o direito à educação a partir de uma construção coletiva, diversificada e democrática de qualidade em diferentes espaços e particularmente na educação infantil. Ana Claudia Rodrigues (UFPB) se debruçou sobre o direito a uma escolarização integral em seu sentido amplo, não apenas do tempo. Já Maria Luiza Sussekind (Unirio) fez uma fala pautada na questão dos currículos e pensando nos tempos-espaços dos cotidianos nas escolas, exibindo documentário que expõe as diferentes violências praticadas nos contextos patriarcais das escolas. 

Miriam Fábia Alves integrou dois colóquios sobre gestão democrática. O primeiro deles contou com a presença de Alfredo Gomes (Andifes), reitor da UFPE, da senadora Teresa Leitão e de Lueli Silva (Forumdir), coordenadora da FE-UFG. Já o segundo, com Fernando de Araújo Penna (UFF), Aline Daiane Mascarenhas (UNEB) e mediado por Catarina de Almeida Santos (UnB), expandiu o debate sobre temas como a militarização, plataformização, privatização e também da violência contra os profissionais e estudantes.

A presidenta da ANPEd destaca que a sessão contou com um grande público que participou ativamente, com a palavra sendo concedida a professores, estudantes, representantes de movimentos e de sindicatos. “Foi um momento impressionante e confesso que fiquei muito emocionada com a participação dos estudantes, das famílias, dos profissionais da educação. Sou muito grata de ter participado desse momento”, celebra.