Pesquisadoras/es da ANPEd analisam a proposta-síntese do MEC para o ensino médio

Pesquisadoras/es da ANPEd que participaram da série de seminários “Ensino Médio: o que as pesquisas têm a dizer? Subsídios para a Consulta Pública", realizada entre maio de junho, foram convidados a  analisar os pontos positivos e negativos da proposta-síntese de reformulação do ensino médio, divulgada pelo Ministério da Educação (MEC) em 8 de de agosto.

A iniciativa se dá a partir do reconhecimento do esforço de escuta à sociedade, em paralelo aos avanços do debate sobre a construção do do Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034, atualmente em andamento - que é o principal objetivo a ser enfrentado pelo país no campo da educação.

Os seminários da ANPEd tiveram como objetivo promover o debate sobre o ensino médio, a partir de evidências e resultados de pesquisas realizadas em diferentes regiões brasileiras, trazendo, portanto, perspectivas locais e a diversidade de olhares sobre o tema. Ao todo, foram realizados cinco eventos, um por região, no qual pesquisadoras/es apresentaram seus estudos e análises. 

Como resultado, a ANPEd elaborou um relatório com as principais conclusões, entregue ao MEC e que pode ser baixado aqui.

Assista aqui as gravações dos seminários “Ensino Médio: o que as pesquisas têm a dizer?”.

Entre os principais pontos destacados como avanço pelas/os pesquisadoras/es que se manifestaram sobre a proposta-síntese do MEC estão o aumento da carga horária da formação geral básica e a redução da carga horária a distância.

No entanto, há desafios e pontos que precisam ser esclarecidos, por exemplo, com relação à denominação e quantidade de itinerários formativos oferecidos - segundo a proposta do MEC seriam três percursos de aprofundamento: linguagens, matemática e ciências da natureza; linguagens, matemática e ciências humanas e sociais e formação técnica e profissional.

Outro ponto que desperta atenção das pesquisadoras/es é a formação profissional, visto que a proposta-síntese do MEC menciona  uma carga horária de formação geral menor (2.200 horas) do que a prevista para a formação regular (2.400 horas), o que criaria uma desigualdade na formação geral básica.

 

A seguir, a íntegra das análises das pesquisadoras/es:

Eliza Bartolozzi Ferreira, Universidade Federal do Espírito Santo  (UFES)

Primeiramente, é importante destacar que o documento-síntese apresentado pelo MEC acerca da avaliação e proposta de reestruturação da reforma do ensino médio pode ser considerado uma vitória dos movimentos sociais e acadêmicos organizados pela revogação da Lei n. 13415/2017. Sem esses movimentos, o MEC do governo Lula seguiria com a política educacional de Michel Temer e seus colaboradores públicos e privados. 

Em segundo, destacamos alguns pontos positivos apresentados no documento do MEC, mas ainda permanecem aspectos negativos (ou pouco explorados pelo MEC) do ponto de vista da garantia de um ensino médio como direito de todos/as e de valorização da profissão docente. 

Pontos positivos:

  • Aumento da carga horária destinada à formação geral básica para 2.400 horas.

  • Inclusão do espanhol, arte, educação física, literatura, história, sociologia, filosofia, geografia, química, física, biologia e educação digital entre as disciplinas obrigatórias.

  • Proibição do ensino à distância na formação geral básica.

  • Manter o Enem circunscrito à formação geral básica.

Pontos negativos:

  • A proposta de mudança de quantidade e de denominação dos itinerários formativos é vaga e pode repetir os mesmos problemas observados na lei em vigência.

  • A permanência do currículo organizado por áreas de conhecimento enquanto os docentes são formados por conhecimento específico.

  • A possibilidade do uso do ensino à distância na carga horária destinada aos aprofundamentos e/ou à formação técnica.

  • A permanência do notório saber.

  • Ausência da discussão ou de proposta de revogar a BNCC.

  • Ausência de discussão ou de proposta de revogar a BNC-formação de professores.

  • Fomento à oferta da educação profissional desarticulada da formação geral. Ou seja, ausência da discussão sobre o ensino médio integrado, que se trata de uma política criada no governo Lula (2003-2010).

  • Fomento à política de tempo integral desconectada da garantia da oferta da educação de jovens e adultos.

 

Fernando Cassio, Universidade Federal do ABC (UFABC)

Minha avaliação inicial é que tem algumas sinalizações positivas, duas em particular: a questão das 2.400 horas mínimas de formação geral básica, que me parece que é um ponto central, e o ensino presencial. São dois pontos centrais. 

Porém, há outras questões bastante preocupantes, como não abrir mão da ideia de itinerário formativo, o que deixa um flanco aberto para os cursos profissionalizantes de baixa complexidade concorrerem com o ensino médio integrado, com o ensino técnico de verdade. Este é um ponto de fragilidade, pois os estudantes que optarem por fazer esses cursos, esses itinerários, teriam uma formação geral básica de 2.200 horas. 

Isso é complicado porque, como a carga horária mínima total é de 3.000 horas, não faz sentido rebaixar a formação geral básica de um estudante que opta pela formação profissional. Tanto que as próprias fundações empresariais, a Confederação Nacional da Indústria (CNI),  já estão trabalhando para tentar rebaixar a formação geral básica de todo mundo para 2.200 horas. 

Acho que ficaram algumas coisas em aberto e os defensores da reforma [do ensino médio de 2017] não pretendem abrir mão de nada, quer dizer, talvez abram mão da questão da formação geral básica, mas acho que nós temos aí uma grande luta pela frente. 

O documento resultante dos seminários da ANPEd foi bastante claro, bastante específico, após coletar dados e evidências nas cinco regiões do país, era que a reforma devia ser revogada. Portanto, nenhum ponto da Lei 13.415, considerando todas as pesquisas e evidências já disponíveis, para de pé ou consegue produzir aquilo que promete. 

É positivo que o Ministério da Educação tenha trazido algumas sugestões, inclusive de diminuir os retrocessos em relação à formação geral básica e ao ensino à distância indiscriminado na educação básica, mas tem muitas coisas que precisam ainda ser trabalhadas e disputadas por nós agora numa perspectiva de mudança na lei. E os defensores da reforma de sempre estarão dispostos a reduzir o quanto puderem da formação geral básica de 88% dos estudantes do ensino médio do país, que estão nas redes públicas. 

Então, alguns bons sinais, mas também a sinalização de que a luta vai ser árdua.

 

Katharine Ninive Pinto Silva, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Essa pauta da “reforma educacional” no Brasil é anterior à Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio e tende a se manter por muito tempo, apesar da importante pressão de educadores, pesquisadores e estudantes para que o Novo Ensino Médio seja revogado. 

Isso porque, mesmo a proposta atual tendo oferecido alguns passos no sentido de reverter retrocessos anteriores, tais como aumento da carga horária da formação geral e a consideração de outras áreas de estudo como obrigatórias, mantém a dualidade da formação complementar dos itinerários formativos, apesar de reduzir a quantidade destes, bem como a menor oferta de formação geral para quem optar pelo itinerário educação profissional. 

Mas o principal motivo para a permanência dessa pauta da “reforma educacional” no Brasil, é a obsessão com resultados de testes que ainda persiste, principalmente a partir da perspectiva dos reformadores empresariais, que continuam a ditar a política educacional brasileira.

 

Lady Daiana Oliveira da Silva, professora do Colégio Estadual de Igaporã, Bahia.

A reforma do ensino médio, regulamentada pela Lei nº 13.415, de 2016, elucida alterações nos modos de financiamento e organização curricular e mantém o foco do ensino nas avaliações centralizadas, reduzindo dessa forma a educação, a métrica, ao ensino. Inclusive essa normativa já foi incorporada no artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). 

Os efeitos políticos da reforma do ensino médio, que busca por regulamentação dos currículos, que evoca essa regulação dos currículos, constituem tentativas de cercear o fazer docente e controlar os processos pedagógicos das escolas. Nesse movimento, esses constituem alguns dos motivos que eu defendo a revisão dessa normativa, que impacta negativamente na escolarização e na vida de milhões de jovens brasileiros.

 

Monica Ribeiro, Universidade Federal do Paraná  (UFPR)

Novo Ensino Médio de novo. Sobre a apresentação feita pelo MEC em 07/08/23, a partir da consulta pública realizada: primeiras impressões: trata-se de uma "meia revogação"!! 

. Ponto positivo: o Ministério da Educação parece finalmente reconhecer que é necessário revogar a Lei 13.415, ainda que na proposta se trate de alterações parciais.

. Avanços possíveis, caso a proposta seja mantida: ampliação da carga horária da Formação Geral Básica para 2.400 horas; alteração (ainda pouco clara) da ideia de itinerários formativos. Possibilidade de revogar ou rever a BNC - Formação de Professores. 

. Dúvidas (aspectos pouco esclarecidos na proposta): como ficará a formação técnica e profissional (tem vários indicativos mas nada muito definido). 

. Retrocessos mantidos: vinculação obrigatória à BNCC (mesmo com todas os equívocos já apontados até mesmo sobre a existência desse documento); organização obrigatória dos currículos por área (quando as redes de ensino se organizam por disciplinas); possibilidade de formação profissional por meio da junção de cursos de qualificação (o que não assegura sequer uma habilitação profissional); possibilidade de manter a EaD nos cursos de formação técnica e profissional; regulamentação do famigerado notório saber. E uma questão sequer mencionada: será mantida a possibilidade de financiamento público para que o setor privado oferte parte da carga horária do ensino médio no caso dos cursos técnico-profissionais?

 

Nubia Regina Moreira, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

A atual decisão do Ministério da Educação em acatar algumas das reivindicações provenientes das audiências públicas sobre a Reforma do Ensino Médio representa a força das entidades científicas que congregam pesquisadoras e pesquisadores do campo da educação, das/des/dos professores/as da educação básica e principalmente dos mais de seis milhões de estudantes  que sofrem os efeitos diretos  da reforma em suas vidas.

 

Teodoro Zanardi, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG)

Dificilmente passamos uma década sem discutir uma reforma do ensino médio ou daquilo que anteriormente foi chamado de ensino do segundo grau ou ainda o secundário.

A partir de 2017, nos deparamos com uma nova reforma, de forma a promover um outro currículo para o ensino médio sob o pretexto de possibilitar itinerários formativos distintos aos estudantes. 

Essa reforma de 2017 não teve nenhum amparo nas discussões e pesquisas sobre as necessidades reais da educação básica e, por consequência, do ensino médio. Nesse sentido, com a sua implementação foram reveladas para a comunidade brasileira as suas impossibilidades e por isso agora estamos diante de uma discussão sobre a revogação dessa reforma ou de uma reforma da Reforma do Ensino Médio. Essa sem dúvida nenhuma traz um ponto central sobre a concepção central de direito à educação e também da educação básica brasileira. 

Reformas cosméticas naquilo que não está encontrando nenhuma possibilidade de proporcionar um direito à educação de qualidade e de qualidade social aos estudantes, não viabilizará uma possibilidade de currículo do ensino médio que tenha um mínimo de perenidade, porque esse ensino médio tem que ser pensado a partir das realidades escolares. 

É necessário pensar não em um currículo do ensino médio, mas em currículos. Mas só é possível pensar em currículos pensando na realidade escolar e, lado outro, pensando também, nas formas de ingresso no ensino superior, especialmente no ensino superior público e gratuito. 

Enquanto tivermos um ingresso no ensino superior público e gratuito extremamente seletivo e excludente , também teremos um ensino médio também se revelará um momento dessa exclusão. Então por um outro ensino médio é necessário pensar em um modelo de educação efetivamente  democrática, popular e inclusiva.