Pesquisadoras debatem a potência da educação antirracista na mesa de encerramento da 41ª Reunião Nacional

No ano em que comemoramos os 20 anos da Lei 10.639, que tornou obrigatória o ensino da história e cultura africanas e a afro-brasileira, qual é o espaço da educação antirracista nos currículos?  

Este foi um dos eixos de debate da mesa de encerramento da 41ª Reunião Nacional da ANPEd, “Educação e igualdade: (re)construindo um país democrático e antirracista”, com participação de Nilma Lino Gomes, professora titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Kátia Regis, docente da Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (LIESAFRO/UFMA), iniciativa da qual foi uma das idealizadoras. A coordenação ficou a cargo de Geovana Lunardi, presidenta da ANPEd.

 

Nilma abriu a mesa com uma reflexão sobre os termos “combate ao racismo” e “antirracismo”. Embora eles se relacionem entre si, o primeiro tem um caráter bélico, enquanto o termo antirracismo remete a um “tipo de articulação de pessoas negras e não negras que começam a entender a importância de se posicionar frente a esse fenômeno”.

“O antirracismo é uma reivindicação que sempre fez parte da luta do movimento negro e é o objetivo de uma sociedade cada vez mais democrática, no sentido de que nela tem que caber todas as pessoas e ter espaço para todas as lutas legítimas por emanciapação”, afirmou Nilma. 

Mais do que isso, para Nilma, o antirracismo envolve ações que têm o objetivo de enfrentar, combater e superar o racismo presente na estrutura da sociedade. “O antirracismo também é uma postura, pois o racismo precisa ser enfrentado por todas as pessoas, não somente pelas vítimas”. 

Cabe questionar, então, em todas as áreas, espaços e instituições como o racismo se manifesta e reproduz - inclusive na educação, onde é preciso desafiar práticas - tanto na educação básica quanto na educação superior, pesquisa e extensão. 

“Qual é o posicionamento frente ao racismo? As pessoas que passam por esses espaços saem reeducadas para enfrentar o racismo? Adotamos um crivo antirracista?”, questiona Nilma, reiterando que essa fala pode ser estendida a outros grupos que sofrem racismo, como os indígenas.

Educação antirracista

Repensar a educação numa perspectiva antirracista significa reconhecer o racismo estrutural, perspectiva que vem avançando, na percepção de Nilma, inclusive por influência da Lei 10.639/2003. 

“Hoje, a gente já aprendeu e na gramática pedagógica, epistemológica, a ideia do racismo estrutural  já chegou com muito mais força do que antes. E a dizer que o racismo estrutural não estrutura apenas as relações numa dimensão macro, mas estrutura as relações de modo geral. E se estrutura as relações sociais, nós também vamos encontrar nas estruturas escolares a presença do racismo”.

A potência da Lei 10.639

De maneira geral, quando se discute a não aplicação da Lei 10.639, é comum apontar problemas relacionados à formação de professores, à avaliação, ao livro didático e ao fundamentalismo religioso. Essas questões interferem na aplicação da lei, mas é preciso lançar um olhar mais profundo para o racismo que percorre a instituição escolar - o que requer uma postura antirracista.

E é nesse ponto que Nilma enfatiza a potência da lei que, associada às Diretrizes de 2004 e a outras normas, “vêm impregnando a sociedade brasileira e reeducando o campo educacional e das políticas públicas, do currículo, epistemológico” em relação à percepção do racismo estrutural.

Para ela, essa potência se manifesta em quatro dimensões: pedagógica, trazendo para o debate, por exemplo, as questões da educação etnicorracial; no campo da política, temas da permanência  da juventude negra e quilombola na educação superior; ética, manifestada na mudança na chave de interpretação do reconhecimento das identidades; e estética, como o rompimento com imagens negativa que pairavam sobre os africanos.

Subvertendo a lógica hegemônica

Kátia Regis, que também é coordenadora geral de Justiça Racial e Combate ao Racismo no Ministério da Igualdade Racial (MIR), falou sobre o papel que uma experiência pioneira como  a Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros representa no sentido de promover o antirracismo, na medida em que ela se constitui em um campo de prática e de produção de conhecimentos que subvertem a lógica hegemônica.

Trata-se, então, de um processo educativo com potencial para modificar pessoas e desestabilizar instituições que ainda são racistas e onde o racismo institucional está presente.

Esses processos se dão na própria dinâmica da LIESAFRO, em  diversos tipos de ações e atividades que envolvem diálogo, intercâmbios e cooperação Sul-Sul com universidades, escolas  e movimentos sociais da América Latina, Caribe e África. 

“Situo tudo isso, porque essa experiência subverte a lógica hegemônica. A educação antirracista tem que se dar por meio da construção de conhecimento, e esse conhecimento tem que ser efetivo,  consistente e pode ser construído a partir do diálogo do conhecimento da África real com suas lutas e desafios e a partir da diásporta africana”, defende Kátia.

Como lembra a professora, existem políticas curriculares para inclusão do tema na maioria dos países africanos e do Caribe. “Então temos que lançar outros olhares em busca de uma educação antirracista”.

Nesse processo, ela destaca a relevância do intercâmbio com instituições escolares da África. “Dialogar com escolas nos coloca em contato com práticas curriculares que reverberam nas nossas práticas e no que entendemos como conhecimento”, afirma.

Um desdobramento da LIESAFRO, segundo Kátia, foi a instituição do programa Caminhos Americanos, uma iniciativa de cooperação Sul-Sul lançada no final de julho para promover o fortalecimento de uma educaçao antirracista a partir da troca de experiências, conhecimentos e politicas publicas do Sul Global, mantido pelo MIR, MEC e Capes.

O programa envolve intercâmbios de curta duração de estudantes de licenciatura e docentes da educação básica negros e quilombolas.

“Este é um tipo de ação afirmativa, um movimento que muda as pessoas e as instituições porque ajuda a reposicionar visões de quem produz ou não conhecimento, além de envolver pactuação com outras instituições”, avalia Kátia.

Assista à mesa de encerramento da 41ª Reunião Nacional da ANPEd: