por Marcia Rangel Candido (Assistente de Redação, DADOS) e Luiz Augusto Campos (Editor-Chefe, DADOS)
via DADOS - Revista de Ciência Social (clique aqui para acessar o artigo completo)
Diversos textos têm circulado nas redes ressaltando os impactos particulares da pandemia de Covid-19 na dinâmica de vida das mulheres. Embora a doença tenha alterado drasticamente o convívio das pessoas, muitas das desigualdades observadas na conjuntura estão longe de ser novidade. O confinamento à esfera privada do lar, consequência do isolamento social, assevera os problemas usuais do âmbito doméstico, que costuma figurar como lócus privilegiado de violência contra a mulher, além de ser o espaço onde o gênero feminino enfrenta a maior sobrecarga de trabalho não remunerado de cuidado e tarefas de gestão da casa.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres gastam quase o dobro de tempo em afazeres domésticos que os homens, predominância que não muda mesmo quando são comparados perfis de gênero em ocupações similares. Tal cenário não é singular ao país e, a despeito de todas as transformações recentes no mundo do trabalho, as desigualdades de gênero continuam a ser uma realidade global. Apesar disso, muitos sistemas de avaliação científica seguem ignorando essas desigualdades entre as condições de homens e mulheres. Para dar somente um exemplo, os concursos para docentes em universidades públicas no Brasil não adotam critérios formais para contrabalancear as diferenças de currículo dos concorrentes de acordo com aspectos como a licença maternidade. A inserção e a progressão de carreira das mulheres na academia requer a superação de uma série de barreiras, dentre as quais as extenuantes jornadas de trabalho dentro e fora de seus domicílios compõem elemento central.
A publicação de artigos ganha relevância nesse contexto por ter peso substantivo nos atuais sistemas de avaliação do desempenho de pesquisadoras/es, que influencia não só as possibilidades de se encontrar um emprego, como também de conquistar financiamento de projetos e visibilidade acadêmica. As revistas especializadas são um dos principais veículos de comunicação de resultados científicos e têm sido objeto de estudos sobre a sub-representação feminina em autoria de textos[1]. Editores/as argumentam que uma das explicações mais preponderantes dessas assimetrias consiste na menor regularidade com que mulheres submetem artigos às revistas, fator que redunda em sua menor presença entre os autores publicados. Em razão das novas rotinas durante o isolamento social, começaram a surgir estatísticas que apontam para um decréscimo ainda maior da inclusão feminina em alguns desses meios. Reportagens, como as divulgadas no Inside Higher Ed e no The Lily, ressaltam a divisão desigual de gênero do trabalho e comentam achados de periódicos em relação a alterações no fluxo editorial durante a quarentena.
É possível concluir de tais levantamentos padrões diferenciados entre as revistas: algumas detectaram quedas gerais de submissões de mulheres, outras não. Existem, por sua vez, as que demonstram tendências variadas, como a American Journal of Political Science (AJPS). Segundo relatório de Kathleen Dolan e Jennifer Lawless, editoras-chefes da AJPS, em pouco mais de um mês de isolamento, a submissão de artigos coautorados por mulheres aumentou proporcionalmente em comparação a anos anteriores, mas em contrapartida o envio de trabalhos de autoria individual feminina reduziu.
A DADOS pretende colaborar para essa discussão tornando públicas as informações sobre a participação das mulheres como autoras dos manuscritos submetidos à nossa avaliação nos últimos tempos. Para averiguar se a pandemia levou à redução das submissões de mulheres, analisamos dois dados: a quantidade relativa de mulheres nas submissões e a quantidade de artigos com a primeira autora mulher (individuais ou coletivos). É importante diferenciar esses modos de produção porque muitas pesquisas vêm indicando que as mulheres tendem a escrever mais em coautoria e menos como primeiras autoras ou sozinhas.
Os números sobre as submissões foram obtidos a partir do sistema ScholarOne, utilizado pela DADOS na administração do seu fluxo editorial. Vale lembrar que, desde 2016, a revista não aceita mais artigos por fora desse sistema, então estamos lidando com informações de todo o universo de colaboradores/as do periódico. Depois da extração dos dados, aplicamos um algoritmo disponibilizado pelo IBGE para a imputação do sexo baseado nos primeiros nomes de cada autor[2]. O algoritmo emprega a correlação entre sexo e determinados nomes da população brasileira, não funcionando apenas em 4% do universo (nomes inusuais ou estrangeiros), que terminamos por classificar manualmente.