Movimentos sociais, juristas, pesquisadores (as), educadores (as) e organizações da sociedade civil, convocados para audiência pública que debate ensino religioso no Supremo Tribunal Federal nesta manhã, lançam manifesto em defesa da diversidade, tolerância e respeito no sistema educacional público
Nesta segunda-feira (15), a partir das 9h, ocorre audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, sobre o ensino religioso nas escolas públicas. Organizações da sociedade civil, que participam deste debate no Supremo Tribunal Federal, lançam manifesto no qual é apresentado um conjunto de limitações constitucionais à oferta do ensino religioso.
De acordo com a carta, tais restrições despontam no sentido de proteger as liberdades de pensamento e de crença no sistema educacional público. Documento ressalta ainda a importância da garantia da “laicidade estatal, que veda a colaboração entre Estado e religiões para fins que não sejam públicos (portanto, não religiosos), enquanto protege as liberdades religiosas e promove um ambiente social favorável à diversidade, à tolerância e à plena realização dos direitos humanos de todos”.
O professor doutor Salomão Ximenes chama a atenção para pontos complementares ao questionamento da Procuradoria Geral da República (PGR) a fim de assegurar maior efetividade a uma futura decisão do STF em favor da laicidade e fim do ensino religioso confessional nas escolas públicas. “O objetivo é elucidar e enfrentar pontos que somente uma determinação limitada a dizer que o ensino não deve ser confessional [em que o conteúdo programático da disciplina consiste na exposição ampla das doutrinas, das práticas, e de dimensões sociais das diferentes religiões bem como de posições não-religiosas]não dá conta. Como por exemplo, nos casos em que sabemos em que é ofertado o ensino religioso não confessional, mas na medida em que a matéria é transversal nas séries iniciais, acaba não sendo facultativa, ou seja os alunos arbitrariamente são obrigados a cursar a disciplina de ensino religioso, ao contrário do que determina a LDB e a Constituição”, explica.
Confira a lista das limitações apresentadas no manifesto:
1 – Que nenhum financiamento estatal seja direcionado a qualquer das formas confessionais, incluindo as interconfessionais, de ensino religioso nas escolas públicas e que não seja permitida nenhuma modalidade de proselitismo religioso nas dependências das escolas públicas. Tal limitação se torna ainda mais necessária diante do gigantesco desafio de implementação do novo Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014), que estabelece vinte metas decenais destinadas à expansão do acesso, à melhoria da qualidade educacional e à superação da imensa dívida educacional do país;
2 – Que além de não se admitir que os professores de ensino religioso sejam representantes de religiões, como propõe a PGR, não se admita que seja exigida habilitação específica em ciências da religião ou ensino religioso, já que os conteúdos relacionados ao ensino religioso não confessional, como filosofia, história, geografia e ciências sociais, já podem ser ministrados e compõem a formação básica dos professores das áreas de ciências humanas;
3 - Que o ensino religioso nas escolas públicas não seja colocado, em hipótese alguma, como alternativa a uma educação ética laica de valores cívicos, cidadania, liberdades públicas e direitos humanos, e que se declare a inconstitucionalidade da previsão legal que o classifica como “parte integrante da formação básica do cidadão” (Lei n° 9.394/96, art. 33, caput, alterado pela Lei n° 9.475/97). Nesse sentido, ressaltamos a importância da implementação das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012;
4 – Que a disciplina facultativa de ensino religioso não seja contabilizada na carga-horária mínima nacional estabelecida no art. 31, II, da Lei n° 9.394/96 e na carga-horária obrigatória regulamentada pelos diferentes sistemas municipais, estaduais e do Distrito Federal;
5 – Que em respeito à regra da facultatividade não se admita a matrícula automática como comumente ocorre em relação às demais disciplinas do currículo do ensino fundamental, requerendo-se dos pais ou responsáveis que manifestem expressamente a intenção de matrícula;
6 - Que em respeito à definição constitucional do ensino religioso nas escolas públicas como “disciplina” e à facultatividade, não se admita a oferta transversal no ensino fundamental ou sua oferta durante os componentes obrigatórios e universais do currículo escolar.
7 – Que seja demandado ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a elaboração de normativa que preveja de forma detalhada limites negativos à relação religião e educação pública, entre eles, a retirada de símbolos religiosos e a proibição de orações religiosas como parte da rotina escolar das escolas públicas, como previsto nas recomendações da Relatoria Nacional pelo Direito Humano à Educação e deliberado pela II Conferência Nacional de Educação, em novembro de 2014. Que seja também demandado ao Conselho Nacional de Educação a elaboração de protocolo nacional de registro e de procedimentos relativos ao enfrentamento de casos de intolerância religiosa, racismo, homofobia/lesbofobia/transfobia, sexismo e demais discriminações ocorridas em instituições públicas e privadas de ensino.
Entenda o processo
Com informações do STF
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou o cronograma da audiência pública convocada para discutir a implantação de ensino religioso em escolas da rede oficial de ensino. A audiência será realizada no dia 15 de junho, a partir das 9h, na Sala de Sessões da 1ª Turma, Anexo II-B, 3º Andar - STF.
O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), na qual questiona o ensino religioso confessional, isto é, vinculado a uma religião específica, seus credos e dogmas. A PGR sustenta que o ensino religioso deve se voltar para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica. A Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação, CLADEM – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, Conectas Direitos Humanos, ECOS – Comunicação em Sexualidade, e a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Plataforma DHESCA Brasil apresentaram conjuntamente amici curiae no caso.
Em função do elevado interesse na audiência pública, que registrou 227 inscrições, e considerando os critérios estabelecidos no edital - como a representatividade da comunidade religiosa ou entidade interessada; a especialização técnica e expertise do expositor; e a garantia da pluralidade da composição da audiência e dos pontos de vista a serem defendidos -, o ministro Barroso deferiu a participação de 21 entidades e órgãos, além dos 10 que haviam sido previamente convidados.
Dentre essas entidades, destacam-se: ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação, Atea – Associação Brasileira de Ateus e Agnóstico, Católicas pelo Direito de Decidir, CEAP – Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade, Centro acadêmico XIX de Agosto da Faculdade de Direito da USP, CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria, CLADEM- Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, Coletivo Dandara, Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraná, Conectas Direitos Humanos, ECOS Comunicação em Sexualidade, FMAP - Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense, Gadvs - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Iser - Instituto de Estudos da Religião, LIHS - Liga Humanista Secular do Brasil, MAMA - Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia, Movimento e Articulação do Estado do Pará, OLÉ - Observatório da Laicidade na Educação, Plataforma Brasileira de Direitos Humanos (DhESCA Brasil), Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e de Direitos Reprodutivos, União Brasileira de Mulheres.