A institucionalização do horror: quem protege nossas crianças?
Nota de repúdio da ANPEd e do GT 07 ao caso da menina de 11 anos vítima de gravidez fruto de um estupro
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), por meio do GT07, manifesta repúdio à conduta e posicionamento jurídico da juíza Joanna Ribeiro Zimmer e da promotora de justiça Mirela Dutra Alberton, durante audiência realizada em junho de 2022, em Santa Catarina. O caso envolvendo uma menina de 11 anos, cuja gravidez é fruto de um estupro, ganhou os noticiários e as redes sociais. A exposição do caso em mídia nacional indignou a população contra as medidas tomadas e levantou questionamentos sobre os processos jurídicos que envolvem as crianças.
Ao recorrer à justiça, com a finalidade de conseguir a autorização para a realização do aborto legal, a mãe e a vítima, além de terem indeferimento à sua solicitação, foram submetidas à intensa violência e se deparam com violações de direitos humanos e das crianças e adolescentes, principalmente aqueles que asseguram a vida no âmbito da saúde. O caso fere a dignidade humana e incorre em um processo de revitimização da criança ao expô-la a constrangimentos e humilhações. Sobre o fato a ANPED questiona e se posiciona:
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quem protege às crianças, neste caso as meninas, vítimas de abuso sexual em contextos de vulnerabilidade social?
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quem assegura o direito das meninas em sua condição de mulheres e o respeito aos seus corpos?
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a decisão judicial, em prol da manutenção da gestação, não levou em conta a defesa da vida da vítima, como um sujeito jurídico pleno, com direitos estabelecidos em lei;
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a condução submetida à criança incorre em violência psicológica e constrangimento e fere a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente que reafirmam a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente como prioridade absoluta. Fere, ainda, a Lei nº 13.431/17 que cria sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e, ainda, o Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
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a postura das juristas fere o melhor interesse da criança de 11 anos e inviabiliza o exercício do direito ao aborto legal, como condição para a própria integridade física da criança. O sistema de Justiça, ao invés de proteger, viola os direitos das crianças e adolescentes;
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o exercício de violência psicológica expôs a criança a constrangimentos pelas perguntas inadequadas e revitimizadoras, uma vez que apelaram para questões de ordem moral/religiosa, sentimentalista e fundamentalista, tais como: “sobre expectativas em relação ao bebê”, “se o fato de ela estar gestante atrapalha os estudos”, “sobre escolha do nome do bebê”, “falar para a mãe da criança que o feto é ‘tristeza’ para ela e ‘a felicidade de um casal’ e, sobretudo, “perguntar se a criança saberia dizer se o “pai do bebê”, autor do estupro, queria colocar o bebê para adoção". Com base jurídica reitera-se, aqui, que o aborto legal não é crime. A criança passou por um ciclo de violências e foi penalizada ao menos três vezes: quando sofreu a violência sexual; depois, quando foi induzida ao erro e teve seu aborto legal negado; e quando foi afastada do seu vínculo afetivo sendo encaminhada para uma instituição de acolhimento;
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não houve por parte das juristas a adoção de uma escuta sensível da vítima. O procedimento instaurado fere a Lei Mari Ferrer n. 14.245, sancionada em dezembro de 2021. No caso das crianças, a escuta sensível implica em ouvi-las de uma forma que não sejam revitimizadas e de uma forma que evite a culpabilização da criança por algo que ela não cometeu. O sistema de escuta especial de crianças e adolescentes foi introduzido no Brasil em meados dos anos 2000 e determina que as crianças devem ser ouvidas em ambiente seguro e por uma equipe especializada e com técnicas que assegurem sua integridade psíquica e física. Para que qualquer criança seja ouvida, sugere-se o uso psicologia forense, ainda mais no caso de crianças que foram violentadas. Elas devem ser ouvidas separadamente por psicólogos/as.
Diante o exposto, a ANPEd, por meio do GT07, se posiciona em defesa das crianças vítimas de quaisquer tipos de violência e cobra da justiça a apuração dos fatos para que as juristas envolvidas respondam pelos atos equivocados que orientaram a condução de todo o processo. Da mesma forma, exige retratação do Estado junto à família e à criança, assegurando-as proteção, acompanhamento psicológico e que a restituição do direito ao aborto legal, determinada pelo judiciário, garanta à integridade física e psicológica da vítima.