Nota de pesquisadores e entidades da educação alerta ao conteúdo da EMC 03/2019 ao novo FUNDEB

Nós pesquisadoras e pesquisadores abaixo assinados, vimos mais uma vez manifestar nossa preocupação com a possibilidade de alteração no texto Constitucional em função de aprovação de Emenda sugerida pelos Deputados Federais Tiago Mitraud (NOVO-MG) e Marcelo Calero (CIDADANIA-RJ). 

Trata-se de emenda (EMC 3/2019) que “altera o art. 3 da PEC 15/2015 e o art. 213 da Constituição Federal para possibilitar que estados e municípios optem por direcionar parte dos recursos do FUNDEB para organizações da sociedade civil e para financiar bolsas de estudo em instituições de ensino privadas” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=...). A PEC 15/2015 visa garantir a continuidade do FUNDEB, inclusive com a possibilidade de sua constitucionalização. Nesses termos, como já alertamos em outras ocasiões, o tema torna-se ainda mais grave porque assume o status de texto constitucional. 

Mas em que consiste a alteração proposta? 

Consiste na alteração dos artigos 212 e 213 da Constituição Federal de 1988 nos quais se define a destinação dos recursos públicos para a educação. 

O Art. 212 do texto atual define os percentuais mínimos da receita de impostos e de transferências  que os diferentes entes federados deverão destinar para a manutenção e desenvolvimento do ensino. 

Já o Art 213 determina a natureza/tipo de escolas e as situações em que estas podem receber recursos  públicos. 

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: 

I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; 

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades. § 1o Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. (...) 

A EMC 3/2019 acrescenta ao Art. 212, o seguinte parágrafo: 

"§ 4o Os estados e municípios poderão, na forma da lei, converter parte dos recursos 

para financiar o ensino público em instituições privadas com ou sem fins lucrativos.” 

Complementarmente, introduz um parágrafo no Art 213 da Constituição Federal, com a seguinte redação: 

§ 1o Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo 

para o ensino básico, na forma da lei, para os interessados inscritos e selecionados 

que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver instituições cadastradas 

segundo requisitos definidos em lei na localidade da residência do educando” 

A Emenda é um estímulo ao mercado educacional para que lucre com a oferta pública de ensino. Na melhor das hipóteses – sem apoio em estudos sobre a desigualdade de acesso e padrão educacional entre instituições do setor privado, especialmente em regiões de maior carência de vagas – a proposta permite que prefeitos e governadores transfiram a responsabilidade pela oferta educacional às escolas privadas por meio do pagamento de bolsas, em substituição aos governos nessa tarefa. 

Estarão os impostos, os fundos públicos, ou seja, o Estado, a financiar o empresariado mais uma vez? 

Quem ganharia com isto? 

Escolas privadas de baixo custo, o que significa dizer aquelas que funcionam em condições mais precárias que as escolas públicas ou que poucas escolas privadas que aparecem no inconsciente coletivo e senso comum como de melhor qualidade, ainda que não se tenha evidencias cientificas disto, e que somadas representam 22 % do total de estabelecimentos em todo Brasil e que, em 2018, respondiam por apenas 19% de todas as matrículas da educação básica no país, segundo dados do INEP. 

Estranha-se que Partidos defensores da “livre iniciativa e do fim de subsídios” estejam justamente propondo este mecanismo para o caso das escolas privadas. 

Acreditamos que a EMC 3/2019 representa risco enorme ao direito humano à educação ao desconsiderar as dimensões indissociáveis deste direito como a disponibilidade de vagas em número suficiente e condições equânimes a todos e todas sem qualquer discriminação, o que pode ser negado pelas condicionalidades previstas na EC 3 para o subsídio público às escolas privadas lucrativas. 

Assinam: 

Pesquisadores da ReLaappe 

Theresa Adrião – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE/UNICAMP 

Teise Garcia- Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE/USP 

Cassia Domiciano – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – 

GREPPE/UNICAMP/UFMT – Docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) 

Lucia Ceccon - Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE/UNICAMP 

Raquel Fontes Borghi - Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE/UNESP 

Nicanor M. Lopes- Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE/UNICAMP 

Romualdo Portela de Oliveira- Presidente da ANPAE 

Nathalia Cassettari – UnB 

Adriana Dragone Silveira - UFPR 

Luiz de Sousa Junior – UFPB 

Samara de Oliveira Silva - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sociedade - 

NEPES/UESPI 

Camilla Croso- GREPPE/ UNICAMP Vera Lúcia Jacob Chaves - GEPES/UFPA 

Fabíola Bouth Grello Kato - GEPES/UFPA 

Rhoberta Santana Araújo - GEPES/UFPA 

Maria Edilene Ribeiro - GEPES/UFPA 

Antônio Cláudio Reis - GEPES/UFPA 

Maria de Fátima Cossio – UFPEL 

Daniela de Oliveira Pires- UFPR 

Luiz Dourado- UFG 

Vera Peroni –Grupo de Pesquisa Relações entre o Público e o Privado em Educação- 

GPRPPE/UFRGS 

Daniel Cara- Campanha Nacional pelo Direito à Educação 

Antonio Lisboa Leitão de Souza- UFCG 

Nadia Drabach – CEDES/GREPPE-UNICAMP 

Alda Maria Castro - UFRN; 

Andréia da Silva Quintanilha Sousa - UFRN; 

Andréa Araujo do Vale - UFF; 

Luiz Fernando Reis - Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná); 

Maria Goretti Cabral Barbalho - UFRN; 

Myriam Feldfeber – UBA- Argentina 

Rede Latino Americana e Africana de Pesquisadores em Privatização da Educação - ReLaappe 

Entidades 

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação- ANPED 

Associação Brasileira de Ensino de Psicologia 

Campanha Nacional pelo Direito à Educação 

Centro de Estudos Educação e Sociedade- CEDES