O governo federal, por meio do Decreto n. 9.465/2019, propôs uma alteração na estrutura organizacional do Ministério da Educação (MEC) e criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, vinculada à Secretaria de Educação Básica. Essa Subsecretaria assume a função de “promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital, tendo como base a gestão administrativa, educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares” (Brasil, 2019).
Essa medida pretende responder, como argumenta o governo, a dois anseios da população: desejo de ensino de qualidade (escolas estruturadas e disciplina escolar) e garantia de segurança. São anseios reais e compreensíveis, mas há equívocos que precisamos apontar.
Primeiro, há exemplos de escolas públicas não militares ou militarizadas com ainda melhores dados de excelência, a exemplo dos antigos CEFETs e atuais Institutos Federais e os Colégios de Aplicação ligados às Universidades Federais, como evidenciam dados do próprio IDEB. Cabe observar que boa estrutura, boa carreira docente e ambiente escolar disciplinado não devem ser confundidos com militarização, mas sim com investimentos públicos, administração profissional e comprometida, observância aos preceitos legais e gestão democrática contando com a participação da comunidade escolar.
Em segundo lugar, esta política educacional fere o direito universal à educação de qualidade para todos os cidadãos, tendo caráter excludente uma vez que a militarização é proposta como um modelo de “escolas de alto nível”, às quais serão garantidas as condições diferenciadas efetivas para o funcionamento, enquanto as demais escolas das redes públicas regulares padecem em precárias condições infraestruturais, tecnológicas, pedagógicas e de pessoal. As experiências de militarização, que vêm acontecendo no Brasil, revelam também um modelo de escolarização excludente e seletivo, uma vez que as escolas militarizadas têm o poder de decidir sobre a permanência ou não dos estudantes e apresentam graves índices de retenção; reservam vagas para os filhos de membros de determinadas forças armadas ou polícia militar; obrigam ao uso de uniformes caros e cobram contribuições mensais das famílias, ferindo a Constituição Federal quanto à gratuidade do ensino público. Esses fatores fazem com que a escola militarizada seja destinada apenas aos estudantes com melhores condições socioeconômicas, tornando-se, efetivamente, uma escola pública elitizada.
Na prática, há contradição entre o trabalho dos docentes, encarregado do ensino, e a gestão militar, pois esta não tem necessariamente formação pedagógica e se norteia por uma cultura institucional semelhante às instituições militares, cujo fim é a proteção e a guerra e não a vida cidadã numa sociedade democrática.
Nesse sentido, o modelo também apresenta um enorme potencial de prejuízo para a formação dos adolescentes e jovens quando valoriza excessivamente a disciplina e a obediência, por dois motivos: primeiro, por que a educação necessariamente exige uma abertura para a criatividade e a novidade, que são sua parte integrante, pois crianças e jovens vão à escola justamente para aprender e criar coisas novas através de conhecimentos historicamente acumulados e elaboração de suas experiências; e, segundo, por que a própria experiência de socialização de crianças e jovens exige também uma abertura para a brincadeira, para o lúdico, que não pode ficar submetido a um ambiente rígido de disciplina, formaturas, desumanização e plena uniformização militarizada.
Por fim, cabe reforçar o papel fundamental que os policiais têm para a segurança pública, que inclui a segurança nas escolas, mas uma coisa não pode ser confundida com a outra a ponto de a militarização ser colocada como a “grande solução” para uma política pública efetiva, que garanta de fato um ensino público de qualidade, universal e democrático.
Tendo em vista essas considerações, as entidades nacionais abaixo assinadas, manifestam sua preocupação e alertam para o equívoco dessa proposição.
04 de fevereiro de 2019
Associação Brasileira de Currículo (ABdC)
Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio)
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC)
Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
Associação Nacional de Política e Administração Escolar (ANPAE)
Associação Nacional de História (ANPUH)
Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (FINEDUCA)
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)
Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES)
Fórum de Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas , Letras e Artes (FCHSSALA)
Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação e equivalente das Universidades Públicas (FORUMDIR)
Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio