Nós, professores(as) e pesquisadores(as) do GT 06 - de Educação Popular inseridos(as) em inúmeras universidades brasileiras, assim como os demais pesquisadores que compõem a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd, vimos assistindo ao crescimento dos ataques conservadores e antidemocráticos aos movimentos sociais e às instituições que historicamente lutam pela defesa dos valores democráticos e da convivência política plural e respeitosa na esfera pública brasileira contemporânea.
As ofensivas desferidas pelos agentes do projeto político autoritário e entreguista da soberania nacional contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), principalmente contra o seu legado exitoso no campo da educação de crianças e jovens do campo, podem ser compreendidas como mais um atentado aos marcos presentes na Constituição Brasileira de 1988, referente ao capítulo III "Da Educação, da Cultura e do Desporto"(art. 205 a 217), no qual o artigo 206 fundamenta um dos princípios da educação brasileira ao ressaltar "a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino" (BRASIL, Constituição Federal, 1988).
Nesse sentido perguntamos: a que servem as atitudes eivadas de ódio e as fake news direcionadas ao MST e ao seu projeto educacional, tal como foi feito no domingo 10 de fevereiro de 2019, pelo Programa Domingo Espetacular da Rede Record sobre o Encontro Nacional Sem Terrinha que o MST realizou em Brasília em 2018?
Desde 1984 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra dedica-se de forma contundente a combater as três grandes cercas que oprimem os(as) brasileiros(as) da classe trabalhadora do campo e da cidade: o latifúndio, a ignorância e o grande capital. Assim, as ações do MST vão tornando visíveis os problemas históricos de concentração da terra, denunciando e enfrentando a destruição ambiental, a miséria e a pobreza que grassa no Brasil, sobretudo nas áreas rurais nas quais vivem milhares de indígenas, quilombolas, trabalhadores(as) atingidos criminosamente por vazamento de barragens, agricultores(as) e camponeses(as) rurais sem direito à terra e a uma vida digna.
As experiências educacionais do MST com crianças remetem aos inícios dos anos 90, sendo as primeiras experiências das "Cirandas Infantis Permanentes" implementadas por conta da enorme presença de mulheres e crianças pequenas sem nenhum tipo de atendimento educacional no campo. Hoje, 2019, são mais de duas mil escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio reconhecidas pelo MEC que estão presentes nos acampamentos e assentamentos, atendendo mais de duzentos mil educandos(as) em todo o país (MST, 2014). O Projeto educacional do MST, em linhas gerais, se fundamenta em dois grandes princípios garantidos pela Constituição Brasileira: a questão da autonomia e liberdade de pensamento e a valorização da organização coletiva e pedagógica em torno de seus objetivos políticos e educacionais.
Diante do exposto, nós do GT 06 Educação Popular da ANPEd, vimos tornar público o nosso repúdio aos ataques direcionados ao Encontro Nacional Sem Terrinhas. Queremos afirmar o nosso posicionamento de apoio ao projeto educacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, compreendendo a importância da educação popular crítica presente em suas ações, além de reiterar que as dimensões política, ético-cultural e social que embasam seu projeto educacional são amplamente reconhecidas nacional e internacionalmente por sua qualidade pedagógica.
Lembramos que em um país como o Brasil, no qual, infelizmente, os indicadores de analfabetismo superam a triste marca de mais de 11 milhões de pessoas, e que o direito à educação pública de qualidade ainda é um enorme desafio, a experiência educacional potente de mais de três décadas do MST deveria ser mais conhecida, estudada, apoiada e não criminalizada como os novos senhores do grande capital buscam fazer, apostando nas polarizações políticas e na crescente retroalimentação do ódio e do ressentimento entre os(as) brasileiros(as).
De modo firme, nós do GT 06 nos posicionamos contra essas inúmeras forças políticas reacionárias e vingativas que querem continuar a nos apequenar, a destruir o legado de lutas que brasileiros e brasileiras vêm construindo, tanto no campo quanto na cidade, em favor de um projeto de sociedade mais justa e democrática.
ANPEd - Fevereiro de 2019