Os editores/as dos periódicos científicos vinculados ao GT 09 – “Trabalho e Educação” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) - reunidos no V Intercrítica - vêm a público expor posição contrária à determinação de avaliação da produção acadêmica elaborada e deliberada pelo Conselho Técnico-Científico da Educação Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CTC-ES/CAPES) como resultado de sua 198ª reunião, realizada em setembro de 2020. Esta determinação visa instituir novo modelo de avaliação dos programas de Pós-Graduação centrado mais uma vez na classificação dos periódicos que publicam a produção científica do corpo docente e discente destes programas com base em um sistema avaliativo que adota critérios específicos definidos pelo próprio CTC-ES/CAPES, sem participação dos editores científicos dos periódicos avaliados. Este novo modelo acirra ainda mais o caráter competitivo e excludente que já vigorava nos processos avaliativos anteriores, com implicações ainda mais desastrosas para o trabalho editorial de diversos periódicos científicos da área de educação.
A determinação do CTC-ES/CAPES é de que, já para o quadriênio 2017-2020, os periódicos sejam classificados levando-se em consideração o Índice H, de modo a quantificar a produtividade e o impacto da produção dos docentes com base nos seus artigos mais citados, sem qualquer reflexão acerca da metodologia adotada pelas bases bibliográficas que fazem a medição. Com esta iniciativa, o CTC-ES/CAPES despreza todo acúmulo do diálogo estabelecido com os programas de pós-graduação e com a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd) em que se constatou avanços democráticos consideráveis materializados não só na contribuição dos programas na proposição de critérios de avaliação, mas também na participação efetiva de docentes/pesquisadores indicados por eles na execução da avaliação dos periódicos. Outro aspecto dessa determinação do CTC-ES/CAPES a ser considerado é que a eficácia do Índice H como medida do impacto da produção científica é problemática não só para as humanidades, mas também para as Ciências da Saúde ou Tecnológicas. Esta dificuldade não se restringe ao Brasil, pois críticas ao Índice H são recorrentes, especialmente acerca de sua dificuldade para atender especificidades das áreas científicas, das realidades de cada país e dar conta de diferenças entre idade, sexo, língua e nacionalidade do(a) pesquisador(a) etc. Justamente por esta razão este índice não conta com o consenso no meio científico nem mesmo nos Estados Unidos, onde é amplamente adotado há anos.
Entendemos que esta determinação do CTC-ES/CAPES é parte estruturante de uma Política de Pós-Graduação pautada na ideia de competitividade como fator da promoção da qualidade que, notoriamente, conduz a uma gestão excludente de recursos, sem garantia de ampliação do financiamento nem de desenvolvimento progressivo da qualidade acadêmica e científica dos programas de pós-graduação. Sua única funcionalidade é justificar a seletividade de investimento em pequeno número de programas de pós-graduação melhor classificados. No que tange aos periódicos científicos, a avaliação nunca esteve voltada para o real desenvolvimento da difusão científica de qualidade, mas para atender a uma estratégia de gestão financeira numa perspectiva mercantil da produção acadêmica e científica. Avaliam-se os periódicos, portanto, não para diagnosticar sua qualidade editorial a fim de desenvolvê-la, mas para estabelecer medidas classificatórias da produção acadêmica dos docentes dos programas de pós-graduação. A produção acadêmica é um dos principais critérios para aferição de conceito a estes programas pela CAPES. Esta dinâmica não tem como requisito norteador as demandas de difusão científica e tecnológica nem de formação das gerações futuras de investigadores brasileiros, mas a promoção da competitividade para justificar a seletividade, além de instituir a lógica mercantil como norteadora do trabalho editorial de periódicos científicos, de modo que não só o conhecimento científico, mas também a sua comunicação são conduzidas ao status de mercadoria. Com isto, cada vez mais, os periódicos são tratados pelo CTC-ES/CAPES à revelia das demandas locais de onde se originam.
O fato de a determinação do CTC-ES/CAPES se pautar na perspectiva mercantil da produção acadêmica para avaliar os periódicos não é novidade. Todas as propostas que prevaleceram no CTC-ES/CAPES até agora sempre estiveram orientadas nesta perspectiva. O elemento novo na determinação atual é que elege o Índice H como principal critério de avaliação de periódicos. Também não é novidade o consentimento ativo de que este órgão governamental tem conquistado junto a determinados segmentos do meio científico da área ou por sempre terem sido beneficiados por esta ação governamental ou por alimentarem expectativas de vir a ser. Muitas vezes, estas posturas oportunistas que se materializam em consentimento ativo é justificada como relevante participação na disputa dos interesses em conflito na aparelhagem estatal, como se o CTC-ES/CAPES fosse tão plural, ainda mais agora quando obedece à agenda do neofascismo. Apesar de muitas resistências de alguns pesquisadores e de associações científicas da área de educação e de humanidades em geral, é preciso ir além da crítica ao ato imediato do CTC-ES/CAPES e partir para uma crítica mais profunda a esse caráter mercantil que a avaliação dos periódicos vem assumindo há anos com participação efetiva de representantes (editores e cientistas). É chegada a hora de avaliar que avanços esta crença na negociação e participação ativa na política de avaliação de periódicos trouxe concretamente para os periódicos da área, em especial aqueles que se estruturaram numa perspectiva crítica.
Não obstante a possíveis ganhos nessa disponibilidade para a negociação e a participação ativa na ação governamental de avaliação tanto dos programas de pós-graduação como na dos periódicos científicos, é cada vez mais perceptível o aumento da competitividade entre os programas de pós-graduação, entre os periódicos e entre os pesquisadores/autores. Portanto, a crítica não se restringe à atual mudança na estratégia de avaliação dos periódicos, mas a toda a política de ciência e tecnologia e aos princípios da gestão pública de cunho neoliberal que busca a todo custo minimizar gastos públicos com tudo o que não implica valorização do capital, sem se preocupar com o impacto social.
Outro aspecto da dinâmica de avaliação do CTC-ES/CAPES é que desconsidera o fato de que os periódicos existem por razões que vão além dos interesses de competitividade dos programas de pós-graduação. Os periódicos científicos são bem anteriores a esta dinâmica! Além de promover a divulgação científica, os periódicos da área de humanidades sempre tiveram papel importante no fomento e no debate acerca de temas sociais, políticos e econômicos que interessam à sociedade. Em sua maioria, esses periódicos nasceram do compromisso social e políticos de instituições de ensino ou de organizações da sociedade civil. Na área educacional, os valores que sempre nortearam a maioria dos periódicos são a democratização do acesso livre e gratuito ao conhecimento científico, o rigor acadêmico e o compromisso político com a educação pública, gratuita e de qualidade e o impacto social de suas publicações junto aos movimentos sociais e às práticas profissionais críticas e transformadoras. Reduzir o trabalho editorial destes periódicos ao atendimento das demandas de avaliação do CTC-ES/CAPES é representa verdadeiro atraso para a ciência do país.
No diálogo com Coordenadores de Programas, Editores de Periódicos e comunidade acadêmica em geral, perguntamos qual vai ser a relação que vamos estabelecer com uma política de avaliação de periódicos orientada segundo interesses econômicos internacionais que, em última instância, passam a condicionar a produção acadêmica no Brasil? Nossa pergunta como editores é: será somente o índice H o critério utilizado prioritariamente no processo de avaliação de nossos periódicos? Aceitaremos passivamente as determinações do CTC-ES/CAPES, entendendo como encerrada as negociações ou contrapropostas, ou partiremos para uma ação coletivamente de enfrentamento?
Entendemos que os periódicos são instrumentos de disseminação do conhecimento científico e tecnológico e que sua qualidade depende não só de investimento público, mas também de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico pautada no princípio do desenvolvimento humano e não na mercantilização do conhecimento, no tratamento da comunicação científica como mercadoria. Entendemos que a qualidade é diretamente determinada pela quantidade de recursos despendidos pelo Governo Brasileiro para o investimento em Ciência e Tecnologia que, no Brasil, é desenvolvida majoritariamente por grupos de pesquisas vinculados aos Programas de Pós-Graduação das universidades públicas. Uma política científica e tecnológica que tenha em vista a qualidade do trabalho editorial não pode ser regulada por parâmetros quantitativos do consumo do produto acadêmico. Inclusive, estes parâmetros se referem às necessidades de outros povos e estão falseados pelos interesses econômicos das grandes potências produtoras de Ciência e Tecnologia em todo o mundo. Defendemos uma política de Ciência e Tecnologia soberana, o que demanda:
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Mais verbas para a educação e para a ciência e tecnologia orientadas pela gestão democrática dos recursos segundo os interesses públicos e não pelos interesses privados e de mercado;
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Um modelo de avaliação de periódicos que tenha por finalidade o diagnóstico e a superação das dificuldades enfrentadas pelos periódicos científicos para garantir maior qualidade editorial, efetivo impacto social e maior visibilidade internacional;
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Que os critérios de avaliação sejam amplamente discutidos com autoras(es) e editoras(es), considerando as exigências de uma política científica e tecnológica voltada para a formação de novos pesquisadores e o desenvolvimento de pesquisadores experientes, norteados pelos princípios de desenvolvimento humano, de soberania do povo brasileiro e de participação democrática e popular na gestão dos recursos destinados ao desenvolvimento do trabalho editorial do país;
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Que o processo de avaliação da produção científica seja conduzido pelos pares, considerando a absorção qualitativa do conhecimento no processo de produção científica própria da realidade brasileira, sendo realizada por autores, avaliadores e editores de periódicos científicos que efetivamente a constroem;
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Que nenhuma avaliação seja realizada sem o amplo e prévio conhecimento dos critérios previamente estabelecidos a partir de amplo debate com a comunidade acadêmica nacional;
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Que enquanto trabalhamos para a garantia de uma ampla revisão da avaliação, sejam respeitados os acordos estabelecidos para a avaliação entre o CTC-ES/CAPES e a ANPED, por intermédio do FORPRED e do FEPAE, ou seja, que a avaliação dos periódicos do quadriênio (2017-2020), seja realizada de acordo com o Documento “Educação – Qualis Periódicos (2017-2020)” e que se abra a discussão democrática sobre qualquer proposta de alteração futura.
Subscrevem:
Revista Trabalho Necessário
Revista Trabalho, Política e Sociedade
Revista Trabalho e Educação
Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica
Revista Estudos IAT
Revista Germinal: Marxismo e Educação em debate
Revista Labor
Revista Educação Profissional e Tecnológica em Revista
Revista HISTEDBR-On line
Revista Práxis Educacional