Manifestação do Grupo de trabalho de Educação Especial (GT15) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE), acerca do Parecer CNE/CP N.11/2020, em sua versão préhomologação, que dispõe sobre as orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia.
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A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), por meio do Grupo de Trabalho Educação Especial (GT 15) e a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE), se opõem ao exposto no documento da versão ainda não homologada do Parecer CNE/CE N. 11/2020, que dispõe sobre as orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia, especialmente, no que se refere ao público-alvo da Educação Especial.
Inicialmente, podemos destacar que para a elaboração deste Parecer não foram convidados os representantes de associações científicas, que poderiam contribuir, por meio de resultados de pesquisas científicas, para a avaliação dessas orientações educacionais, e os representantes de sindicatos de profissionais da educação básica, de movimentos sociais e coletivos de famílias, que estão diretamente relacionados à matéria em tela. Tal constatação evidencia que a elaboração do Parecer foi marcada pela ausência de debate e consultas públicas efetivas às entidades acadêmico-científicas, fóruns estaduais e representantes das unidades escolares.
Diante da gravidade do atual momento, em termos de riscos no sentido de garantia do direito à educação para todos e todas, consideramos de extrema relevância o registro, por meio do posicionamento dos membros do GT15, do momento de destruição da educação brasileira por um projeto ultraliberal que foi estabelecido a partir de 2016, após o impedimento do governo de Dilma Roussef, que se aproveita da fragilidade do momento para publicar normativas como como o Parecer N.11/2020 do CNE/CP em análise nesta nota.
Notamos que o texto inicial do parecer cita, exaustivamente, um estudo de 1996 referente à “perda de aprendizagem” durante o intervalo de verão, estudo este que, além de ter sido contestado metodologicamente, também apresenta questionamentos acerca de uma tendenciosidade ideológica. Ademais, o estudo é estadunidense e fala de uma realidade completamente diferente da nossa. O documento do CNE simplesmente transpõe os achados deste e de outros estudos, mais atuais e convenientes, para firmarem os argumentos sobre suas proposições para a educação básica.
O texto do Parecer evidencia a possibilidade de retorno às aulas de forma Presencial ou por meio de Atividades Não Presenciais. No caso do retorno presencial às aulas, entendemos que o contexto atual em que vivenciamos uma crise sanitária por conta da pandemia da covid-19 não permite esse retorno da educação básica e do ensino superior no Brasil sem colocar em risco a vida de toda a comunidade escolar e de seus familiares. Ademais, quando avaliamos as condições objetivas do ensino público, é notório que estas não atendem ao protocolo sanitário estabelecido pelo OMS para a garantia de medidas de proteção à totalidade de seus estudantes.
Por isso, somos contra o retorno às aulas neste momento, considerando que ainda é alto o risco de transmissão do novo coronavírus em muitos locais. O contexto atual exige debate com a saúde, como também articulação de redes intersetoriais, além de constituição de comitês locais e nas escolas, para monitoramento do território de mapa de risco e análises e estudos da saúde para indicação do momento mais apropriado para esse retorno.
No caso da substituição da modalidade presencial por meio das Atividades Pedagógicas Não Presenciais, consideramos ainda que essa situação de ensino em tempos de pandemia não favorece as condições significativas e adequadas à apropriação dos conhecimentos por parte de todos os alunos. Nessa perspectiva, entendemos que necessita ser debatida a possibilidade, mencionada pelo Parecer, de se considerar Atividades Pedagógicas Não Presenciais em articulação com Atividades Pedagógicas Presenciais, no caso de um retorno gradual das aulas no âmbito da instituição de ensino, a fim de atender ao cômputo da carga horária de 800 horas para a educação básica mesmo que por meio de sua flexibilização. Diversos estudos divulgados no âmbito da Anped têm apontado que é impossível garantir as condições apropriadas de ensino para retorno às aulas presenciais em tempos não só de pandemia, mas devido ao sucateamento da educação pública, produzido especialmente pelo atual governo. Assim, consideramos que o debate pedagógico vai para além do que está previsto no referido Parecer. O discurso que atravessa o caráter da qualidade do privado em desmerecimento do público, além de reforçar o ensino remoto, desconsidera aqueles que não têm acesso e condições de caminhar pelo solo arenoso que ainda é, no Brasil, o do meio digital. Permanece ainda o fundamento negacionista no documento, como se fosse possível replanejar a educação de modo que qualquer prejuízo vivido durante a pandemia seja superado.
Com relação ao conteúdo do Parecer quanto aos estudantes público-alvo da educação especial, o GT15 e a ABPEE fazem algumas considerações extremamente necessárias para serem observadas e discutidas com profundidade.
Vemos com indignação, que os mesmos princípios evidenciados no parecer não se aplicam aos estudantes com deficiência. Para estes o Parecer tem um item exclusivo, o que já demonstra o trato diferenciado desse público, o qual não é de prioridade e sim de exclusão. Nessa direção, no item 8 e sub item 8.1 deste documento, destaca no caput: “8.1. Os estudantes da Educação Especial devem ser privados de interações presenciais[...]”, considerando questões que revelam o desconhecimento, a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência que estão expressas no Capacitismo. Essa discriminação e preconceito também estão presentes no item 8.2 desse Parecer, ao destacar os aspectos que devem ser observados pelo atendimento educacional especializado, em determinado ambiente de cada Sistema, quando do retorno das atividades escolares presenciais para esses estudantes.
O Parecer justifica o não retorno dos estudantes da educação especial, por conta da comorbidade, indicando situações de práticas pedagógicas segregadas e aliando a deficiência diretamente à condição de doença. Entendemos que a possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus em uma situação de ensino presencial será arriscada para todos: estudantes, comunidade escolar e familiares. Por meio da justificativa de uma suposta proteção aos estudantes da educação especial, delineia-se a proposta de inseri-los no grupo de risco, o que pode revelar-se em uma grande oportunidade para a retirada de seu direito à educação, acarretando retrocessos às práticas pedagógicas e ao atendimento segregados, como o ensino domiciliar.
Essa inserção como grupo de risco é embasada em aspectos relacionados à ideia de atitudes inapropriadas desses estudantes mediante os protocolos sanitários para evitar a contaminação pelo novo coronavírus. Porém, essas atitudes não estão previstas somente como características desses estudantes, mas de todos os estudantes e quiçá profissionais da educação como tocar o rosto e, consequentemente, a máscara de proteção. Manter o distanciamento dentro de um ambiente escolar que, fora de situação de pandemia, promove a interação social de seus estudantes, não será difícil apenas para os estudantes com deficiência, mas para todos os estudantes.
Nessa direção, consideramos que o Parecer CNE 11/2020 é uma afronta ao direito à educação e à inclusão escolar. O documento fere os princípios constitucionais e tratados internacionais, e desrespeita o que dispõe a Lei Brasileira de Inclusão. Consideramos que esse documento revela aspectos presentes no texto da nova política nacional de educação que, oportunamente, mesmo antes de ser publicada, quer inserir suas propostas fundamentadas em uma modelo médico de deficiência e de exclusão social.
Por fim, consideramos ainda que a excepcionalidade desse momento histórico não deveria ser utilizada para facilitar a tramitação dessa nova política de educação especial e de favorecimento a ação de investidores sociais. É urgente que entidades, como CONSED, UNDIME, UNCME, FNE e especialistas que colaboraram com a elaboração desse Parecer e que permitiram a indicação da privação das crianças com deficiência às atividades presenciais nesse período de pandemia, revejam seus posicionamentos e se engajem na luta pela defesa dos estudantes público-alvo da educação especial. Da mesma forma, conclamamos a sociedade civil e organizada para uma grande luta contra o desmonte da educação que caminha a passos largos em nosso país, como visto no Parecer CNE 11/2020 em comum acordo com entidades municipais e estaduais.
Desta forma, Grupo de trabalho de Educação Especial (GT15) da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE) defendem:
1) A não homologação do Parecer CNE/CP N. 11/2020;
2) A retomada do debate público e republicano com as instituições públicas de ensino, com pesquisadores do campo da educação especial, com as famílias dos estudantes, com representantes de movimentos educacionais, sociais e sindicais.
Vitória, 15 de julho de 2020