Em artigo escrito especialmente para o portal da ANPEd, José Marcelino (USP), membro do GT 05 da Associação, analisa os fortes riscos para a destinação de recursos à Educação sob o governo interino de Michel Temer (PMDB), à exemplo de propostas de desvinculação de receitas constitucionais e de congelamento de gastos primários nos patamares de 2015.
O “governo” interino e o ataque à educação
Além da indignação com mais um golpe em nossa curta história republicana, temos que nos mobilizar contra a equipe de governo interina que já entra em campo disposta a destruir o pouco que o país possui de políticas sociais. No caso da educação e saúde, a ameaça de uma ampliação da desvinculação das receitas constitucionais incluindo além da União (DRU), o DF, bem como os estados e municípios (DREM). Pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição), a base de cálculo para as vinculações constitucionais seria reduzida em 30%. Isso significaria, como já aconteceu no passado, que os 18% da receita líquida de impostos da União destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino, corresponderiam efetivamente a 12,6%. Já os 25% que o DF, estados e municípios devem destinar ao ensino corresponderiam a somente 17,5%. Felizmente, graças à mobilização das entidades em defesa da educação pública e dos parlamentares comprometidos com a educação o texto, aprovado em segunda votação pela Câmara dos Deputados, excetuou educação e saúde dos efeitos da DRU. Mas o risco não foi eliminado, pois a proposta agora vai para o Senado, onde pode ser alterada.
José Marcelino é professor da USP, membro do GT5 da ANPEd e ex-presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação). Foto: João Marcos Veiga/ANPEd
Cabe ressaltar, contudo, que mesmo conseguindo-se barrar os efeitos da DRU e DREM, a destinação de recursos para a educação está sob forte risco por dois motivos. O primeiro deles decorre do fato da União, segundo os relatórios do TCU (Tribunal de Contas da União), ter aplicado em manutenção e desenvolvimento do ensino 23,14% da receita líquida de impostos em 2014 e 22,96% em 2015, ou seja, cerca de cinco pontos percentuais acima do mínimo constitucional de 18%. Com isso, mesmo obedecendo a Constituição, o governo Temer pode reduzir os gastos educacionais em cerca de 22%.
Outra questão extremamente grave é a proposta do mesmo governo interino de congelar os gastos primários do governo nos patamares de 2015, corrigindo as despesas orçamentárias apenas pela inflação. O argumento é de que houve uma ‘explosão’ nas despesas sociais. Curiosamente, nem uma palavra sobre a explosão das taxas de juros e dos gastos com juros e encargos da dívida pública, o ‘bolsa família dos milionários’. Estimativa feita pelo economista João Siczú, da UFRJ, para o período de 2006 a 2015, indica que, se a regra Temer-Meirelles já estivesse valendo, a educação teria acumulado perdas de R$ 321 bilhões no período. Assim, considerando que foram gastos 19,7 bilhões com educação, em 2006, pela regra, em 2015 seriam gastos apenas R$ 31,5 bilhões. Na verdade, a União gastou, em 2015, R$ 103,8 bi.
O Gráfico a seguir, elaborado por Luiz Araújo, professor da UNB, compara a evolução da receita de ICMS, principal fonte de recursos para a educação com a Inflação.
Fonte: Luiz Araújo, a partir dos dados do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária).
Os dados do Gráfico 1 indicam que, em todo o período, a receita do ICMS cresceu muito acima da inflação, com exceção das crises de 2009 e 2014. Portanto, se houve um aumento real nos gastos com educação, isso ocorreu basicamente em virtude do crescimento da economia que reflete imediatamente na receita de impostos e acaba beneficiando a educação em virtude da vinculação constitucional, que é o novo alvo da dupla Temer-Meirelles e dos economistas de direita, em geral. A única vinculação que eles não abrem mão é aquela que limita os gastos com pessoal na administração pública, estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal e que impede a melhoria dos salários dos professores e limita a expansão das redes de ensino.
Os dados aqui apresentados indicam o enorme esforço que a ANPEd, através de sua diretoria e de seus associados, em conjunto com as demais entidades que lutam em defesa da educação pública, deve fazer para barrar essas ameaças que não só inviabilizam o cumprimento de qualquer meta do PNE (lembrando que o prazo para a implantação do CAQi - Custo Aluno Qualidade inicial - é junho de 2016), como representam a impossibilidade, inclusive, de garantir as condições atuais de funcionamento para as escolas públicas do país. Enquanto isso, os recursos para o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) continuam a fluir.
Por último, deve-se acrescentar a todos esses problemas os efeitos nefastos da recessão econômica intencionalmente provocada pelo governo nos dois últimos anos, que fere de morte a receita de impostos, fonte essencial de recursos para a educação.
José Marcelino de Rezende Pinto
Professor da USP, membro do GT5 da ANPEd, ex-presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação)