Ética em Pesquisa e Democracia: Saiba o que aconteceu no Seminário da ANPEd

Ética em Pesquisa e Democracia: Saiba o que aconteceu no Seminário da ANPEd

Reportagem: Paulo Carrano e Camilla Shaw*

                                      

                                      O Seminário Ética e Pesquisa aconteceu na UNIRIO

A ANPEd realizou o Seminário de Ética e Pesquisa em Educação entre os dias 29 e 30 de setembro, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), no bairro da Urca, Rio de Janeiro. O evento foi transmitido ao vivo, contou com tradução em Libras, e quem acompanhava on-line podia enviar suas perguntas que eram expostas pelos mediadores das mesas.

                                     

                                     Após as falas dos convidados os participantes podiam fazer seus questionamentos e pontuações

O seminário ampliou o debate sobre a recente resolução (510/2016) aprovada no Conselho de Saúde Nacional que define no âmbito da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) as regras para as pesquisas na área de Ciências Humanas e Sociais. Outro objetivo foi de avançar no debate sobre o compromisso ético que precisa orientar as práticas de pesquisa e seus relacionamentos com os sujeitos e espaços da Educação. E um outro aspecto do seminário foi o de trazer para o debate o necessário nexo entre ética e democracia na educação escolar num momento dramático da vida brasileira em que propostas de caráter conservador tentam limitar a liberdade de expressão de professores e estudantes.

Andrea Gouveia, presidente da ANPEd, resumiu os propósitos do evento: “Nós estivemos por dois dias aqui na Unirio. No dia 29 discutindo sobre ética e pesquisa, que é um tema urgente e necessário pra gente avançar do ponto de vista da natureza e do respeito no trabalho que a gente faz no campo da educação. E no dia 30 tomamos uma outra dimensão da discussão da ética, que é a questão da ética e da democracia, um debate fundamental para pensar uma sociedade plural, justa e democrática”.

                              

                              O auditório da UNIRIO contou com diversos participantes atentos aos palestrantes

No primeiro dia, 29 de setembro (quinta), o encontro se desenvolveu em três mesas: A norma em debate: entre a norma e o compromisso, composta por Jefferson Mainardes (UEPG), João Batista Carvalho Nunes (UECE) e Isabel Carvalho (PUC/RS), com mediação feita por Carlos Eduardo Ferraço (UFES), Vice-Presidente da Região Sudeste da ANPEd; A natureza e especificidades da pesquisa em Educação e a dimensão ética da relação com os sujeitos da pesquisa, com Nilda Alves (UERJ) e Silvia Helena Vieira Cruz (UFC), mediadas por Geovana Lunardi (UDESC), Vice-Presidente da Região Sul da ANPEd; e por fim a mesa A natureza e especificidades da pesquisa em Educação e a dimensão ética do trabalho com as fontes e espaços de pesquisa: imagens, documentos, internet e escolas, com a participação de Cláudia Alves (UFF) e Paulo Carrano (UFF), Primeiro Secretário da ANPEd, com mediação de Miriam Fábia Alves (UFG), Segunda Secretária da ANPEd. 

                             

                             João Batista Carvalho Nunes (UECE), Carlos Eduardo Ferraço (UFES), Isabel Carvalho (PUC/RS) e Jefferson Mainardes (UEPG)

João Batista questionou os critérios estabelecidos para pesquisa na educação: “O que é importante para o campo da pesquisa? Responder a uma exigência burocrática ou efetivamente garantirmos pesquisas de qualidade que contribuam para a área, que tenham responsabilidades sociais, que atendam a princípios aceitos pelas especificidades da área?”. João Batista apresentou quadro de associações internacionais de Educação que adotam códigos de ética ou orientações para a pesquisa e recomendou a adoção do mesmo princípio pela ANPEd.

                                   

                                   Carlos Eduardo Ferraço (UFES) e Isabel Carvalho (PUC/RS) 

Isabel Carvalho identifica a necessidade de garantir a paridade entre as áreas biomédicas e a área das Ciências Humanas e Sociais (CHS) dentro dos comitês de ética em pesquisa. “Essa paridade já está indicada na resolução 510 deste ano, mas como é muito recente ainda está sendo compreendida pelos comitês. É muito importante  para nossa comunidade de pesquisadores em educação sabermos que a gente deve cobrar dos CEPs que isso já está estabelecido pela própria CONEP dentro dessa nova resolução, que os CEPs tem que ter a mesma quantidade de membros das Biomédicas e das Ciências Humanas e Sociais.” Isabel considera que, face a todo o esforço que foi feito nos embates com a área biomédica, e que resultou na criação da resolução específica para a área de CHS, não se pode voltar atrás e que é preciso atuar dentro do sistema CEP-CONEP.  

Jefferson Mainardes afirma que o seminário, além de debater questões de alta relevância, deixa dois encaminhamentos estabelecidos no primeiro dia do seminário: “O primeiro deles é a elaboração de uma nota pública da ANPEd a respeito da situação atual da revisão ética da pesquisa na área da pesquisa das Ciências Humanas e Sociais. O segundo encaminhamento é iniciar o debate no âmbito da ANPEd nos GTs, no FEPAE, no FORPREd, em todos esses comitês científicos, todas as instâncias da anped com relação a ética da pesquisa.”

Confira na íntegra entrevistas dos palestrantes da primeira mesa:

 

 

A ANPEd tem se colocado de forma ativa na construção e ampliação desse debate, seja com a elaboração deste seminário, ou com a representação no GT da CONEP encarregado de elaborar uma Resolução Complementar à Resolução 466/2012, de forma a atender as especificidades das áreas de Ciências Humanas e Sociais. Tendo ciência da importância do tema, a associação possui uma seção específica em seu portal reunindo materiais sobre o tema: regulamentações, vídeos e notícias voltados especificamente para essa questão. Integrado também ao Portal da ANPEd foi criado um fórum aberto a todos os interessados na discussão de grandes temas da área da Educação e dentre eles está a ética em pesquisa. 

                                     

                                     Silvia Helena Vieira Cruz (UFC), Geovana Lunardi (UDESC) e Nilda Alves (UERJ)

Na primeira mesa da tarde do dia 29, Nilda Alves (UERJ) apresentou imagens que circulam pela Internet como forma de discutir a dimensão ética dos usos, muitas vezes problemáticos, das mesmas. Silvia Cruz (UFC), por sua vez, tratou da ética em pesquisa enfatizando a importância de se considerar a dimensão da autonomia e da alteridade em pesquisas com crianças.

                                  

                                  Cláudia Alves (UFF), Miriam Fábia Alves (UFG) e Paulo Carrano (UFF)

Na segunda mesa desta tarde, Cláudia Alves (UFF) tratou do cuidado que se deve ter na pesquisa com o amplo leque de fontes históricas (documentos escritos, objetos, imagens, relatos etc). Destacou a necessária ética do cuidado com os que já morreram e a dignidade que se deve conferir as suas memórias. Por sua vez, Paulo Carrano (UFF) ressaltou que o momento é o de avançar em duas direções: ampliar o público participante no debate sobre a ética em pesquisa em Educação e pactuar compromissos na relação com “os outros” de nossas pesquisas para além da normatização. Em atenção ao tema da mesa, problematizou a pesquisa em ambientes de Internet, escolas e com imagens. Em síntese, afirmou que “enquanto pesquisadores devemos reivindicar produzir conhecimentos em condições de liberdade para representar a visão que temos do mundo que investigamos”.  

                                    

                                    Miriam Fábia Alves (UFG), Andrea Gouveia (presidente da ANPEd) e Carlos Eduardo Ferraço (UFES)

A partir do primeiro dia do seminário alguns encaminhamentos foram estabelecidos, entre eles a retomada do trabalho da Comissão da ANPEd para fomentar o debate sobre Ética e Pesquisa para formular um texto inicial a ser discutido pelos diferentes coletivos que integram a ANPEd, com referência nas discussões produzidas nas mesas, e que culminasse na elaboração de um referencial para nortear a ética na pesquisa na área de educação.  Além disso, Ferraço destaca outra responsabilidade da Comissão “a referida comissão agiria no sentido de estabelecer, sempre que necessário, uma agenda comum de discussão com o Fórum de Ciências Humanas e Sociais, tendo em vista a atuação desse Fórum junto a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa”.

                             

                             Fernando Penna (UFF), Odara Luz (secundarista), Eduardo Prestes (Colégio Pedro II), Andrea Gouveia (presidente da ANPEd) e Maria Luiza Süssekind (UNIRIO)

No segundo dia, 30 de setembro, o “Seminário II - Educação, Ética e Democracia: entre conquistas em risco e resistências” contou com a presença de Odara Luz, estudante secundarista (Colégio Estadual Central do Brasil), e Eduardo Prestes, professor do Pedro II e Fernando Penna (UFF) - a presidente da ANPEd, Andrea Gouveia, coordenou a mesa. Juntos eles trouxeram pontos que se colocam como indissociáveis da construção educacional. Após as falas dos convidados, os participantes do seminário e quem acompanhou on-line fizeram perguntas e intervenções sobre o tema.

Fernando abriu o dia refletindo sobre o movimento conservador Escola Sem Partido e suas nuances na educação. O professor diz que o nome do projeto o leva a ganhar apoiadores, pois “coloca para a gente uma escola, necessariamente, com partido ou sem partido”. Para analisar esse aspecto ele trouxe vídeos referentes à criação do movimento, expondo o que seria seu verdadeiro tom: partidário e com aspectos fascistas em sua argumentação. O professor da UFF levanta quatro elementos formadores da corrente: a concepção de uma educação voltada para o mercado, a desqualificação dos professores, as estratégias discursivas fascistas e o monopólio familiar sobre a educação dos alunos. E atenta sobre a proposta que descaracteriza a função professor como educador, direcionando-o a ser um mero reprodutor de informações para os alunos.

                                     

                                     Fernando Penna (UFF) 

Eduardo Prestes trouxe o cenário vivo de uma escola que já sofre as pressões dessa situação, e iniciou sua fala com uma preocupação. “Por uma escola democrática e sem mordaça”. Ele destaca que a função do professor está ameaçada e considera, em um cenário alarmante, a possibilidade de falência da mesma. Analisa um risco da atualidade: “[a] Arte talvez suma do currículo com essa reforma”, referindo-se a tentativa de reforma no Ensino Médio realizada pelo governo Temer por meio da Medida Provisória 746, de 2016. Também mostra sua esperança em seus alunos e na resistência que o ambiente escolar pode fomentar: “Os meus alunos estão sempre engajados, e vejo que os corredores são espaços de debate”.

                                        

                                 Eduardo Prestes (Colégio Pedro II)

Eduardo finalizou sua fala com uma crítica à falta de participação do professor da Educação Básica: “Estamos na escola, mas precisamos de parceria, gostaria de ver meus pares em ambientes como esse”. Após dizer “não nos esqueçam”, reafirmou a necessidade da continuidade do diálogo entre professores do Ensino Superior e da Educação Básica. E afirmou que são esses os professores que vivem a realidade imposta por esses movimentos conservadores. Ao refletir sobre as formas de resistência em ação, procurou evidenciar que o professor da Educação Básica precisa estar presente nesses debates.

Ambos os professores afirmaram que a ética pressupõe a presença do debate de valores em sala de aula, pois ela existe para regulamentar os limites desses últimos. Penna ressalta a importância de discutir isso com os pais e sociedade civil para não se criar estigmas e concepções precipitadas sobre essas questões em sala de aula.

Odara destacou a força dos alunos secundaristas com as ocupações de escolas no Rio de Janeiro: “Entendemos que ainda não estamos formados, que nossa identidade está se construindo, porém, queríamos construir um espaço sem pressões dos professores e da diretoria. A gente entendeu que a ocupação era uma forma de dar voz aos alunos, começamos a pensar como cidadãos e alunos.”

                                  

                                  Odara Luz (estudante secundarista - Colégio Estadual Central do Brasil)

A secundarista construiu sua fala a partir das experiências entre escolas públicas e particulares. Ressalta a importância da ocupação que trouxe: eleições diretas para a diretoria da escola, reformas na biblioteca, quadra, refeitório e salas de aula. Mas enfatiza que é necessário um diálogo democrático dentro de sala de aula, e que os alunos consideram importante uma construção junto com os professores.

O evento contou com apoio da UNIRIO e, em especial, da professora Maria Luiza Süssekind, coordenadora do GT12 - Currículo, e de seus bolsistas, Débora Ferreira, Matheus Saldanha e Raphael Pellegrini.  

                                  

                                  Débora Ferreira, Matheus Saldanha, Raphael Pellegrini e a professora Maria Luiza Süssekind

 

*Camilla Shaw - estagiária de comunicação da ANPEd

 

 

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