“PNE precisa de um mecanismo mais forte para ser acompanhado e nada impede que seja uma lei de responsabilidade pedagógica”, defende o professor Célio da Cunha, da Universidade Católica de Brasília.
Especialistas da área da educação, juristas e parlamentares defendem uma lei de responsabilidade educacional pedagógica – evitando judicialização excessiva – para acompanhamento das metas do Programa Nacional da Educação (PNE). A criação de uma legislação de responsabilidade da educação é a primeira das 20 metas do PNE.
Aliás, essa meta já deveria ter sido cumprida no primeiro ano de aprovação do programa, em junho último. A proposta é estabelecer obrigações e punições caso gestores não cumpram com as suas obrigações educacionais, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal que monitora as contas públicas do País.
O professor Célio da Cunha, da Universidade Católica de Brasília, considera fundamental criar ferramentas legais para ajudar na cobrança do direito à educação ampla e de qualidade. “O PNE precisa de um mecanismo mais forte para ser acompanhado e nada impede que seja uma lei de responsabilidade pedagógica”, disse.
Ele entende que esse é um tema divergente, mas que deve evoluir. Serão cobradas responsabilidades de governadores, prefeitos, secretários de educação, dos gestores das unidades escolares e até mesmo da família. “Haverá conflito, mas todos nós sabemos que não há progresso sem conflito”.
Para Cunha, o acompanhamento dos operadores da justiça é um novo capítulo que se inaugura na educação brasileira. “Eles precisam agora de instrumentos legais para ter mais argumentos e cobrar o direito à educação. Não apenas o direito à educação em termos quantitativos, mas também cobrança na qualidade”, disse ele, que participou na quarta-feira, 19, de uma nova rodada de audiências públicas na Comissão Especial destinada a debater o projeto de lei 7420/06 que trata do balizamento das metas do PNE.
Metas comprometidas
Para o relator do PL nº 7420/06 na Comissão Especial, o deputado João Carlos Bacelar (PTN-BA), a falta de uma lei já compromete as metas do PNE. “O PNE completou um ano em junho e duas metas já deixaram de ser cumpridas”, disse ele, referindo-se a não aplicação da Lei de Responsabilidade Educacional e o descumprimento da meta que propõe planos locais e regionais de educação de todos os estados e municípios.
A comissão especial está promovendo uma série de debates no País para colher informações e dar embasamento ao projeto substitutivo a ser apresentado pelo relator do PL.
O parlamentar também defendeu uma legislação de caráter pedagógico. “Quando se fala de uma lei de caráter pedagógico é para evitar a judicialização excessiva de questões de educação. Mas alguma punição tem que ser utilizada”, disse Bacelar.
Segundo ele, a situação do quadro educacional é grave. Citou dados do último censo mostrando a precariedade na rede física das escolas públicas: mais de 50% das escolas não têm rede de esgoto, um terço não tem água, outra parcela não tem energia elétrica. “E de quem é essa responsabilidade?”, argumentou.
Ele lembrou que em 1932 o educador Anysio Teixeira já defendia uma lei de responsabilidade de educação, o que poderia ter evitado os graves problemas estruturais que se avolumam a cada período.
“Nossas crianças chegam ao quinto ano da educação básica analfabetas. No último Enem 500 mil alunos tiraram zero em redação e já estamos com quase 7% de investimento no PIB em educação e queremos chegar aos 10% do PIB. Mas a aplicação de recursos sem cobrança de responsabilidades e de resultados só gera corrupção”, afirmou.
Prioridade do Sistema Nacional de Educação
Antes mesmo da aplicação de uma lei de responsabilidade da educação, a coordenadora do grupo de trabalho de educação do Ministério Público do Rio de Janeiro, Maria Cristina Cordeiro, defendeu celeridade na aplicação do Sistema Nacional de Educação – que também faz parte das estratégias do PNE – para que a prestação dos serviços educacionais entre estados e municípios seja uniformizada e que sejam criadas ferramentas para balizamentos de dados. Existem 20 projetos de lei apensados ao PL 7420/06, dentre os quais o PL 5519/2013, do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), que institui o Sistema Nacional de Educação.
Segundo a especialista do MP/RJ, a ausência de um sistema nacional é uma das principais deficiências, porque dificulta a cobrança ao cumprimento dos serviços educacionais. “Por ora, utilizamos as leis que já existem que até certo ponto suprem na constatação de desvios do dinheiro público”, disse.
Carência de fiscalização dos recursos
Embora existam várias fontes de fomento à educação pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação (MEC), a especialista lamenta a falta de fiscalização nos recursos aplicados. Um exemplo, disse, é o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) que dispõe que 60% dos recursos, no mínimo, sejam aplicados na remuneração dos profissionais do magistério da educação básica.
“A fiscalização desses recursos é extremamente precária. Eles não têm braços para fiscalizar isso”, disse. Na audiência pública parlamentares citaram dados do Tribunal de Contas da União apontando que em 60% dos recursos do Fundeb aparecem indícios de irregularidades.
Outro exemplo, acrescentou, é o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), cujos recursos saem diretamente dos cofres da União para escolas públicas do ensino básico. “São quase 200 mil escolas públicas e o MEC não tem condições de fiscalizar isso”, apontou.
Cordeiro reconhece que o MEC vem se esforçando, embora lentamente, pelo programa contas online para tornar efetiva a fiscalização dos recursos. “Mas como cobrar do gestor se não se consegue ter informações?”, questionou.
Para ela, o sistema é complexo. “Nem todos os municípios têm informações disponíveis em seus sites, apesar da lei de transparência. Investir em educação tem sido prioridade no discurso de todos, mas não é o que se vê na prática”, acrescentou.
A sugestão da procuradora do MP/RJ é estabelecer nas leis orçamentárias a previsão dos recursos destinados à educação, tornando possível o acompanhamento da execução dos valores. Outra sugestão, já levada ao MEC, é usar o número do CPF de todos os professores remunerados pelo Fundeb, tornando possível o cruzamento de dados e acompanhando o desembolso da verba para educação.
A especialista também defende capacitação dos gestores escolares. “No caso do dinheiro direto na escola, muitos deles não sabem o que fazer com o dinheiro. Chegam a devolver aos cofres da União por medo de usar”, lembrou.
Mais objetividade
Cordeiro analisou o PL em discussão (nº 7420/06) e disse que o texto carece de parâmetros objetivos. Sugeriu esclarecer o que é uma educação de qualidade e como essa medida poderia ser implementada. Sugeriu ainda estabelecer no texto as ações de responsabilidade dos gestores de educação e quais as ações que seriam judicializadas para que, em casos de não cumprimento dos serviços, possam ser responsabilizados e punidos.