Romualdo Portela concedeu entrevista para o Portal da ANPEd, nela o prof. da Faculdade de Educação da USP demonstra consciência da necessidade de realizar seu trabalho de representante como ponte entre a CAPES e a área da Educação. E para isso elenca desafios para o diálogo que a área precisa enfrentar de forma a aprofundar a busca da qualidade da produção em educação. Segundo o professor Romualdo, é preciso rever procedimentos que aperfeiçoem o processo de avaliação de forma que a mola mestra não seja pura e simplesmente o aumento quantitativo do números de produtos no período base de avaliação dos programas de pós-graduação. É nesta perspectiva que trata de temas tais como: internacionalização, avaliação de livros, integração com as áreas de ensino.
Confira e entrevista:
Portal ANPEd - Que questões julga serem prioritárias para a pauta da pós-graduação em educação no país?
Acho que temos várias questões importantes a serem discutidas no próximo período e que deverão receber a atenção da área. Elencarei a seguir quatro delas que me parecem as mais urgentes.
A primeira diz respeito à defesa das Ciências Humanas e da Educação em particular como uma área importante de investimento na pesquisa. Isso é uma via de mão dupla. Se defendemos a priorização do investimento em pesquisa na área, temos de ser capazes de qualificá-la, no sentido de cada vez mais realizarmos pesquisas relevantes e de qualidade. Nessa perspectiva, estimular a pesquisa de qualidade é o objetivo maior da avaliação na área. Essa tarefa traz desafios enormes para nós. De um lado, devemos ser capazes de evidenciar que o que fazemos é socialmente relevante, ou seja, devemos ser capazes de mobilizar o conhecimento produzido na área para suas diversas aplicações, para mostrar que a pesquisa na área tem resultados importantes e por isso deve ser financiada e incentivada. Temos de ser capazes de dar visibilidade aos resultados importantes a que eventualmente chegamos. De outro, aprofundar o debate sobre o que significa a pesquisa de qualidade, qual a fronteira de conhecimento que temos de ultrapassar? Enfim, este primeiro desafio exige de nós uma qualificada reflexão sobre a pesquisa em educação. Nesse contexto, temos de discutir o que significa a internacionalização que precisamos. Certamente, não é buscar fazer no exterior o que é possível e muitas vezes já é feito no Brasil. Por exemplo, até agora tenho ficado muito assustado com o grande número de pedidos de bolsa de doutorado pleno no exterior que é submetido à Capes e que, na maioria das vezes, seria mais bem realizado no Brasil e, eventualmente, complementado com um estágio sandwich no exterior. A internacionalização que necessitamos é a que nos habilite a circular nos centros mais importantes de pesquisa na área, que redunde em pesquisas e publicações conjuntas, enfim, não é uma busca da internacionalização pela internacionalização.
A segunda grande questão diz respeito à definição mais precisa da área e de seus programas. Isto requer um debate sobre dois temas. O primeiro deles diz respeito à nossa relação com a Área de Ensino. No momento, há muita sobreposição entre as duas. Por exemplo, no meu programa temos uma linha de ensino de ciências e matemática (que obviamente é avaliada na área de educação) e parte dos pesquisadores que atuam nessa linha de pesquisa atuam em um programa de ensino de ciências que é avaliado na área de ensino. As mesmas atividades são avaliadas de forma diferente em cada área para estes professores. Situações como esta, são comuns. Temos de realizar uma discussão com os colegas da área de ensino e no interior de nossa área de modo a que definamos melhor o que cabe a cada uma. Na mesma perspectiva, temos de definir melhor nossos programas. Há uma certa sobreposição entre Mestrados Acadêmicos e Profissionais. A própria Diretoria de Avaliação tem pensado em realizar um processo de reclassificação dos programas, de modo a que cada um defina melhor sua vocação, se quer ser acadêmico ou profissional. É importante salientar que o Mestrado Profissional não é um Mestrado Acadêmico com menos qualidade. O que distingue um do outro é que o acadêmico está vocacionado para a pesquisa, para o alargamento do campo, para a ampliação do conhecimento disponível e o profissional para a aplicação a situações práticas (preferencialmente nas redes públicas de ensino) do conhecimento já disponível. Isso implica que temos de pensar a avaliação de cada um de maneira específica, não podemos avaliá-los com a mesma métrica. Em parte isso já ocorrerá ao final deste quadriênio, posto que a definição do Conselho Superior da Capes, de dezembro passado, é que a avaliação dos acadêmicos dar-se-á em momento diferente dos profissionais. A cada área cabe aprofundar uma compreensão mais precisa das especificidades de cada um. Equacionar essas questões me parece uma pré-condição para a valorização da área no conjunto da pós-graduação. De um lado, buscarmos a melhoria da pesquisa de qualidade e, de outro, disseminar para públicos amplos os resultados dessas pesquisas.
A terceira questão diz respeito à avaliação da pós-graduação propriamente. Eu dividiria essa questão em três tópicos. O primeiro diz respeito a como avaliar de modo a que o mais bem avaliado seja o de mais qualidade. Uma das críticas mais disseminadas à avaliação da Capes é que ela estimula o chamado "produtivismo acadêmico". Isso me parece equivocado, pois o contrário do produtivismo é o improdutivismo e nós na área de educação não defendemos isso. Mais apropriado seria dizer que o modelo de avaliação atual estimula a produção em quantidade. O desafio é desenvolvermos uma avaliação que priorize a produção de qualidade. Se tomarmos os pesquisadores que mais pontuaram para seus programas nas últimas avaliações veremos que eles são os que produziram mais, não necessariamente foram os que produziram melhor. Isso me leva a ser muito simpático a uma contabilização dos produtos como faz o Comitê de Área do CNPq, que estabelece um número máximo de produtos que serão avaliados. Por exemplo, quantos bons produtos é possível se produzir em um quadriênio? Dez, doze? Enfim, acho que poderíamos considerar contabilizar apenas os 10, 12 melhores. Isso traria um enorme impacto. De um lado sinalizaria que o que precisamos é de bons produtos, não de muitos produtos de menor qualidade. De outro, não criaríamos uma pressão por publicar qualquer coisa que acaba com que se desmoralize a pesquisa na área. A segunda questão na qual precisamos avançar no debate é a respeito da avaliação dos livros. Há, de um lado, uma pressão para que não se considerem os livros na avaliação da produção acadêmica. Nós temos posição consolidada em sua defesa, assim como as demais áreas que o fazem (são 22 no total). Acontece que há uma disparidade muito grande na avaliação de livros, nem sempre se captando a qualidade dos mesmos no que diz respeito à pesquisa. Esta é uma reflexão que precisamos desenvolver. Como avaliar a qualidade da produção publicada na forma de livros? Isso é um problema em si e relativo a um debate que teremos de fazer com as demais áreas. Está prevista a realização de um seminário entre áreas que avaliam livros, para se discutir um modelo mais comum de avaliação dos livros. Temos de nos preparar para ele. Acho, inclusive que temos algumas contribuições importantes a esse debate tomando como referência o que temos feito. Ao mesmo tempo que temos de defender o livro como um importante meio de difusão da produção na área, é exatamente no livro que existe a "falsa" produção. Aquela que é feita para cumprir tabela, que não é submetida a nenhum julgamento de pares etc. Assim, temos de ser capazes de desenvolver critérios que separem o joio do trigo. O que fazer com as publicações pagas, que não são submetidas a nenhum julgamento por pares? Com as de mero apelo comercial, que são meras repetições do já conhecido ou amontoados de lugares comuns? Enfim, precisaremos qualificar o debate nesse tópico, inclusive como condição para defendermos o livro no contexto da avaliação da pós-graduação.
Finalmente, gostaria de mencionar uma preocupação que tenho sobre nosso modelo de avaliação. O modelo trabalha com a ideia de que avaliados determinados meios (os cinco quesitos), isso nos garantiria boa qualidade da pós-graduação. Mas o que é a qualidade da pós-graduação, senão a produção de boas teses e boas dissertações. Ou seja, não avaliamos diretamente o que queremos que seja bom, o produto dos cursos de pós-graduação. O argumento que se usa contra isso é que a produção é tão grande que não haveria condições físicas de se avaliar esses produtos. Entretanto, à medida que os programas crescem, a avaliação que fazemos se complexifica. Por exemplo, temos dois mil livros por ano na área. Enfim, em nenhum momento consideraremos avaliar os produtos? Como isso poderia ser feito?
Enfim, esses me parecem os maiores desafios que temos pela frente. Algumas das problematizações acima apresentadas estão ancoradas em ideias que gostaria muito de discutir com a área.
Quais os desafios que está encontrando à frente da coordenação de área na Capes?
Meu mandato recém começou. Estou ainda conhecendo a Capes e os programas. Aliás, já tenho uma agenda de visitas a programas bastante intensa para os próximos meses e, na medida do possível, pretendo mantê-la nos próximos anos. Creio que uma de minhas funções é estimular o diálogo permanente com os programas, compreender suas especificidades e demandas e fazer com que percebam também o potencial indutor de aperfeiçoamento que se busca com a avaliação da pós graduação. Nesse sentido, minha função é de tentar combinar dois tipos de demanda. De um lado, ser o representante da área na Capes e de outro, e seria falso se eu não reconhecesse isso, o representante da Capes na área.
O que espero é que consiga dialogar com os programas e com a Capes o tempo todo na busca de melhoria da pós-graduação em educação no Brasil.