Confira a entrevista especial do portal Anped com José Marcelino Rezende Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto. Especialista em financiamento, Marcelino trata da necessidade da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), analisando os contratempos e atrasos nesse processo, além de elucidar pontos centrais para a consolidação de avanços, como o Custo Aluno Qualidade inicial (CAQi).
Portal Anped - Em que medida a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), com a garantia da destinação de parte do PIB brasileiro para a área, garante uma real ganho para sanar os problemas da educação no país? Tendo em vista o processo histórico que levou a sua formulação e debate em três diferentes governos (FHC, Lula e Dilma), essa aprovação é uma questão de urgência?
José Marcelino Rezende Pinto - É evidente que a questão mais crítica em qualquer plano, seja ele de educação, ou de que área for, é como garantir a sua viabilização. E isso passa por dois aspectos: um bom diagnóstico e o cálculo dos recursos financeiros necessários para o atingimento de suas metas. No PNE-2001-2010, aprovado no Governo FHC, embora houvesse um diagnóstico e um grande número de metas, o veto, por parte do presidente, da meta que determinava o investimento público em educação de 7% do PIB jogou por terra qualquer possibilidade de sua implementação. Estudos do IPEA mostram que de 1995 a 2005 os gastos educacionais públicos do país ficaram praticamente congelados (e caíram em alguns momentos) quando comparados ao PIB. O atual PNE (que deveria ter sido votado em 2011), que se encontra em votação terminativa na Câmara dos Deputados, já nasceu com um problema congênito que foi a falta de um diagnóstico dos problemas educacionais do páis no projeto enviado pelo Executivo ao Congresso.
O segundo problema é que não obstante o grande esforço feito pelos entes federados - capitaneados pelo governo federal de realização das conferências municipais, estaduais, e final da Conferência Nacional de Educação (CONAE) com vistas à elaboração coletiva de um segundo Plano de Educação que, de fato, representasse os anseios e necessidades da nação -, no projeto enviado ao Congresso, muitas das deliberações mais importantes aprovadas pela Conae no que se refere ao financiamento foram retiradas, ou modificadas. Refiro-me à questão dos 10% do PIB para educação pública (que teve o índice reduzido para 8%), à contabilização como gasto púbico de recursos destinados ao setor privado (o que continua no atual substitutivo do Dep. Vanhoni), nas metas tímidas de ampliação do ensino técnico-profissional e da educação superior (que foram deixados ao setor privado e à EAD) e, finalmente, com a exclusão da implementação do CAQi (Custo Aluno Qualidade inicial). Com relação ao CAQi, proposta que saiu de forma quase unânime da CONAE e fruto de um esforço coletivo de se avançar nos efeitos redutores de desigualdade do Fundeb de modo a se garantir um padrão básico de qualidade de ensino, o que, de longe, não foi propiciado por este fundo. Basta dizer que o valor mínimo por aluno do Fundeb é pouco mais da metade do maior valor (59%) e que mesmo o valor estimado para SP (o segundo maior do Brasil) é de cerca de 1/3 do valor da mensalidade de uma escola privada freqüentada pela Classe média. Se compararmos com as escolas privadas que tiram as maiores notas no ENEM, o valor de SP é de quase um décimo!
As tramitações do projeto na Câmara e os substitutos propostos posteriormente no Senado evidenciaram forças antagônicas em disputa, com riscos de o PNE flexibilizar o compartilhamento de recursos públicos para o setor privado, colocando em xeque a real ampliação do investimento em educação pública, e não apenas gratuita. O que este quadro tem de implicações para assegurar o direito à educação de qualidade e para mobilizar os setores que defendem a educação pública?
A tramitação na Câmara representou todo um esforço das entidades ligadas à defesa da educação pública - entre elas a ANPED, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, CNTE, ANPAE, MIEIB - de incluir no projeto finalmente aprovado naquela cãmara tudo aquilo que estava no documento da Conae e que foi retirado do projeto enviado pelo Executivo. No que se refere ao financiamento destaca-se a questão dos 10% do PIB para a educação pública, a implementação do CAQi e, posteriormente, do CAQ (que já seria um patamar ampliado de qualidade) e a ampliação da rede pública estatal para assegurar as enormes demandas da sociedade, em especial, na educação infantil, formação técnico-profissional, educação superior e educação especial. Nesse sentido, a mobilização social foi vitoriosa e boa parte dessas bandeiras foram retomadas ou fortalecidas no Substitutivo aprovado na Câmara. Encaminhado ao Senado, contudo, o projeto sofreu graves retrocessos, em especial no que se refere à definição de uma lógica de ampliação das matrículas através do setor privado com a transferência de recursos públicos, invertendo praticamente a diretriz básica de recursos públicos para escolas públicas assumida pela Câmara e que, alias é consagrada em nossa constituição.
O que se constata é que o setor privado de ensino (lucrativo, ou não, incluindo-se aí o sistema S), viu na ampliação dos gastos em relação do PIB (a qual só foi possível com a enorme mobilização das forças comprometidas com a educação pública) uma nova fonte de recursos em detrimento da rede pública. De volta à Câmara, o relator, Dep. Ângelo Vanhoni, após várias mobilizações, incorporou questões importantes no que se refere ao fortalecimento da educação pública da versão original que havia sido modificada no Senado, embora tenha mantido, como já disse, a contabilização de recursos públicos transferidos ao setor privado (via Prouni, Pronatec, Subsídio ao FIES, bolsas de estudo, convênios etc) e a possibilidade de atendimento exclusivo na educação especial, setor este dominado por instituições privadas, como as APAES, que exerceram forte lobby no Congresso.
A elaboração do Custo Aluno Qualidade inicial (CAQi), da qual o senhor participou, visa inverter a lógica do investimento atual ao privilegiar a garantia de uma qualidade mínima e não um montante a ser dividido. Quais seriam as consequência diretas da aprovação do CAQi ponderando-se as diferenças da qualidade mesmo dentro da rede pública?
Com o CAQi garantiria-se que nenhum aluno do país, via Fundeb, receberia um valor aluno inferior àquele praticado pelo fundo em SP. Isso estaria ainda longe de uma qualidade substantiva (haja vista os problemas do ensino público de SP), mas já seria um passo importante ao praticamente eliminar as diferenças entre estados no Fundeb e ao garantir um padrão mínimo de qualidade de ensino. Para tanto bastaria a União destinar como complemento ao Fundeb 1% do PIB, um valor totalmente viável para quem arrecada cerca de 20% do PIB.
Por fim, o PNE aparece como a melhor forma de financiamento a longo prazo, ou outras formas também devem ser pensadas nesse período até sua conclusão? Outros países teriam soluções a serem estudadas e testadas por aqui?
Entendo que o PNE articulado com um mecanismo de fundo permanente (pois o Fundeb acaba em 2020) e com a definição de um CAQ incremental, que vá ampliando a quantidade e qualidade dos insumos educacionais garantidos a cada estudante, representam o melhor investimento que o país pode fazer no seu futuro. Cabe alertar que já estamos uma década atrasados, desde o não cumprimento dos 7% do PIB do PNE 2001-2011.
Os países que tem uma boa educação se caracterizam basicamente por duas coisas:
1- todos (pobres e ricos) estudam em uma escola pública comum;
2- A profissão de professor valorizada social e economicamente. Na Finlândia e Coréia do Sul, são destinados aos cursos de formação de professor aqueles estudantes que apresentam o melhor desempenho em seus exames nacionais de ensino médio. A formação de professores está na mão do Estado e é altamente regulada. No Brasil, lamentavelmente, é o inverso. Só na educação à distância são oferecidas mais de um milhão de vagas por ano para os cursos de formação de professores!