O Boletim da ANPEd entrevista nesta edição o professor Carlos Roberto Jamil Cury. Professor adjunto da PUC Minas, foi presidente da CAPES em 2003 e membro do CTC da Educação Básica (2009-2011) da CAPES e da Comissão de Educação da SBPC. Um dos principais especialistas em educação no país, Cury participou em maio da Conferência Livre sobre a Conae 2014 e o Sistema Nacional de Educação (SNE), organizada pela ANPEd na FAE-UFMG.
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Na entrevista que se segue, o prefessor analisa alguns dos principais pontos que envolvem a Conae e o SNE, além de demandas de valorização dos profissionais da educação.
Segundo envolvidos, o SNE configura-se atualmente como o principal nó para a Conae 2014. Quais são as questões levantadas quando o senhor diz que é preciso passar da "existência para a consistência"?
Imagine um recém chegado do Brasil rural profundo e entrando em uma aeronave... Dá frio na barriga, a mãos suam e vai por aí. A primeira vez é a primeira vez. Por vezes dá mesmo um nó. Desatar este nó, felizmente, pode contar com a boa vontade de amplos segmentos dos entes federativos para sentar-se à mesa e discutir o que deve ser nacional (vale dizer para todos os sistemas de educação) e o que deve ser federativo (isto é para o exercício da autonomia dos sistemas). O que não dá é uma postura vertical ou uma recusa à participação. No primeiro caso, o sujeito é o MEC; no segundo são os sistemas aí incluídas as redes públicas e privadas. Temos que encontrar um modo de desatar o nó, juntos.
Do ponto de vista prático, quais foram os principais avanços da Conae 2010 para as atuais discussões que antecedem a Conae 2014?
Aqui há 2 elementos a considerar: se a emenda 59/09 constitucionalizou o dispositivo denominado Sistema Nacional de Educação, o que isto significa: um conceito que traz uma novidade ou um conceito que abraça sob outro nome o mesmo já existente ? Se há um novo, em que ele consiste ? Decorre daí os modos operatórios pelos quais dar-se-á vida ao conceito por meio de redefinições em áreas a serem efetivadas pelo regime de colaboração. Aqui entram assuntos como conteúdos mínimos nacionais imperativos, dispositivos curriculares e avaliações. Entram definições dadas pelo Conselho Nacional de Educação quanto à normatização da LDB: quais são imperativas, quais são autorizativas? A atual composição do CNE responde a um novo conceito de Sistema Nacional? Quais os limites da regulação em torno das redes privadas?
A CONAE 2010 mobilizou os educadores e a maioria dos sistemas, especialmente os municipais. Dele pode-se dizer que houve a sensibilização para o Sistema Nacional, vingando na emenda constitucional 59/09 e houve a constituição do Fórum Nacional de Educação como órgão consultivo e apoiador do novo CONAE. E agora a participação, ainda mais mobilizadora, não pode ser frustrada em relação a um modo operatório do SNE.
Qual a importância de algumas das atuais demandas relativas às políticas de valorização dos profissionais da educação, como o cumprimento da Lei do Piso do Magistério, a criação de um plano de carreira e o cumprimento do terço da hora-atividade em atividades extra-classe?
O conjunto da lei do piso se alia ao Conselho Nacional, ao Fórum Nacional, ao FUNDEB e às avaliações, todos dispositivos com caráter nacional.
Onde reside o problema do piso? Todos, hoje, reconhecem sua necessidade e urgência como um plano de cargos e carreira e um tempo dedicado ao trabalho escolar voltado para o exercício do ato docente em sala. O problema reside no fato real de que o piso está tendo que se adaptar aos diferentes modos de carreira existentes nos entes federativos. Eles são muito distintos e aí é que deveria entrar a função supletiva da União em compensar as dificuldades financeiras até que se estabeleçam diretrizes nacionais comuns mínimas para todos os entes federativos à luz das quais se fariam as redefinições nas carreiras dos Estados e Municípios. Isso só uma mesa interfederativa poderá dar conta, dada a complexidade do assunto.
Assim, excetuado o salário do piso, o mais deveria conhecer um caminho de transição, fruto de um consenso mais amplo.
Na mídia coloca-se o problema de educação brasileira como sendo basicamente falta de verba. Por outro lado, percebe-se uma desarticulação entre as diversas esferas da educação pública brasileira. A seu ver, qual a postura e o pensamento que devem nortear essas discussões, afim de alcançarmos resultados concretos?
O lado conservador da luta em torno da insuficiência de recursos proclama que eles são mal geridos e carentes de avaliação. E insistem na avaliação de desempenho dos docentes. O lado corporativo insiste na insuficiência de recursos e topa a avaliação desde que haja melhoria das condições. Ambos os lados concordam com a formação permanente e continuada. É preciso reconhecer que a falta de verbas vêm prejudicando de modo significativo a maior atração para a carreira e trazendo uma radiografia de desânimo dos que atuam na docência. Por outro lado, as avaliações vieram e vieram para ficar. Elas são necessárias, porém devem ser repensadas. O problema é que os sucessivos governos se distanciaram de tal modo do "chão da escola", os docentes foram se tornando desanimados com tanta descontinuidade de políticas e de programas, que só os movimentos sindicais deram voz a estes profissionais. Sem recuperar um campo de diálogo e de negociação, fica difícil não ver a continuidade desse dualismo.