reportagem: Camilla Shaw
Conquista histórica de diálogo e articulação entre sociedade civil, entidades diversas e poder público em prol da educação pública brasileira, o FNE recebeu um grave golpe ao final de abril desde ano. Concretizando algo que já vinha sendo sinalizado sob o governo Temer desde 2016, a atitude arbitrária da atual gestão do MEC retalia o estatuto do Fórum e coloca em xeque uma história construída de forma democrática nos últimos 10 anos para assumir uma missão nobre e complexa, sobretudo no que se refere ao acompanhamento e cobrança para a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE). Saiba mais sobre a história, atribuições e funcionamento do FNE. Saiba mais sobre a relação entre ANPEd e FNE - ao final também confira entrevista com anpedianos/as que estiverem presentes em importantes ações do Fórum, como a CONAE 2014.
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O Fórum Nacional de Educação (FNE) é uma entidade que se formou após a Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010. No documento final desse encontro foi estabelecido que o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o FNE eram entidades essenciais para a consolidação de uma gestão democrática da educação básica e superior brasileira em um Sistema Nacional de Educação. O documento ressalta a necessidade de “espaços articulados de decisão e deliberação coletivas para a educação nacional”, que seriam representados por fóruns e conselhos, em âmbito nacional e regional, e CONAE. Também apresenta o Plano Nacional de Educação (PNE) como espaço de definição de políticas públicas e as instituições educativas como espaços de “construção coletiva de planos de desenvolvimento institucionais e de projetos político-pedagógicos.”(CONAE, 2010)
Neste sentido, o “MEC será o órgão executivo/ coordenador das políticas nacionais do Sistema Nacional de Educação, e os conselhos (o CNE, os CEEs, o CEDF e os CMEs) terão caráter normativo, deliberativo e fiscalizador das políticas de Estado.” (CONAE, 2010) Já o FNE se constituiu por ampla representação dos setores sociais envolvidos com a educação, tendo como responsabilidade principais a organização da CONAE e o acompanhamento da tramitação do Plano Nacional de Educação. Luiz Fernandes Dourado, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), membro do FNE entre 20014 e 2016, explica que o Fórum conta com comissões permanentes para a viabilização de seus trabalhos, "a Comissão de sistematização e a Comissão de mobilização, além de grupos de trabalhos temporários”. Confira a entrevista completa ao final da matéria.
Para Margarida Machado (UFG), ex-presidente da ANPEd, a importância do FNE se configura ao representar um espaço de diálogo entre o estado e a sociedade civil. Para ela a pauta da educação é muito complexa e precisa ser debatida por diversos setores envolvidos na área. “Considero o FNE um espaço importante para a disputa em torno da defesa da educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todos.” Confira a entrevista completa no final da matéria.
Arbitrariedade e desmonte de FNE
No entanto, em abril de 2017 o MEC estabeleceu via portaria mudanças na composição do Fórum Nacional de Educação de forma autoritária, passando por cima do regimento interno do fórum, além de ceder à Secretaria-Executiva do ministério a responsabilidade pela organização da CONAE 2018, agora ameaçada. Clique aqui e confira reportagem completa.
A ação do MEC destituiu assento de associações históricas do campo da pesquisa em Educação, dentre elas a ANPEd. Em nota de repúdio, assinada por mais de 20 entidades, é evidenciado a dissolução do FNE. “Em análise preliminar percebe-se a intenção do Governo de restringir a participação das atuais representações, excluindo entidades representativas de segmentos essenciais — como o campo, a pesquisa em educação e o ensino superior. [...] Ao nosso juízo, pelas razões acima expressas, o FNE foi — na prática — dissolvido, já que as portarias anteriores foram revogadas.” Clique aqui e leia a Nota de repúdio à Portaria n. 577 de 27 de abril de 2017 do MEC na íntegra.
No dia 17 de maio, entidades e movimentos ligados a educação se reuniram para analisar de forma mais aprofundada conteúdos do Decreto do Poder Executivo de 26 de abril de 2017 e da Portaria do MEC no 577, de 27 de abril de 2017. Após o encontro, foi formulada e enviada uma Carta Aberta ao MEC pela revogação de decretos de desmonte do Fórum e da CONAE 2018. Confira a carta na íntegra.
O isolamento do FNE na gestão da educação brasileira e de suas próprias funções sob o governo Temer já havia sido sinalizada por Heleno Araújo Filho, coordenador do FNE, em uma carta aberta de 06 de dezembro de 2016. Clique aqui para ler o documento na íntegra.
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ENTENDA
O que é o Fórum Nacional de Educação - FNE?
[site FNE] O Fórum Nacional de Educação (FNE) é um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, reivindicação histórica da comunidade educacional e fruto de deliberação da Conferência Nacional de Educação (Conae 2010). Ele é composto por 50 entidades representantes da sociedade civil e do poder público (confira quais são as entidades que integram o FNE). Destas, 39 entidades são titulares e as demais suplentes (conheça os representantes de cada entidade). Sua atribuição principal diz respeito à organização da CONAE e acompanhamento do Plano Nacional de Educação (PNE).
Quando?
[site FNE] De caráter permanente, o Fórum Nacional de Educação foi criado pela Portaria Ministério da Educação n.º 1.407, de 14 de dezembro de 2010, publicada no Diário Oficial da União de 16 de dezembro de 2010, e instituído por lei com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) (saiba mais a respeito do PNE), pela Lei 13.005, de 24 de junho de 2014. Direcionado por um Regimento Interno.
O que ele faz?
[site FNE/ CONAE 2010] Suas atribuições principais, pontuadas inicialmente na CONAE 2010, são: convocar e coordenar as próximas edições da Conae; acompanhar a tramitação do novo PNE (2011-2020) no Congresso Nacional; incidir pela implementação das diretrizes e deliberações tomadas nesta e nas demais edições da Conae.
I – Participar do processo de concepção, implementação e avaliação da política nacional de educação;
II - Acompanhar, junto ao Congresso Nacional, a tramitação de projetos legislativos referentes à política nacional de educação, em especial a de projetos de leis dos planos decenais de educação definidos na Emenda à Constituição 59/2009;
III - Acompanhar e avaliar os impactos da implementação do Plano Nacional de Educação;
IV - Acompanhar e avaliar o processo de implementação das deliberações das conferências nacionais de educação;
V - Elaborar seu Regimento Interno e aprovar "ad referendum" o Regimento Interno das conferências nacionais de educação;
VI - Oferecer suporte técnico aos Estados, Municípios e Distrito Federal para a organização de seus fóruns e de suas conferências de educação;
VII - Zelar para que os fóruns e as conferências de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estejam articuladas à Conferência Nacional de Educação;
VIII - Planejar e coordenar a realização de conferências nacionais de educação, bem como divulgar as suas deliberações.
Como se articulou a criação do Fórum?
[site CONAE] O Fórum se articulou a partir da comissão organizadora da CONAE 2010, esta por sua vez foi constituída a partir da Portaria Ministerial nº 10/2008. Era uma comissão de 35 membros responsável pelas tarefas de coordenar, promover e monitorar o desenvolvimento da CONAE em todas as etapas. Na mesma portaria foi designado o Secretário Executivo Adjunto Francisco das Chagas para coordenar a Comissão Organizadora Nacional.
A Comissão Organizadora Nacional é integrada por representantes das secretarias do Ministério da Educação, da Câmara e do Senado, do Conselho Nacional de Educação, das entidades dos dirigentes estaduais, municipais e federais da educação e de todas as entidades que atuam direta ou indiretamente na área da educação.
Na CONAE 2010 foi estabelecido em seu documento final a necessidade de formalização do FNE.
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ENTREVISTA
O FNE se estrutura a partir de um coordenador, comissões, grupos de trabalho temporários, secretário executivo, e a equipe da secretaria executiva. Como esses setores dialogam entre si e as entidades que compõe o Fórum? Quais as responsabilidades de cada (de forma simplificada)?
[Maria Margarida Machado] A lógica da coordenação geral era de revezamento entre um representante do governo e um da sociedade civil. O Profº Chagas (MEC) assumiu o primeiro mandato e o Proº Heleno (CNTE) estava cumprindo agora. As comissões são muito dedicadas à dinâmica das conferências, como você pode observar no que está previsto no Regimento interno do FNE: http://fne.mec.gov.br/images/pdf/RegimentoFNEagosto2014.pdf
Mas, como o FNE é um órgão pensado para o acompanhamento de toda a política pública de educação e não só para preparar as conferências, ele tem uma dinâmica de debates em grupos de trabalho que devem acompanhar as políticas no MEC e no congresso e se posicionar sobre elas, inclusive subsidiando o executivo e o legislativo com os dados da realidade.
[Luís Dourado] O FNE possui coordenação e secretaria executiva cuja papel precípuo é garantir processos articulados e com ampla participação das entidades e segmentos que compõem o FNE. Para viabilização de seus trabalhos, o FNE conta com duas comissões permanentes: a Comissão de sistematização e a Comissão de mobilização, além de grupos de trabalhos temporários.
Luiz Fernandes Dourado
Foto: Victor Ribeiro/ASN (http://www.seed.se.gov.br/portaldoprofessor/noticia.asp?cdnoticia=7679)
Qual a importância da existência do FNE?
[Machado] O FNE é a configuração da potencialidade que o diálogo entre sociedade civil e sociedade política precisam manter numa concepção de Estado Ampliado (Gramsci). A pauta da educação é muito complexa e precisa ser amplamente debatida, sobretudo pelos que defendem a educação pública nesse país. Considero o FNE um espaço importante para a disputa em torno da defesa da educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todos.
Na prática, como ele articula a interlocução entre a sociedade civil e o Estado? Participa das comissões? Tem direito de voto?
[Machado] As comissões de educação da Câmara e do Senado tem assento no FNE. Elas convidam o FNE para participar nos debates que estão lá ocorrendo. Por sua vez, o FNE solicita audiências nas comissões e subcomissões para fazer outros debates que julga importantes, como foi o caso da reforma do Ensino Médio.
[Dourado] O Fórum tem nas conferências de educação, nas suas reuniões periódicas, os espaços de discussão e deliberação coletivas. Além disso participa ativamente, por meio de representação, de audiências públicas, seminários, congressos, e outras iniciativas relativas a proposição e materialização de políticas educacionais no país. O FNE realiza, ainda, estudos e discussões sobre temáticas diversas no campo educacional emitindo notas públicas, intervindo na agenda educacional, entre outras iniciativas.
Margarida Machado
Desde quando a ANPEd é atuante nele?
[Machado] A ANPEd participa desde os debates para a Coneb/2008, tendo participação efetiva registrada na comissão da Conae/2010 e 2014. Até a semana passada coordenava a comissão de sistematização do FNE, quando foi destituída.
Como a ANPEd tem atuado no fórum nos últimos anos?
[Machado] A ANPEd tem uma atuação muito intensa no FNE. Nossa participação sempre se fez mais presente na Comissão de Sistematização, onde contribuímos desde a elaboração dos documentos referências para serem debatidos nas conferências preparatórias, como acompanhamos o recebimento das emendas e as consolidamos para a votação na Plenária Final.
[Dourado] A participação da Anped tem sido muito expressiva no FNE seja na Comissão de Sistematização, onde vem assumindo a coordenação dessa importante Comissão, seja na coordenação de grupos de trabalho (como exemplo o GTT sobre a BNCC).
Qual a atuação da ANPEd na CONAE 2014?
[Machado] Especificamente na Conae/2014 coordenei, junto com a representação da UNE, o Eixo 4 da conferência e depois, na Plenária Final, assumi a recepção e análise das moções da Conferência.
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Documentos