A partir deste mês de outubro, o Fórum de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (FCHSSA) passa a contar com nova coordenação - Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) e Selma Leitão (UFPE), vice-coordenadora. Ao articular os pesquisadoras e as pesquisadores que compõem essa grande área do conhecimento do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia brasileiro, o objetivo principal do fórum é o debate e a tomada de posição sobre os temas relativos às políticas e às práticas de pesquisa que afetam os(as) pesquisadores, a comunidade científica e a sociedade brasileira.
Exemplo dessa atuação ocorreu nesta terça-feira (18). O novo coordenador do fórum enviou documento ao presidente interino do CNPQ questionando e repudiando os rumores de cortes de bolsas. A carta (clique aqui para acessar) foi assinada pelas 50 entidades que compõem o FCHSSA.
Seguindo-se à coordenação de Antônio Carlos de Souza Lima (Associação Brasileira de Antropologia), o FCHSSA passa a contar com um representante da Educação, por indicação da ANPEd. Andrea Gouveia (UFPR), presidente da Associação, relembra que a indicação do professor Luciano Mendes para esta tarefa foi um grande consenso entre as associações devido a sua importante trajetória nos debates sobre os temas que são caros ao Fórum. "A educação é uma das áreas com mais grupos de pesquisa cadastrados no CNPq. Consideramos que assumir a coordenação do Fórum é poder contribuir no fortalecimento deste grande campo de humanidades na defesa de condições adequadas para a pesquisa, a divulgação científica e a formação de pesquisadores", afirma Gouveia. Por sua vez, Luciano Mendes considera que essa presença da ANPEd à frente do fórum também reflete o peso e atuação da Associação no âmbito da SBPC e da própria Educação. "A área de Educação é a que a possui maior número de pesquisadores e alunos, terceira maior em cursos de pós-graduação. É a área de maior capilaridade", pontua o professor da UFMG, que já tinha participado do FCHSSA no conselho deliberativo do CNPq, ajudando a articular a presença da Ciência e Tecnologia no interior do fórum.
Atuação do Fórum
Luciano Mendes relembra que o fórum teve e tem papel destacado e fundamental na revisão de normativas, como na questão da Ética na Pesquisa - acesse seção do portal da ANPEd sobre a temática. "O fórum ampliou o escopo para a Ciência e Tecnologia sem abandonar a Ética na Pesquisa. De certa forma agora é retomar o trabalho, mas com mais responsabilidade por estar na coordenação, diretamente ligado às políticas de CT. A Selma Leitão vai se responsabilizar pela Ética na Pesquisa. Juntos esperamos criar uma dinâmica de debate, encontro entre colegas de diferentes áreas para somar força e entendimento, teórico e metodológico. A área não vai olhar só pra si, mas mobilizar pesquisadores para o debate e enfrentamento das grandes questões que estão hoje desafiando a sociedade brasileira".
Nesse sentido, o novo coordenador do FCHSSA aponta algumas frentes prioritárias nesse desafio. Do ponto de vista organizacional, o intuito é dar cara ao fórum, tanto com a criação de canais de comunicação (clique aqui e acesse o blog do FCHSSA) quanto na articulação com instituições, como a SBPC e as agências, numa importante aproximação com as frentes de regulamentação e representação dentro do sistema. "Isso já vinha sendo construído, vamos fortalecer."
Outro desafio é propriamente no campo de articulação dentro da comunidade de Ciência e Tecnologia, tendo em vista que a Educação responde por um terço de tal sistema. "As Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, apesar de grande importância, de pesquisadores e produção, ainda não tem o respeito devido que merece dada a sua presença marcante. É preciso uma interação mais próxima com demais sociedades científicas."
Luciano Mendes exemplifica esse campo de disputa com a questão da internacionalização, muito cobrada dos pesquisadores. "Ela não pode ser olhada da mesma forma que na física e matemática, por exemplo, que são de outra natureza. É preciso estar mais próximo das outras áreas, discutindo, convencendo-os das especificidades, disputas do que é pesquisa científica, produção de conhecimento. Por isso a importância de nossa participação dentro da própria SBPC, com um papel dentro dela à altura de nossa força política e acadêmica. E esses agentes tem que reconhecer isso", defende.
Quanto às políticas de Ciência e Tecnologia, esse grande desafio envolve questões como financiamento e critérios de avaliação, no debate sobre verbas, cortes, impacto das medidas do governo Temer na área. "Todos querem que melhore, mas o necessário rigor na aplicação tem que partir de critérios específicos pras grandes áreas, e não de algumas delas." Andrea Gouveia defende que o fortalecimento do debate das especificidades da pesquisa nas áreas em que as relações sociais são a principal preocupação traz especificidades para os debates sobre os sujeitos, as formas de construção do conhecimento e as metodologias. "Quanto às condições de pesquisa, é importante o acompanhamento contínuo do financiamento no que se refere ao volume de recursos e também às formas que os editais de fomento compreendem a pesquisa. Avançar nestes debates será um desafio importante do FCHS", afirma a presidente da ANPEd.
Luciano Mendes ainda chama a atenção para outra frente que traria estratégicas contribuições - a produção de dados de conhecimento do próprio sistema das grandes áreas na Ciência e Tecnologia. "Alguns trabalhos investigam isso, mas ainda são poucos, pequenos e parciais perto do tamanho da área. É um papel do fórum reunir vários olhares e disponibilizar pro conjunto da comunidade."
Criação do FCHSSA e contexto político
Coordenador anterior, Antônio Carlos de Souza Lima relembra que o fórum foi criado tendo como seu principal motivo lidar com a elaboração de uma política nacional para essa grande área, redundando também na negociação da recriação de uma diretoria das ciências humanas no CNPq e com questões relativas à Ética em Pesquisa.
O documento intitulado 'Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para as Áreas Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas' é uma peça importantíssima e fruto de intensa participação das associações congregadas no fórum, delineia os parâmetros essenciais e consentâneos a uma política científica e de inovação que nos contemple, já que em geral todos os parâmetros das políticas científicas são pautadas pelas áreas biomédica e tecnológica. O documento também lida diretamente com a realidade da expansão do sistema universitário, do ensino superior e sua regionalização", rememora.
Lima, no entanto, afirma que esse contexto refletia um "otimismo residual", posteriormente sofrendo o contraponto da política nacional. "Daí para diante, o que fizemos foi reagir ao acelerado processo de desmonte do construído dadas as circunstâncias políticas que redundariam no golpe do impeachment de Dilma Vana Rousseff. As divisões intra associações surgiram espelhando as clivagens da sociedade brasileira, ainda que juntamente com a SBPC tenhamos tentado dialogar enquanto foi possível e firmar posições coerentes aos princípios que ensejaram a criação do fórum."
Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) desde janeiro de 2015, Lima diz que em termos mais gerais o balanço positivo que procura extrair tem a ver com a constatação da pertinência de um fórum de tal natureza, com uma coordenação indicada pelas associações em nome de pessoas com notável participação e presença em todo processo, como Luciano Mendes de Faria Filho e Selma Leitão. "No momento político atual julgo que o fórum deve seguir os rumos que já vêm sendo brilhantemente expostos pelos seus novos coordenadores, tornando-se um espaço de encontro, troca e construção de consenso para investimentos que busquem preservar nossa singularidade, que denunciem os processos de desmontagem e inviabilização da produção científica no país." Como exemplo, ele cita o debate sobre Ética na Pesquisa, a diferenciação de áreas cristalizada pela política da Capes e pelo edital do CNPq desse ano e a PEC 241, que "todos apontam na direção de uma política não de austeridade, mas de amplas repercussões para o extermínio do pensamento crítico, do qual as ciências humanas, sociais e sociais aplicadas são as principais formuladoras. Solidariedade, ação articulada, abrir trincheiras quando for possível contra-argumentar, criar alternativas: eis as perspectivas que se nos colocam para os anos vindouros".