Texto: Jéssica Souza – Assessoria de Comunicação da UFPA
O estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal do Pará (UFPA) Lourival Ferreira do Nascimento, 52 anos, defendeu, no dia 27 de fevereiro, a tese Representações Sociais e Inclusão Escolar: Jovens com Cegueira Tateando o Futuro, realizada com a orientação da professora Ivany Pinto Nascimento. Fizeram parte da banca examinadora o vice-reitor, Gilmar Pereira da Silva (PPGED/UFPA); Salomão Mufarrej Hage (PPGED/UFPA) e os professores convidados Arthane Menezes (PPGED/UNIFAP) e Ivanilde Apoluceno (PPGED/UEPA), por videoconferência.
Lourival, cego desde os 15 anos, já possui um longo percurso de atuação na educação inclusiva, sendo atualmente servidor público no Centro de Referência em Inclusão Educacional “Gabriel Lima Mendes” - CRIE/SEMEC e no Instituto José Alvares de Azevedo/Seduc, também já presidiu a Associação de Cegos do Pará. Formou-se em Pedagogia pela UEPA, recebeu o grau de mestre pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea/UFPA) e, agora, prepara-se para a defesa de doutorado no PPGED/UFPA.
A tese é o resultado dos estudos realizados no curso de sua trajetória sobre a representação social da inclusão escolar por jovens com cegueira. O seu objetivo foi analisar as representações sociais de jovens com cegueira sobre a inclusão escolar e as implicações para o seu projeto de vida. “Buscamos desvelar como o jovem cego sente e percebe sua inclusão escolar, que situações ele vivencia nesse processo”, explica.
A pesquisa foi feita com base em entrevistas realizadas no ano de 2017, com dez jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo cinco homens e cinco mulheres, todos alunos da Unidade Técnica Educacional Especializada José Álvares de Azevedo (UTES JAA).
“Quando iniciamos as análises das entrevistas, chegamos a seis categorias temáticas de representações, das quais duas são de percepção, ou seja, de como o jovem se percebe incluído e/ou excluído na família, na sociedade ou no ambiente escolar; e as demais levam em consideração o protagonismo do jovem cego; os aspectos pedagógicos da inclusão escolar; os aspectos estruturais da inclusão escolar e as perspectivas de futuro desses jovens”, sintetiza.
Questões profundas - Segundo o pesquisador, o tema é instigante e rico. A expectativa é de que a pesquisa possa, futuramente, basear políticas públicas para a melhoria da inclusão de pessoas cegas no sistema educacional do Pará e, quiçá, no Brasil.
“É de senso comum observar que a cidade, por exemplo, não está construída para todo mundo. No que se refere à inclusão, as teorias nos mostram que existe uma dívida enorme com a sociedade brasileira. Quantas pessoas têm acesso à moradia, à educação, a emprego digno? A questão da deficiência visual entre os jovens é apenas uma dessas questões, embora dialogue com outros temas, e nos traz uma gama de reflexões mais profundas acerca da inclusão”, reflete Lourival.
“Hoje existe uma discussão sobre o modelo social da deficiência, ou seja, para além dos estereótipos, dos estigmas, a construção da deficiência é social, pois muitas das relações poderiam ser transformadas a partir de uma perspectiva de ser humano que compreende a diversidade, as especificidades de cada pessoa. À medida que a inclusão amplia essa compreensão, ela traz uma contribuição enorme para a humanidade”, aponta o pesquisador.
Entre os principais desafios que ele mesmo viveu em sua trajetória educacional e acadêmica, Lourival Nascimento aponta a necessidade de uma melhor formação de profissionais e da sociedade de um modo geral em lidar com a deficiência.
“Nossa formação humana, técnica e política, no Brasil, é muito precária. As pessoas têm receio, há muito desconhecimento e também preconceito. Isso implica problemas de relacionamento que os cegos enfrentam ao longo de suas vidas, algo que também foi apontado pelos jovens entrevistados na pesquisa”. Além disso, tanto o pesquisador quanto os entrevistados revelam que a falta de ferramentas e recursos didático-informativos preparados para atender às mais diversas deficiências geram muitos entraves no que se refere à inclusão.
Dados inéditos - A ausência de uma fonte fidedigna de dados que revele a realidade do cego no estado também foi uma dificuldade para o pesquisador. Assim, o trabalho aponta alguns dados inéditos com relação à educação de cegos no Pará. Por exemplo, dos dez jovens entrevistados, nove vivem de previdência social. Nenhum tem vínculo formal de emprego, um está no ensino fundamental, sete estão no ensino médio e dois no ensino superior. “São dados que subsidiam também uma abordagem sociológica, laboral e econômica dos jovens cegos na sociedade”, diz.
Algumas dessas dificuldades no acesso à educação, por exemplo, foram superadas por Lourival na Universidade, com o apoio da Coordenadoria de Acessibilidade (CoAcess), órgão vinculado à Superintendência de Assistência Estudantil (Saest) da Pró-Reitoria de Extensão (Proex); do Espaço Braille pertencente à Biblioteca Central, o qual disponibiliza um acervo de 145 títulos, entre livros e periódicos escritos em grafia braile, além de audiolivros; bem como com a ajuda de amigos e familiares.
Exemplo - Lourival Nascimento espera poder incentivar outros cegos do Pará a ingressar na academia e alcançar o doutoramento. “Acredito que as instituições só melhoram em termos de inclusão quando as pessoas com deficiência estão presentes. Daí a importância de a Universidade facilitar o ingresso dessas pessoas ao ensino superior, pois é assim que se renovam os procedimentos e as estruturas institucionais para atender aos mais diversos públicos”.
A UFPA reserva uma vaga em cada curso de graduação para acesso de pessoas com deficiência. Atualmente a Universidade possui cerca de 15 alunos cegos ou com baixa visão.
A tese será entregue em formato tradicional, mas a expectativa é a de que as imagens e tabelas que compõem o trabalho possam ser descritas em áudio por meio do Projeto #PraCegoVer, que consiste em transformar imagens em palavras, obedecendo a critérios de acessibilidade, respeitando as características do público a que se destina.