por João Marcos Veiga
Área com maior volume de produção de artigos, Educação luta por reconhecimento, retomada de investimentos, visão ampliada de ciência e visão de futuro, como defendido em Seminário promovido pela ANPEd
08 de julho celebra o Dia da Ciência e, não por acaso, também o do/a Pesquisador/a. E nos últimos anos uma palavra tem marcado a vida de quem atua nesta área: resistência. Por parte da comunidade que realiza investigações em universidades, escolas, centros de pesquisa e laboratórios do país, a postura é de tentar preservar um grau mínimo de investimentos em bolsas e insumos que permita a continuidade das atividades. Com cortes abruptos nos últimos anos, somente no mês passado uma manobra do governo pode tirar 3 bilhões de reais do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia. Para a presidente da ANPEd, Geovana Lunardi, “a ciência vive numa encruzilhada de se manter viva com tudo que construímos até aqui”.
A fala ocorreu em seminário realizado pela ANPEd exatamente sobre o futuro da educação brasileira. Lunardi lembrou a expansão da pesquisa do país nas últimas duas décadas e o reconhecimento internacional, mas igualmente os cortes e hostilidade do atual governo, assim como a necessidade de um reconhecimento da Educação como produtora de conhecimento científico. Presente na mesa, Ildeu Moreira, ex-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) relembrou essa expansão e afirmou que sem educação ampla, pública e de qualidade não há ciência e as desigualdades crescem. “Ela é essencial para o avanço de uma nação. E no caminho inverso, sem ciência, a economia naufraga e a universidade carece de infraestrutura, formação e renovação.”
Para o professor, falta ao Brasil uma política de Estado de Ciência e Tecnologia, algo buscado desde a Constituição de 88, mas ainda em patamar ínfimo. Dos 4 trilhões de orçamento para 2022, apenas 3 bilhões vão para o setor, representando pouco mais de 1% do PIB, enquanto países como China e EUA destinam mais de 3%. E mesmo o pouco recurso sofre contingenciamentos e cortes que afetam bolsas e pesquisas. O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) coloca a revogação da Emenda Constitucional 95 (que limita o teto de gastos à inflação) como principal entrave a ser revertido, mas sem esquecer dos prejuízos trazidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Novo Ensino Médio.
Na mesma linha, Elizabeth Macedo (UERJ) defendeu que a Ciência e Educação precisam ser áreas prioritárias. “O país abriu mão de projeto articulado de políticas públicas coordenadas pelo governo federal e MEC. “Mas na verdade é um projeto, a exemplo das pautas de homeschooling, voucher, escola charter e escola militarizada. Isso é uma política de desmantelamento.” Além dos cortes, ela destaca o caráter de imprevisibilidade e judicialização que tem marcado as políticas de educação, trazendo insegurança às partes envolvidas.
Diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Paula Vieira relembrou a proposta de cobrança de mensalidades, desrespeito de votações internas nas universidades, instauração de interventores em reitorias e bolsas sem reajustes há 10 anos, com perda de 70% do poder de compra. Junto a isso, as desigualdades foram agravadas pela pandemia e pela presidência. Como frisado pela mestranda da UFC e professora de Matemática na rede pública, a educação sofreu muito com o ensino remoto, que expôs abismos sociais de pressão aos docentes. “Mas ao mesmo tempo, os desmontes também nos trazem os desafios de reconstruir um Brasil independente. “A Educação é instrumento para o projeto de reconstrução nacional”, defende.
Educação e Ciência
A produção científica brasileira se dá sobretudo nas universidades brasileiras. Mas mesmo dentro dela convive-se com o descrédito de um entendimento de sua própria produção nas diferentes áreas. Algo contraditório com o que aponta mapeamento da ciência brasileira de 2015 a 2020, que indica a Educação como maior cluster de publicações. O panorama apresentado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos em 2021 destaca a Educação apresentando o maior acervo: 16.672 artigos.
“Todas as políticas públicas em educação, absolutamente todas, que deram certo nas últimas décadas tiveram como suporte um tripé formado pela ação dos movimentos e ativistas sociais, a atividade política parlamentar ou executiva e as pesquisas realizadas na área de educação”, afirma Luciano Mendes (UFMG). Segundo o pesquisador, elas são fundamentais para a construção de políticas públicas sérias, inclusivas, democráticas e eficientes.
Como analisa o mapeamento da ciência brasileira, as pesquisas da Educação trazem foco em políticas públicas, formação de professores, estrutura curricular e aprendizagens necessárias tanto na Educação Básica quanto no Ensino Médio. Mas percebem-se temas emergentes como identidade, diversidade cultural, gênero, educação especial, educação rural e inclusão escolar, inclusão digital, o uso de novas tecnologias, educação a distância e sustentabilidade.
Coordenadora do GT 02 da ANPEd, de História da Educação, Rosa Corrêa (PUC-PR) afirma que este lugar de destaque da produção de pesquisa em Educação no Brasil se deve substancialmente à expansão da pós-graduação por meio de seus grupos de estudos e pesquisas. “Mas ainda carece de maior reconhecimento“, argumenta. A pesquisadora acredita que precisa haver uma conscientização dessa importância junto à sociedade de modo geral, potencializando o conhecimento das humanidades como referência nacional e com maior diálogo com a educação básica.
Para Luciano Mendes, há um preconceito arraigado na comunidade acadêmica nacional em relação à educação básica pública. “Boa parte dos departamentos de nossas universidade, onde se produz o conhecimento científico no país, não reconhece a importância de se dedicarem, por exemplo, à formação de professoras/es para a escola básica.” Para ele, um dos grandes desafios está na criação de revistas e jornais que dialoguem diretamente com a educação básica.
Se por um lado o mapeamento da Ciência mostra a pujança da área da Educação, ele também aponta que a produção concentra-se em universidades do sudeste e sul (USP, UFRGS, UFMG e UFRJ nas quatro primeiras posições), mostrando a necessidade de descentralização, popularização da ciência e mesmo um entendimento mais amplo da própria ciência.
Uma ciência decolonial para todas pessoas
O tema da SBPC para celebrar a data este ano é “Ciência para Todos: impactos das diferentes ciências para o nosso país”. Essa perspectiva é algo a que a Educação se dedica cotidianamente nos debates, na abertura dos eventos formais de pesquisa a outros saberes, mas com desafios e um caminho a ser percorrido. A ANPEd, por exemplo, vem fazendo grande esforço nesse sentido, com a produção de conhecimento disponibilizado em seu canal no Youtube.
Segundo Luciano Mendes, um dos mais importantes projetos em curso é o Portal do Bicentenário da Independência, iniciativa pública, nacional e em rede, com efetiva participação de professoras da educação básica. O projeto é estruturado na ANPEd e ancorado nos grupos de pesquisa da área de educação, fundamentalmente. “Outra iniciativa digna de nota, e inédita no país, é a criação da Rede Comunica Educação”, conta Luciano. A proposta articula dezenas de instituições científicas da área da educação num esforço de divulgação das pesquisas que ocorrem nas áreas. Rosa Corrêa cita o trabalho feito também por demais entidades, como a Sociedade Brasileira de História da Educação, que contribuem para a democratização do conhecimento científico, destacando a publicação da Revista Brasileira de História da Educação e de vários eventos nacionais e internacionais.
Dentro do debate das diferentes ciências produzidas no país, Simone Freire (FURG), coordenadora do GT 22 da ANPEd, de Educação Ambiental, avalia que a negação das ciências humanas e sociais como campo produtor de conhecimento é um projeto com intencionalidade bem definida e que teve seu marco na modernidade e colonialidade quando se impôs um projeto hegemônico de produção do saber, com lugar, tempo, gênero e raça. “Esta demarcação violenta objetificou povos originários, mulheres, negou saberes populares e impôs um silenciamento a estes saberes outros. Ao estigmatizar, invisibilizar e fragmentar o conhecimento, as sociedades ficaram reféns de uma ciência que se apresenta como única e universal, mas que não é”, argumenta.
Para ela, rupturas e fissuras culturais nessa estrutura do que se concebe como ciência e conhecimento demandam tempo e trabalho árduo. “É isso que a educação faz: trabalha, diuturnamente, para decolonizar saberes e promover espaços reflexivos populares que se voltem à uma prática da liberdade para transformar esse cenário neoliberal que nega saberes, nega pessoas e nega, assim, humanidades.”
A pesquisadora defende a importância das atividades de extensão para a construção de uma nova relação de ciência e sociedade. “É preciso levar a universidade à comunidade, mas também é preciso trazer a comunidade, e os saberes outros que não estão na academia, para a universidade.” Ao construir espaços de educação fora dos ambientes formais, ela acredita que o coletivo pode trazer os caminhos dessa mudanças.
Reconstruir o futuro
Os participantes do seminário da ANPEd, assim como estimulado pelo encontro, reforçaram a necessidade de olhar para o futuro a curto e médio prazos com atenção, com as eleições no tabuleiro imediato. Para Beh Macedo, as perspectivas levam em conta a esperança das urnas, “mas mesmo assim acredito que não vai ser possível recuperar tudo que foi perdido, ao menos no curto prazo”. A desestruturação, tal qual avalia, foi muito grande, com perda de estudantes e fuga de cérebros. “Precisaremos de prioridades para não deixar ninguém para trás.” O caminho estaria em reduzir os danos de um sistema meritocrático, com propostas factíveis dentro das disputas.
Ildeu também relembra que, independente do resultado das eleições, o orçamento para 2023 vai ser definido pelo atual congresso, de perfil conservador. “Temos que atuar no segundo semestre não só com o Executivo, mas com o Legislativo, para que tenham compromisso com a ciência.” Para ele, a retomada do investimento é fundamental para alcançar um projeto de nação amparado na ciência, pois, apesar da expansão, acredita que ainda existe muita burocracia e necessidade de inovação. “A universidade faz muito, mas pode fazer ainda mais, para ajudar a educação básica, a formação de professores, para construir uma educação de cidadania e inclusão.”
Todos os presentes reforçaram a necessidade de ter a Educação e a ciência como política de Estado, com remuneração adequada e condições aos pesquisadores, regularização do valor de bolsas, retomada da expansão da pós-graduação, políticas de acesso e permanência, ações afirmativas e cumprimento do Plano Nacional de Educação. Paula Vieira lembrou que está em construção o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), que precisa ser amplamente debatido - trabalho que a ANPG vem assumindo em seus encontros e congresso no mês de julho.
Como pontua Beth Macedo, a Educação tem tradição de trabalho conjunto, de movimento coletivo. “Temos que dialogar com outras áreas, pensar em conjunto, propor editais para reverter assimetrias.” Para Paula, a esperança se coloca como obrigação. “O que a ANPEd está fazendo é maravilhoso, de estarmos aqui pensando no futuro mesmo frente a isso tudo que estamos vivendo. Que a gente não deixe de sonhar e se empenhar por essas transformações.”
Os seminários da ANPEd seguirão ao longo dos próximos três meses, recebendo importantes pesquisadores nacionais e internacionais. Tal qual pontuou Geovana Lunardi no encontro, a ideia é que, ao final, a Associação construa um documento com a síntese das propostas de Educação e pesquisa a ser apresentado aos candidatos do pleito eleitoral de outubro.